A LENDA DO CABOCLO DÁGUA

Por este Brasil a fora

Eu estou sempre viajando

Declamando meus poemas

Os meus cordéis divulgando

Muitas lendas descobrindo

Outras estórias ouvindo

Vou logo me interessando.

E por onde vou passando

Sempre há algo pra contar

Como essa lenda que ouví

Passando por Propriá

No Estado sergipano

Divisa com o alagoano

Que vale a pena narrar.

Estórias de arrepiar

Não faço predileção

Gosto mais de ouvir as lendas

Que enriquecem a tradição

Do folclore brasileiro

Por este solo altaneiro

No mais longínquo rincão.

Vou fazer a narração

De uma lenda especial

Pertencente ao Velho Chico

O Grande Rio Nacional

A redenção do Nordeste

Terra de cabra da peste

Também o meu natural.

Trata-se de um animal

Diferente dos demais

Protetor do São Francisco

Vem desde Minas Gerais

Assustando os pescadores

Marujos, navegadores

E até mesmo os animais.

Segundo consta os anais

E ditos das multidões

Ele assombra os navegantes

Afundando embarcações

Mais ativo em Juazeiro

Mas também é presepeiro

Nos mais longínquos rincões.

Divide-se opiniões

Na forma que ele é chamado

Caboclo D’água é o nome

Negro D’água apelidado

Homem D’água, outro apelido

Mas tem o mesmo sentido

Esse bicho endiabrado.

É um ser modificado

Bem troncudo e musculoso

Tem um só olho na testa

O corpo um tanto escamoso

Tem aparência de um homem

E a força de um lobisomem

Esse bicho tenebroso.

Pescador supersticioso

Até já não pesca mais

Quem se arrisca leva fumo

Outros objetos tais

E no barco ainda implanta

Facas, pois o aço espanta

Seres sobrenaturais.

Dizem que outros sinais

Também foram revelados,

É a fusão de um negro forte

Com um sapo agigantado

Nadadeira em pés e mãos,

Quem vê essa aparição

Gagueja e fica travado.

O pescador tarimbado

Sabe também se aguardar

Jogando fumo na água

Para o bicho afugentar

E pesca despreocupado

Que o negro segue ao seu lado

Mas nunca vai lhe atacar.

Mandaram edificar

Numa praia em Juazeiro

Uma estátua do Homem D’água

Gastou-se muito dinheiro

Tem doze metros de altura

Mas com isso a criatura

Ficou muito prazenteiro.

Sempre alegre e presepeiro

Dá risadas infernais

Assusta pela aparência

Porém não ataca mais

Petrolina e Juazeiro,

E foi marcar seu terreiro

Em outros rios nacionais.

O Estadão de Goiás

Está vivendo esse dilema

Nos rios Paranaiba

Rio Verde, Apoema,

Pescador está perdido

Pois o negro tem surgido

Causando muito problema.

No Rio Paranapanema

A notícia se espalhou

Que lá tinha um Homem D’água

Perseguindo pescador

Quem à noite ali pescava

No rio não mais entrava

Depois que ele chegou.

Ribeirinho se assombrou

Somente de ouvir falar

Se afastavam do rio

Viviam só de rezar

Se não fosse reza brava

O Homem D’água atacava

Pois tava morando lá.

Do Tocantins ao Pará

O negro também atua

No Rio Paranaíba

É visto em noite de lua

No Araguaia há registro

Que um pescador tinha visto

Aquela figura nua.

Há lugares que ele atua

Disfarçado em animais

Na cidade Pirapora

Que é lá pras Minas Gerais

Contam que um pescador viu

Um burro morto no rio

Há alguns anos atrás.

Foi procurar os sinais

Para aos donos avisar

Porém o burro afundou

Não houve como encontrar

Mas quando olhou a canoa

O negro estava na proa

Querendo a mesma afundar.

Conheci em Propriá

Uma fábrica de carranca

Que se coloca nos barcos

Pra ver se o bicho se manca

Mas ele é muito teimoso

E fica mais furioso

Vez por outra a alguém espanca.

Eu não quero botar banca

Não é do feitio meu

Mas lembrei-me de uma história

Que uma vez aconteceu

No Triângulo Mineiro

Quando eu era solteiro

Comigo e um primo meu.

Eram Gabriel e eu

Nós morávamos em Goiás

E tínhamos namoradas

Do lado Minas Gerais

Hoje esta parte do rio

Uma barragem engoliu

E já não existe mais.

Quirinópolis em Goiás

Em Minas, Santa Vitória

Paranaiba era o rio

Onde passou-se a história

Coisas que deixam saudade

Do tempo da mocidade

Que vivem em minha memória.

Tão mal rompia a aurora

Todo Domingo era o dia

Atravessávamos o rio

Íamos para a moradia

De duas moças prendadas

Que eram nossas namoradas

E ali reinava a alegria.

Pra fazer a travessia

Barcos, balsas e canoas

Navegavam o dia inteiro

Lotando popas e proas

Motores funcionando

E às vezes atravessando

Com muitas remadas boas.

Nos rios ou mesmo em lagoas

Sempre há esse expediente

Começam de manhã cedo

Vão até o sol poente

Um dia nós descuidamos

E quando ao rio chegamos

Não havia um só vivente.

Destemidos e imprudentes

Topemos atravessar

Com as roupas na cabeça

Teríamos que nadar

Seiscentos metros de rio,

Esse era o desafio

Que tínhamos de enfrentar.

Havia um belo luar

Conosco na travessia

De repente outra pessoa

Entre nós aparecia

Vez por outra se afastava

Às vezes se aproximava

Ou de repente sumia.

Um vento forte zunia

Da nossa sorte zombando

Aquele nosso parceiro

De vez em quando espanando

Água em nossa direção,

Mas com obstinação

Em Goiás fomos chegando.

Hoje velho, relembrando

Essa nossa travessia

No ano sessenta e oito

A lenda eu não conhecia,

Constato cheio de mágoa

Que nadei com o Homem D’água

Toda a noite e não sabia.

Fortaleza, 23/02/2011

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 17

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Reeditado em 20/11/2022
Código do texto: T3493746
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.