O BEATO ZÉ LOURENÇO

Trecho do Cordel:

No tempo de Padre Cícero

Havia grande fanatismo

No meio religioso

Onde nasciam os modismos

Em torno de Juazeiro

Com um regime aventureiro

Igualmente o comunismo.

Entre crença e fanatismo

Construiu-se Juazeiro

À sombra de Padre Cícero

Atraindo aventureiros

De tudo quanto é lugar

Pois nem só do Ceará

Eram os grupos romeiros.

Beatos e cangaceiros

Iam para o Ceará

Procurando Padre Cícero

Para lhes abençoar

Iam se habituando

Por lá se acostumando

Poucos queriam voltar.

Não eram do Ceará

Vinham de outros Estados

Do sertão pernambucano

Vinham os marginalizados

Da justiça foragidos

E ficavam escondidos

Pelo «Padim» amparados.

Uns mais entusiasmados

Até viravam beatos

A exemplo de Zé Lourenço

Um alagoano mulato

Que fez muita confusão

E nesta composição

Eu conto tudo de fato.

Do Juazeiro pro Crato

Ao lado de «Padim Ciço»

Zé Lourenço foi ficando

Terminou sendo noviço

E de noviço a beato

Sempre com muito aparato

Causou grande reboliço.

Geralmente o Padim Ciço

Gostava de amparar

A quem se aproximasse

Com a intenção de trabalhar

Nas suas propriedades

Pois tinha muitas herdades

Para se administrar.

Lourenço ficou por lá

Morando no Juazeiro

Na Fazenda Poço Dantas

Do padre ele foi vaqueiro

Com pouco tempo o fulano

Arquitetou logo um plano

Para extorquir dinheiro.

Espalhou no tabuleiro

Que na fazenda existia

Um boi muito milagroso

Que curava e protegia

E haja chegar romeiro

Vinham do Nordeste inteiro

Ao boi pedir garantia.

Todo romeiro trazia

Um donativo, um presente

Pra agradar o boi milagroso

E Zé Lourenço contente

A todos abençoava

Enquanto mais aumentava

Sua fortuna potente.

O beato inteligente

Ao boi de fitas cobria

Todo enfeitado de flores

Aumentando a profecia

Dos romeiros vinha a crença,

Quem tivesse uma doença

Com a fé no boi sararia.

A notícia chegaria

Tão logo na capital

E um amigo do padre

Deputado Federal

Para acabar o boato

Mandou prender o beato

E matar o animal.

Bem na praça principal

O boi foi executado

E a carne distribuída

Depois do couro tirado

Muita gente recebeu

Da carne mas não comeu

Devido o boi ser sagrado.

O padre penalizado

Com aquela situação

Mandou soltar o beato

E tomou a decisão

Para ninguém mais prendê-lo

Resolve então escondê-lo

Na Fazenda Caldeirão.

Lourenço entrou em ação

Trabalhando sem parar

Construiu uma grande chácara

Com os romeiros a ajudar

E quanto mais prosperava

Mas romeiro ali chegava

Vindos de todo lugar.

Um verdadeiro pomar

Foi por ele construído

O comando que ele dava

Era sempre obedecido

Terminou dono de tudo

Uma verdadeira Canudos

No Cariri ressequido.

Tendo o padre falecido

Ficou pra ele a fazenda

Que mais e mais prosperava

Com todos em sua vivenda

O governo em pé de guerra

Resolveu tomar a terra

E começou a contenda.

Zé Lourenço na fazenda

Arregimentou romeiros

E formou com muita força

Um grupo de cangaceiros

Para enfrentar as volantes

Formadas de ignorantes

Policiais desordeiros.

O sangue nos tabuleiros

Corria em profusão

Os romeiros com cacete

Derrotava o batalhão

O governo envergonhado

Manda um contingente armado

Para atacar de avião.

Essa triste decisão

Deixou o Nordeste mudo

Juazeiro e Crato assistiram

A destruição de tudo

O Caldeirão derretendo

Gente inocente morrendo

Igual fizeram em Canudos.

Com aquele conteúdo

Desonesto do governo

Se inaugurou no Nordeste

Um cangaço mais moderno

Gerado nos gabinetes

Transformando com os falsetes

O paraíso em inferno.

Os cangaceiros de terno

Fazendo e acontecendo

Foi assim naquele tempo

E assim continua sendo

A arma é a demagogia

O grande na mordomia

E o pequeno sofrendo.

Beato Lourenço vendo

Seu bando ser dizimado

E o povo no Caldeirão

Injustamente queimado

Sem forças pra reagir

Conseguiu escapulir

E se esconder noutro Estado.

O Caldeirão foi tomado

Tudo lá foi destruido

Zé Lourenço em Pernambuco

Passou um tempo escondido

Até deixar de viver

E a lei só veio a saber

Depois de ele ter morrido.

Lourenço não foi bandido

Era um fanático boçal

Não roubava nem matava

A ninguém fazia mal

Era um mítico demente

Que o governo inteligente

Levou a um ponto final.

Se um estudo natural

For feito com paciência

Vai descobrir que a polícia

Cometeu mais violência

No Nordeste brasileiro

Do que os grupos cangaceiros

Que agiam por imprudência.

Lei que apoia violência

Agora já não há mais

Cangaceiros no Nordeste

Existe só nos anais

Restou somente o legado

Desses pobres vergastados

Às injustiças sociais.

O meu nome é Virgulino

O lagarto nordestino

Ouça bem o que lhe digo

O cangaço é meu quintal

Meu sobrenome é perigo

Vai me dando essas moedas

E rezando pra Padre Ciço

Foi com Antônio e Levino

Com meus irmãos aprendi

Que no cangaço o homem

Tem que ser macho

No cangaço o homem

Não pode dormir

Leão valente e cangaceiro

Macho de todas as maneiras

Foi assim que eu me apresentei

Na tropa do sinhô Pereira

Vendo o sofrer do meu povo

Nas mãos do crime eu cai

Na casa da baronesa

De água branca eu bebi

Peguei o bicho pelo pescoço

Prendi Antônio Gurgel

Um frio na espinha desceu pelas costas

Me gelando a boca do céu

Numa agonia de dá dó

Foi dois de uma vez só

Perdi Colchete e Jararaca

Na invasão a Mossoró

O Calango escondido

Não aceitou a derrota

Mas tive que esperar

Pois Pernambuco, Paraíba

E Ceará, estavam á me caçar

Atravessei o São Francisco

Com cinco cabras na mão

E foi lá na Bahia

Que eu me levantei do chão

Um certo dia escondido

Na fazenda de um coiteiro

Foi lá que eu encontrei

Meu amor verdadeiro

Só tinha um problema

Era a mulher do sapateiro

Fugiu comigo

Em nome desse amor

Enchendo meu coração de alegria

Maria Déia,

Cheia de idéia

Flor nordestina

Na caatinga

Debaixo de um umbuzeiro

Nasceu minha filha Expedita

Lindo anjo vindo do céu

Á iluminar minha vida

Com minhas roupas

De Napoleão

Feitas pelas minhas mãos

De artesão

Apresentei meu bando

E minhas cartucheiras

Ás lentes de Abrão

O meu olho que vazava

Dr: Bragança arrancou

Confesso tive medo

Mas não senti nenhuma dor

Meu destino tava chegando

Senti meu peito sangrar

João Bezerra e Aniceto Rodrigues

Vieram me atocaiaR

Vi cai Quinta-feira

Vi cai Mergulhão

Vi cai Enedina

De joelho no chão

Vi Moeda e Alecrim

No rabo do foguete

Vi cai Macela

Vi cai Colchete

Antes de dar meu último suspiro

Pensei no meu amor

Onde tá Maria Bonita?

Minha amada

Minha flor

Fui Virgulino Ferreira

Codinome Lampião

Vivi, amei, e morri

Nos braços do Sertão.

De um galego descendente de Holandesa com

Português e uma bisneta de Índia Panati, nasceu

José Medeiros de Lacerda, mais um descendente

das sete irmãs da Cacimba da Velha. Aos 8 anos,

já escrevia estórias do seu imaginário, como O

Aventureiro, descrevendo a saga de um garoto

criado entre as matas da Várzea Comprida na Fa-

zenda Passagem do Meio, de seus avós maternos.

Com 12 anos, extremamente amante dos estudos,

viu seu sonho desmoronar-se. Só homem já feito

conseguiu voltar às salas de aula, de onde nunca

mais saiu. Primeiro como aluno, depois professor.

O sangue de Tropeiro da Borborema herdado do

pai, o fez percorrer o Brasil, de Roraima ao Paraná,

carregando seus sonhos, compondo seus poemas,

idealizando seus cordéis. No teatro foi ator, dança-

rino, coreógrafo, autor, na poesia um aprendiz, do

Cordel é professor. Em Santa Luzia, constituiu fa-

mília, em Patos concluiu seu curso de Letras na

atual FIP. Hoje se realiza vendo seus cordéis lidos,

em todos os Estados brasileiros. E mais feliz fica,

vendo várias escolas pelo Brasil a fora vivenciando

sua poesia em sala de aula. Seus cordéis têm cunho

educativo, informativo, histórico, nunca usados como

desabafos íntimos, válvulas de escape diante das

pressões existenciais. Hoje com mais 300 folhetos es-

critos, faz da poesia sua terapia ocupacional. Seus ne-

tos, e sua primeira bisnetinha lhes proporcionam tudo

que ainda lhe resta para se emocionar, procurando dar-

hes o que ele não teve direito em sua infância... Seus

pais, de saudosa memória, foram apenas o começo de história!!!...

Série Cangaceiros - Vol. XL

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Reeditado em 11/08/2014
Código do texto: T3493565
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