CHICO PEREIRA - A FACE OCULTA DA MORTE

Trecho do Cordel:

No trilho da poesia

Com meu dom agora faço

Mais um cordel verdadeiro

Da história do cangaço

Pra resgatar o passado

Desse tempo mal fadado

Que terminou em fracasso.

No período do cangaço

Não havia possibilidade

De acabar cangaceirismo

De haver tranquilidade

De viver na paz serena

Com felicidade plena

Desfrutando a liberdade.

Fosse no campo ou cidade

Sempre existia questão

E grupo de cangaceiros

Por quase todo sertão

Composto de criminosos

Desordeiros perigosos

De assassino e ladrão.

Foram muitos cidadãos

Que morreram nestas terras

Defendendo os seus lares

Entre morros, rios e serras

Das covardias e displantes

Do cangaço e das volantes

Na crueldade das guerras.

Paraiba era uma terra

Sempre em revolução

A questão de Santa Cruz

Foi a maior do sertão

E entre batalhas tamanhas

Destacou-se a dos Saldanhas

E a de Chico Nitão.

Ao se acabar Lampião

Já não se fala em tal cousa

Quem morreu foi esquecido

Descansa na fria lousa

E eu volto ao tempo de então

Pra falar de uma questão

Do município de Sousa.

Minha lembrança repousa

No caso Chico Pereira

Que apelou pra justiça

Dentro da lei brasileira

Ao perder a esperança

Fez justiça por vingança

Fazendo grande besteira.

Se ausentou da companheira

Na caatinga se perdeu

Foi-se sua juventude

Depois que seu pai morreu

Se a justiça foi problema

Ele criou o seu lema

E no papel escreveu:

«O juiz do que é meu

Serei eu e mais ninguém

O advogado do caso

O mesmo Chico também

E à polícia não me rendo,

Se a justiça solta eu prendo

Do modo que me convém.

No cangaço achou por bem

Com Lampião se aliando

Em Areias de Pelo Sinal

Certa feita guerreando

Com uma volante afamada

Mostrou não temer a nada

Pois atirava cantando.

Ouviu alguém lhe chamando:

- Seu Chico de Nazaré

Não sabe então com quem fala?

Vou lhe dizer com quem é

Tu se meteu num angu

Com o herói do Pajeú

Que o povo chama Quelé!

Chico respondeu com fé:

- Venha que eu dou-lhe um cartão

Meu nome é Chico Pereira

Penante neste sertão

Mas sou firme e destemido,

Não sou perverso bandido,

Por sina, enfrento questão.

Caro Quelé, a razão

Que me tornou um guerreiro:

Mandaram matar meu pai

E a mim por derradeiro.

Não tenho medo de tiro,

Se é pra morrer prefiro

Que me chamo cangaceiro.

Acabou-se o converseiro

Ficou só o tiroteio

Pereira junto ao fogão

Levino solto no meio

Pisando em cima de brasa

E da cozinha da casa

Não sobrou nenhum esteio.

Terminado o tiroteio

Todo o grupo debandou

Só depois Chico Pereira

De Lampião se afastou

Ficou vagando sozinho

Num canavial vizinho

Da terra que lhe gerou.

Nesse período passou

Alguns dias sem comer

Exposto ao sol e sereno

Sem água para beber

Vendo seu tempo acabar

Não tinha o corpo um lugar

Que estivesse sem doer.

As noites era o sofrer

De chuvas e ventania

A roupa toda molhada

Ele dormir não podia

Penando até de manhã

Mosquito, carapanã,

Bicho de pé o mordia.

O corpo todo tremia

A chuva fazia lama

Foi mordido de uma cobra

Dentro da palha da cana

Como apelo de minerva

Bebeu com algumas ervas

Pimenta e tamiarana.

Vendo que o final se irmana

Sente pesar em morrer

Sem ver sua mãe, sua noiva

Lembrou-se então de escrever

E escrevendo dizia

Tudo quanto ele queria

Antes da morte dizer.

«Diz Jarda que se eu morrer

Sua vida não tem graça

Agora em minha ausência

A sua jura desfaça

Não precisa de sofrer

Pois do Céu também se ver

O que na terra se passa.

Deixo aqui a minha graça:

Francisco Pereira Dantas

Embora manso nos tempos

Da minha vida mais santa

Hoje tudo que me sobra

É essa mordida de cobra

Que brevemente se encanta.

Dorme e ao despertar se espanta

Com o sangue nos seus ouvidos

Alguns dentes eram moles

E outros depois caídos

A febre, o frio, as dores,

Os calafrios, temores

Já todos se eram idos.

Agradeceu comovido

A Jesus, Nosso Senhor,

Estava curado de fato

Disposto para o que for

Integrado à natureza

Dizia - Foi com certeza

O braço do criador.

Com a noiva se casou

Mas foi por procuração

No Rio Grande do Norte

Foi levado pra prisão

Por crime não cometido

Sem ele nunca ter ido

Por aquela região.

Conduzido em caminhão

Do sertão pra capital

A intenção da polícia

Era de dá-lhe um final

Depois voltou pra Acari

Onde teria que ir

Enfrentar o tribunal.

Quando saiu de Natal

Encomendou-se a Jesus

Pensando de morrer antes

De chegar a Santa Cruz

Ficou logo sem coragem

Fazendo aquela viagem

Num carro velho sem luz.

E o traslado se conduz

Quando a aurora já rompia

Nessa hora matutina

Chico Pereira morria

Sofrendo grandes horrores

Na mão dos perseguidores

Chorava mas não gemia.

Onde o fato acontecia

Ficou triste até o clima

Naquele lugar um preso

Passando se desanima

Porque naquele apertado

Mataram um homem algemado

Viraram o carro por cima.

É muita falta de estima

Matar-se um homem algemado

Pra polícia traidora

Um momento desgraçado

Matar assim não precisa,

Isso até desmoraliza

O governo do Estado.

Ele não foi condenado

Também não era ladrão

Se matou algum bandido

Foi porque tinha razão

Nunca andou no seridó,

Se roubou algum major

Não há provas no sertão.

Tendo ou não tendo razão

Nada mais tenho a dizer

No Rio Grande do Norte

Não foi possível escrever

A polícia proibiu

Porque diz que ninguém viu

Chico Pereira morrer.

Série Cangaceiros - Vol. XXXVI

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Reeditado em 11/08/2014
Código do texto: T3493555
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