CHICO PEREIRA - O DRAMA DE UMA VINGANÇA
Trecho do Cordel:
O cangaço nordestino
Nada tem de corrupção
Embora naquele tempo
Já existisse essa ação
Que vem desde a monarquia
Com o nome Demagogia
Enlameando a Nação.
Nos tempos de Lampião
Coronéis politiqueiros
Envolviam gente simples
Os tornando cangaceiros
Para cumprir seus desmandos
Muitas vezes transformando
Honestos em desordeiros.
Quantas vezes fazendeiros
Se envolviam em questão
Por força das circunstâncias
Dessa chaga da Nação
Perdendo entes queridos
Se transformando em bandidos
Se afastando da razão.
Foi assim com Lampião
Também com Sinhô Pereira
Com Adolfo Meia Noite
Perdendo a família inteira
Jararaca, Antônio Silvino
O Brilhante, Jesuino,
E até com Lucas da Feira.
O caso Chico Pereira
(É desse que eu vou falar)
No sertão da Paraiba
Divisa com o Ceará
Por questão politiqueira
Viu sua família ordeira
Um por um se acabar.
No cordel vou relatar
Uma obra alvissareira
Que transformou a rotina
De Sousa e toda ribeira
Promovendo a redenção
Daquele seco sertão
De Pombal a Cajazeiras.
O Coronel João Pereira
Nessa obra levou fé
Era o açude São Gonçalo
Na vila de Nazaré
Idealizou uma feira
Montou uma loja inteira
Com tudo que se quiser.
Com os filhos e a mulher
Trabalhava noite e dia
A vila já prosperava
O seu comércio crescia
Lutando, fazendo plano,
Com os filhos Aproniano
Chico Pereira e Abdias.
Um quarto filho existia
Abdom, o mais ordeiro
Desviou-se do trabalho
E foi pro Rio de Janeiro
Pra medicina estudar
Voltar depois e ingressar
No mundo politiqueiro.
Mas havia interesseiro
Nesse comércio instalado
Pois inveja e olho grande
Existe em qualquer Estado
Seja no Sul ou no Norte
Sempre a lei é do mais forte
O mais pobre é sempre errado.
Outro senhor abastado
Morador da região
Proprietário das terras
Do tal açude em questão
Deixou de ser fazendeiro
Recebendo um bom dinheiro
Como indenização.
Montou logo um barracão
Perto do outro instalado
Se aliou na política
Com o governo do Estado
Tanta babança e chamego
Garantiu logo um emprego
Passando a ser delegado.
João Pereira do outro lado
Lhe fazia oposição
Terminou assassinado
No centro do seu salão
Mas quando estava morrendo
Reúne os filhos dizendo:
«Por favor, vingança não!»
Estava armada a confusão
Que muitos anos durou
Chico Pereira, um dos filhos,
Do pai a ordem acatou
Porém exigiu justiça
Pedindo então à polícia
Que prendesse o agressor.
A polícia concordou
Mas botou dificuldade
Dizendo que o assassino
Fugiu pra outra cidade
Enfim, conversa fiada
Porém não faziam nada,
Era só leviandade.
Chico saiu da cidade
Com um desejo somente
Prender quem matou seu pai
E conseguiu finalmente
Mas pouco tempo passado
O preso foi libertado
Porque «tinha as costas quentes».
Pra Chico e pra sua gente
Restou a humilhação
Contrariando a seu pai
Não quis saber de perdão
Pensando agora em vingar
Destinou-se a viajar
Em busca de Lampião.
E formou-se um batalhão
Com oitenta cangaceiros
Dois irmãos de Lampião
Estavam entre os primeiros
E formaram uma trincheira
Na fazenda dos Pereira
E de mais alguns coiteiros.
Varreram o sertão inteiro
Com saque e depredação
Chico matou o desafeto
Traindo o «vingança não»
A ninguém mais deu ouvidos
Tornou-se um dos bandidos
Do grupo de Lampião.
Agora a perseguição
Não foi só em São Gonçalo
O governo e as volantes
Todos queriam caçá-lo
Os políticos do sertão
Lhe faziam oposição
Só pensando em derrotá-lo.
Faço um pequeno intervalo
Nessa história cangaceira
Para melhor explicar
Quem era Chico Pereira
O que tanto ele fazia
Como era que vivia
Aquela família ordeira.
O Coronel João Pereira
Era bem conceituado
Mas era um adversário
Dos poderosos do Estado
E esse desentendimento
Provocou seu passamento
Como aqui já foi citado.
Chico já tinha noivado
Com uma quase menina
De apenas 14 anos
Com o nome de Jardelina
Por Jarda era conhecida
Viveu no inferno em vida
Cumprindo sua triste sina.
Mesmo assim quase menina
Três filhos teve o casal
Criados à revelia
Pela família afinal
Com a ausência do marido
Que vivia escondido
Transformado em marginal.
Para aumentar o seu mal
No Estado Potiguar
Apareceu um bandido
Que vivia de roubar
Matando pobres e ricos
Usando o nome de Chico
Só para lhe complicar.
Chico nunca esteve lá
Mesmo assim foi perseguido
Nos juris da Paraiba
Ele foi absolvido
Mas sofreu uma traição
E terminou na prisão
Por crime não cometido.
Pra Acari foi transferido
E de lá para Natal
No Rio Grande do Norte
Também existia o mal
Ali quem fosse detido
Terminava sucumbido
Pelo desfecho final.
Da cidade de Natal
Chico vinha transportado
Pra Acari novamente
Onde iria ser julgado
Mas foi tudo uma cilada
Pois no meio da estrada
Dizem, foi assassinado.
Um corpo foi encontrado
Com a cabeça esmagada
O rosto desfigurado
Várias vértebras quebradas
E no local, encostado
Tinha um carro capotado
Simulando uma virada.
A história é mal contada
Mas não saiu do roteiro
Essa chaga aconteceu
No Nordeste brasileiro
Onde cangaço existia
Porém a polícia agia
Pior do que cangaceiro.
Coronel tinha dinheiro
Por isso era prepotente
No interior do Nordeste
Ainda existe essa gente
Que persegue a largo passo
Como era no cangaço
Do Brasil antigamente.
Série Cangaceiros - Vol. XXXV