O AÇOUGUEIRO E O PADEIRO (cordel)
É um caso verdadeiro
Para o leitor agradar
Fala de um açougueiro
Que sem suspeitar
Casou-se com Maria
Amante do dono da padaria.
Mas o açougueiro se vingaria:
Que sorte o padeiro teria?
Mal o açougueiro saía
Para entregar encomendas
O padeiro logo corria
Trazendo muitas prendas
Para satisfazer a senhora
Que a porta abria sem demora.
Muita sacanagem eles faziam
Sob os efeitos do vinho que bebiam.
O casal tinha uma filha
Esperta e observadora
Falava que era uma maravilha,
Aos seus três anos de idade,
Dom que a fez transmissora,
Inocente e sem maldade,
Da traição da mãe Maria
Com o padeiro Joaquim
Que pelas costas muito ria
Do açougueiro Manoel
Que a todos sempre dizia
Ser Joaquim um amigo fiel.
Mas a filha do açougueiro,
A doce menina Lazinha,
Com seu jeito brejeiro
Ninando a bonequinha
Disse: “mamãe fica tristinha
Quando carnes vais entregar.
Porém passa logo a tristeza
Com a chegada do padeiro a cantar
Dizendo ser uma beleza
Os dois pães que ela tem
E que entre eles colocará
A sua linguiça como convém
Antes de comer o filé
Deitado e depois em pé.
Fiquei esperando meu pai
Para ver se mamãe faria café
Porque eu também queria
Comer pão com a linguiça
Que o padeiro escondia
Dentro da calça amarrotada.”
O açougueiro tremeu
Ao saber que o amigo comeu
O filé que ele pensava ser só seu.
Fez um juramento de vingança
E com o demônio uma aliança
Ou ele acabaria com a festança
Do que se dizia seu amigo
Dando-lhe o correto castigo
Ou ele seria, aos olhos da cidade,
Um corno pleno de felicidade.
Passava horas e horas amolando
A faca e se via feliz decepando
A tal linguiça do amigo Joaquim.
O plano arquitetado era perfeito
Tudo daria certo e sem trejeito
Iria expor na praça o pingolim
Para exemplo de outros homens
Acostumados a matar a fome
No filé das esposas de outros.
Manoel comia e dormia pouco
De nervoso parecia louco
Aguardando o momento exato
Para executar a vingança de fato.
Tal dia chegou finalmente.
E lá foi ele com sua carga
No seu cavalo manga-larga.
Pensando estar longe o rival
Chegou o outro com a lábia usual
Começando a bolinação habitual,
Linguiça no pão sem chá ou café,
Comer deitado ou em pé
Da Maria o macio e gostoso filé.
O açougueiro fingiu que foi.
Voltou sorrateiro na calada
E com a enorme faca afiada
Aguardava o momento certo
Que já estava tão perto
Para vingança executar.
Assistiu a tudo nervoso.
Via-se num rio caudaloso
Sendo levado para o mar do ódio.
Suava em bicas e tremia
Era como estar em infernal pódio.
Finalmente Joaquim se preparou
Para colocar entre os dois pães
A famosa linguiça retesada.
Manoel num salto e facada certeira
Cortou o objeto que rolou para o chão.
Enquanto a linguiça ele procurava,
O amigo traidor de dor gritava,
A mulher aos santos clamava,
E a coisa que seria na praça exposta
Sumiu como se fosse transposta
Para outra dimensão.
Procurando pela filhinha
O açougueiro caminha
Na direção do quintal da casa
E vê a criança remexendo as brasas
De uma fogueirinha de gravetos:
Valha-me Deus! Fogo não é brinquedo.
Eu não brinco, meu querido pai,
Estou tostando a linguiça
Do seu amigo Joaquim
Que o gato trouxe pra mim.
29/01/12