Flato de menino

Um flato descontraído
saiu um dia, a passeio,
usando o perfume alheio,
doutro flato, mais fedido,
pra passar despercebido
num banheiro de granfino.
Por ser flato de menino
era muito bricalhão:
fingia ser um trovão,
num temporal intestino.

—Sou um flato genuíno!
Exclamava, orgulhoso.
—Vivo em estado gasoso,
sulfuroso e cristalino.
Por ser flato de menino,
como é da tradição,
niguém prestava atenção
fosse pro som ou pro cheiro...
Ele seguia, faceiro,
bufando de mão em mão.

Ia soprando um refrão:
—Pum-purum-purum-pum-pum...
quem quizer cheirar mais um,
pra arejar o pulmão,
chegue pra cá meu irmão,
pois sou flato genuíno,
nascido do amor divino
do arroz pelo feijão:
a mais antiga união
que frequenta o intestino.

Por um azar do destino
começou um rebuliço,
—Valei-me meu pade Ciço!
Diz um flato nordestino.
—Aqui tem flato mentindo,
com cheiro falsificado.
Eu ando desconfiado
que nem é flato de gente,
tem um cheiro dirente,
mas posso tá enganado!

O flato, contrariado,
foi saindo de mansinho,
bufando pelo caminho,
ansioso e avexado,
todo o gás acumulado
nos poucos anos de vida.
No tempero da comida
a sua filosofia,
pois quanto menos comia,
mais a bufa era fedida.

Inda hoje tem quem diga
que a estória desse flato
é, de verdade e de fato,
uma versão muito antiga
da pendenga da lombriga
com um tal Jeca Tatu,
que expulsou pelo cu
num jato de flatulência,
com ajuda da ciência,
enorme jiboiaçu.

O nosso Jeca Tatu,
que sempre fora pacato,
levou Monteiro Lobato
nas asas de um urubu.
A lombriga-guabiru
se embrenhou pelo mato,
levando, por desacato,
o flato soltado ao léu.
Lobato foi para o céu céu
e Jeca virou beato.

Como não sou literato,
contei, à minha maneira,
uma estória brasileira
que é o nosso retrato.
Peço desculpa ao novato
por este cordel mal feito,
mas é que dói no meu peito
os Jecas de hoje em dia
que compõem a maioria
dos que peidam sem direito.

Se um dia eu for eleito
pra governar o Brasil,
mando à puta-que-pariu
(se não houver outro jeito)
de senador a prefeito,
vereador, deputado...
E como diz o ditado:
tanto bate até que fura
nossa geração futura
há de peidar ao meu lado.


 

Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 25/01/2012
Reeditado em 31/10/2024
Código do texto: T3461176
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