Amadis de Gaula - Rimance IV (parte final)
RIMANCE IV
De como a União Sagrada se desfez. De como Amadis, o Rei-Cavaleiro, saiu em busca da Couraça Encarnada e de como se alumiou
Os Doze Pares de França
Com um ataque danoso
Fizeram jus sua fama
Com gesto pouco piedoso.
Massacraram os vis seres
Qual mosquete belicoso!
Os Cavaleiros Reais
Andavam varrendo a peste.
A vitória era valida,
Um feito muito inconteste.
Apagavam o que viam
No norte, sul, leste, oeste!
Carlos Magno triturou
Com seu sobrinho Roldão
Uns trezentos soldados
Girando a lança na mão.
Gui de Borgonha vinha
Matando uns mil num rincão.
Conselheiro com os seus
Foi lascando a cabroeira.
Os vaqueiros com seus rifles
Faziam muita zoeira.
E por pouco não ditava
Uma ladainha inteira!
Duque Adão corria muito
Com sua espada luzente
Seus cavaleiros rasgavam
O inimigo num repente.
O velho tinha firmeza
Pois era muito valente.
Dom João ia lascando
O couro em dois mil capetas.
A Ordem do Setestrelo
Empalava com lancetas.
Teve demônio cotó
De seu chifre e das canetas!
A União Sagrada ia
Abrindo todo caminho.
Espaço ia ganhando
Com efeito mui daninho.
Abafando D’almas Mortas
Com veneno em seu espinho!
Amadis ia cortando
Aqueles seres banais.
E disputou com Ricarte
Quem deles arrancou mais
As cabeças das tais bestas
Paridas por satanás!
E nosso cruzado ia
Acabando sem pavor.
Pois na mente tinha um feito
Movido por seu amor.
Não media seus esforços
Muito menos tinha dor.
Amadis mirou a porta
Do já saudoso castelo.
Saindo dos inimigos,
Lá, viu um cão amarelo.
Não quis saber do penado
E danou foi o cutelo!
Aleixo Peito-de-Pombo
Preocupou-se c’o cruzado.
Pois Arcalaus poderia
Lançar poder assombrado.
E Amadis só poderia
Acabar sendo encantado.
Então Aleixo correu
E num passe de magia
Foi parar lá onde estava
Amadis com agonia.
E o Rei-Cavaleiro disse:
“Deste poder não sabia!”
Os dois entraram no feudo;
Logo foram procurando.
Mataram mais entidades
Com seu ataque nefando.
Bater com eles ali
Ou é burro ou tá ficando!
Eis que no grande salão
Dom Lisuarte jazia.
Ao ver que o El-rei senhor
Com ele não convivia,
Amadis chorou a dor
Da saudade que sentia.
Aleixo o tomou em prantos,
Já tentando consolá-lo.
Então, Arcalaus surgiu
Numa nuvem, num estalo.
Os cavaleiros ligeiro
Miraram aquele calo.
Arcalaus com seu poder
Tomou pra si uma espada.
E com um golpe brilhante
Jogou Amadis na escada.
Aleixo com seu florete
Teve luta anunciada.
E os dois travaram duelo
De muita definição.
Ao ver aquela guerrilha,
Amadis tomou questão,
Algo que na sua mente
Houvera sido um senão:
“- Aleixo luta mui bem
Para um novo cavaleiro.
Como pode alguém assim
Aprender tudo ligeiro?”
Amadis já suspeitava
Daquele seu companheiro.
“- Em três anos no castelo
Ele nunca quis treinar.
Mas sempre fora seguro
Na arte de guerrear.
Será que sua magia
Pode isso dominar?”
Mal Amadis disse isto,
Aleixo dominou luta.
Mas Arcalaus danou raio
Que jogou com força bruta
O cruzado na parede,
Vítima dessa conduta.
Então Amadis ergueu-se,
Arcalaus foi lhe dizendo:
“- Desde muito com você
Pesadelos eu vou tendo.
Agora vou destruí-lo,
Aos poucos, e remoendo.”
Porém, antes que Amadis
Conseguisse guerrear.
Arcalaus danou-lhe raio
Que conseguiu derrubar
O Rei-Cavaleiro, que
Não pôde se sustentar.
Então, Aleixo se pôs
De novo, firme e em pé.
Mas sem ele perceber
Arcalaus fez seu chibé.
E uma espada arremessou
Covardemente ao baé.
Amadis gritou bem alto
Em desespero medonho.
Arcalaus sorriu feliz
Com seu ato mais febronho.
Mas pra surpresa dos dois
Tudo pareceu um sonho.
Olhando Aleixo de pé
A espada não o tocou.
Sua ponta estava rente
Ao coração, mas parou.
E inexplicavelmente
Parada no ar ficou.
Arcalaus logo gritou:
“- Como conseguiu detê-la
Se nem ao menos você
Percebeu a vinda dela?”
E da ponta da tal lâmina
Viu-se luz em piscadela.
Esta luz foi aumentando,
Crescendo sensivelmente.
Logo, viu-se uma pessoa,
Uma mulher reluzente.
“-Urganda, Desconhecida!”
Disse Amadis tão contente.
Arcalaus ao vê-la teve
Nas pernas um bom tremer.
Oriana sem dotar
De medo, fez conceber
Que a espada retornasse
Pro mago velho reter.
E a lâmina retornou
Tão certeira e encantada,
Que, com aquele ponteio,
Fez danada trombada.
Arcalaus fugiu como fosse
Barata destrambelhada.
Amadis ficou surpreso
E Aleixo apenas sorriu.
Urganda estralou seus dedos
E Aleixo dali sumiu,
Tornando-se um senhor rei
Que o cruzado logo viu.
Amadis se assustou muito,
Mas antes de perguntar,
Carlos Magno mais João,
Foram lá se apresentar.
Assim chegou Conselheiro
E Adão a “reverençar.”
E Carlos Magno assim disse:
“- Graças ao senhor El-Rei...”
Amadis se fez atento
E o resto já falarei:
“Ao Dom Perión de Gaula,
Majestoso e digno rei!”
Amadis ficou surpreso
De não conter alegria.
Perión, o seu pai, vivo
E com grande maestria.
Foi quando Rei Carlos Magno
Viu Urganda, e já dizia:
“Salve Rainha Elisena!”
Alegres todos ficaram.
Amadis os abraçou,
Quantas coisas não contaram!
E olhando pra sua mãe
Tão ligeiro gargalharam!
Mãe e filho estavam juntos
A seguir aquela sina.
Pois Elisena podia
Ficar muito pequenina.
No bolso de Perión
‘Stava desde Pedra Fina.
Ela explicou o sucesso
Que existiu com o casal.
Pois Barro Branco e Guirlanda
Apenas queriam mal.
Fugir foi a solução
Para aquele amor vital.
E Amadis com o Gandales
Para viver foi deixado.
Vida como fugitivo
Não devia ser bom fado.
Num outro reino o menino
Seguiria seu rumado.
Aleixo Peito de Pombo
Era um disfarce perfeito.
Perión era guerreiro
E Elisena com seu jeito,
Fazia encantos e truques
E viviam com direito.
Depois que tudo se deu
Explicado com louvor,
Elisena e Perión
C’o filho viam amor.
Mas então ali se fez
A chegada da vil dor.
Perante todos aqueles
Que estavam a festejar.
Amadis subiu a torre
A Oriana caçar.
Chegando naquela torre,
Algo veio perturbar.
Uma senhora tão velha
Estava se lamentando.
Amadis a viu com dó;
Logo foi se aproximando.
Então ele perguntou:
“- Porque tu estás chorando?”
Ela respondeu tristonha:
“ - Estou presa em maldição.
Eu não sou assim tão velha,
Sou jovem de coração.
Envelheci por cem anos.
Perdi meu amado então.”
Amadis lhe perguntou:
“E que maldição se tem
Amargando o coração
Que não te faz muito bem?”
A velha se levantou
E mostrou o que convém.
Ela pegou castiçal
Que por ali existia.
Uma vela negra e grossa,
Muito danosa e sombria.
A chama era verde-escura
Quando seu fogo acendia.
Então, no momento em que
O fogo dela acendeu,
Aquela velha senhora
Como jovem pareceu.
Era a princesa Oriana
Que por lá apareceu!
E Oriana assim chorava,
Amadis também chorou.
E no meio disso tudo,
O cruzado se lembrou:
“ – Minha mãe é feiticeira.”
E o casal felicitou.
Oriana e Amadis
Desceram dali correndo.
A princesa com a vela
Tinha a cera derretendo.
Ao chegarem ao saguão
De tudo foram sabendo.
Oriana viu seu pai
Morto, e bem muito sofreu.
Já bastava a maldição,
E também o pai morreu.
A princesa nada tinha,
Além do amado só seu.
Contado todo sucesso,
Elisena disse então:
“ – Meus queridos filhos, eu
Não supero maldição.
Este feitiço é tinhoso
Não sei se tem solução.”
Todos ficaram com medo
Daquele cruel quebranto.
Mas a rainha lembrou-se
De antiga lenda, no entanto.
E recordando daquela,
Lhes contou assim portanto:
“- Lembro de uma lenda antiga,
Que escutei quando era fada.
Acerca da mais vistosa
Relíquia já consagrada.
Ela está no Mar-Sem-Fim;
É a Couraça Encarnada!
Houve um dia um bode mágico
De poderes invencíveis.
Sua pele era vermelha,
Fazia coisas incríveis.
Ajudou seu amo, um moço,
A vencer monstros terríveis.
Esse moço foi pastor
E esse tal bode criava.
No dia em que o bicho quase
Moribundo se encontrava
O bicho lhe disse: “ - Morto,
Retire meu couro e lava.
Ele tem poderes mágicos
Nenhum encanto o destrói.
Ele quebra maldições
E seus inimigos mói.
Quando eu morrer, me despele
E acabe com o que dói.”
Então o Duque Adão disse:
“- Conheço essa linda história.
Quem possui essa couraça,
Sempre detém a vitória.
Aquele quem a tiver
Sempre conseguirá glória!”
Rei Antonio Conselheiro
Prosseguiu dizendo assim:
“Ela está numa jurema
No Reino do Mar-Sem-Fim.
Um lugar de léguas muitas,
Cujo rei é Dom Crispim.”
Carlos Magno foi dizendo
Com muita da segurança:
“- É um rei muito ignorante,
Mas de minha confiança.
Com uma carta assinada
Ele não fará lambança.”
Dali, três dias passados
Os reis tinham ido embora.
Elisena e Perión
Estavam reinando agora
Guirlanda mais Barro Branco
E Del Avelós por hora.
Oriana estava ali
Com seu amor Amadis.
Somente acendeu a vela
Quando ela quis ser feliz
Ao lado de seu amado.
Mas estava por um triz.
É que daquela vil vela
Um toquinho seu restava.
Acabada sua cera
Nada para além ficava.
Oriana viveria
Para sempre como estava.
Porém, naquela manhã,
Um arquiduque real
Quis valer-se D’Avelós
Por não ver o seu rei tal
Nem a princesa Oriana
Pro povo dava sinal.
Então princesa Oriana
A vela negra acendeu
Para comprovar que o reino
Era, de fato, inda seu.
E desse jeito, a tal cera
Assombrosa derreteu.
E quando se derreteu
Sumiu no ar como vento.
Oriana estava presa
Naquele mau passamento.
Assim começava o seu
Verdadeiro sofrimento.
E o arquiduque real
Sabendo dessa amargura,
Disse ao povo que Oriana
Já estava morta e dura
E que por direito ele
Ao reino tinha armadura.
Sem ninguém acreditar
Naquela tal maldição,
Oriana foi levada
Por rei Perión então
Fora para o Barro Branco
Até se ter solução.
Por sorte Amadis já tinha
Juntado seu pessoal.
Estava com os seus dez
A buscar seu ideal.
Um Rei que estava com sua
Cavalaria Real.
Ele disse pra princesa:
“- Cruzarei por todo mundo,
Terras, mares e montanhas,
E onde o mundo não tem fundo.
Acharei essa couraça
Num inferno mais profundo!”
E Amadis mais os seus dez
Tomaram a sua via.
Os Cavaleiros Reais
Eram fiéis, bem sabia.
Seus nomes eram: Tomé
E Tenório de Maria.
Também vinham por ali
Albuquerque com Nestor;
Hefesto mais Roderico,
Pero, Germano e Nicanor;
Mais Alcides com Tibério
Creditavam no senhor.
Eram por certo, mais de
Setenta noites pra ir.
E quantos perigos tinham
Aqueles para tinir!
Mas iam com muita força,
Com a ventura por vir.
E Amadis sempre pensava
Em sua pobre Oriana.
Estava ali só por ela;
Não havia prosa insana.
E casar com ela iria
Pois o tempo não engana!
Chegaram todos os homens
Num harém muito vistoso.
Iam mais de vinte noites
Em caminho tortuoso.
Parar naquele lugar
Era ganho prazeroso.
Amadis armou cabana,
Para lá não quis entrar.
Os casados eram justos,
Não iriam vacilar.
Somente os solteiros foram;
Eram três por se contar.
Pero, Germano e Nicanor.
Homens bravos, mas recentes.
Cavaleiros dos mais novos,
Porém tolos sem patentes.
Não usavam a razão
Quase sempre uns imprudentes!
Eis que naquela tal noite
Se deram com odaliscas.
O sultão não aprovou
E os tratou como umas iscas
Para atrair os demais
E daná-los com faíscas.
Mas Elisena falou
Com Amadis em seu sonho.
Explicou ao cavaleiro
O que nos versos já ponho:
“- Deixe os novos cavaleiros.
Siga sem ser enfadonho.”
Elisena já sabia
Que se tinha mau sinal.
Pois o sultão era amigo
Desse arquiduque real,
Que nesta tal narrativa
Vem fazendo todo o mal.
Dali mais quarenta noites,
Houve na andança uma peste.
Uma cidade bem próxima
Sofria com mal do leste.
Essa doença mandou
Dois homens para o oeste.
Amadis contava agora
Com mais cinco cavaleiros.
Tomé e Tenório foram
Os dois homens derradeiros.
O grupo seguia agora
Para a Terra dos Ferreiros.
Nessa Terra dos Ferreiros,
Um rei não os aprovou.
Amadis mostrou-se prinspe
Mas o rei não creditou.
Então uma triste guerra
Naquela terra sangrou.
Eram mais de mil gentis
Para prender os cruzados.
Os Cavaleiros Reais
Lutaram tão endiabrados,
Que se os Doze Pares fossem
Ficariam machucados.
Amadis mais os seus cinco
Derrotaram os gentis.
O Rei-Ferreiro tremeu,
Chorou como chafariz.
E disse: “- Nunca vi mais
Bravos como os de Amadis!”
Porém daquela batalha
Dois estavam mui feridos.
O Rei-Ferreiro se deu
Por tratá-los bem validos.
Ficou foi com muito medo
Pelos tais acontecidos...
Amadis estava agora
Com Hefesto mais Nestor.
Alcides vinha com eles
Sem se reclamar de dor.
Chegaram a frente do mar
A cruzá-lo como for.
Encontraram por ali
Um mui estranho barqueiro,
Que disse que conhecia
O destino prazenteiro.
Navegar pro Mar-Sem-Fim
Pedia muito dinheiro.
Ele pediu dez moedas
Cunhadas em ouro puro.
Amadis bem as pagou
Como um cruzado maduro.
E assim confiou naquele
Homem de olhar muito escuro.
Mas eis que uma tempestade
Aquele barco virou.
Mas nenhum dos cavaleiros
Naquele mar se afogou.
Já aquele navegante
Dali não mais retornou.
“- Nós já fomos enganados”,
Disse Amadis preocupado.
“- Não se preocupe, meu prinspe”,
Nestor disse apropriado.
“- A tempestade piora!”,
Disse Hefesto agoniado.
E junto co’a tempestade
Vieram ventos ruidosos,
Correntezas espantosas
Com peixes tão monstruosos.
Então Elisena fez
Desses perigos bondosos...
Amadis estava agora
Com Alcides, o arqueiro.
Seus corpos foram levados
Para um lugar lisonjeiro.
Numa ilhota carinhosa
Não tiveram cativeiro.
Só acordaram depois
De quatro dias passados.
Estavam muito saudáveis
Como também bem tratados.
No Reino do Mar-Sem-Fim
Estavam acomodados.
O rei Crispim os tomou
Em uma dita assembleia.
Pois queria conhecê-los
Por travar tal odisseia.
Porém o rei irritou-se
Quando soube desta ideia:
Amadis queria o couro,
Daquele bode encarnado.
O rei não gostou de nada
Do que o prinspe tem citado.
E disse desse jeitinho,
Já muito contrariado:
“- Ó Prinspe Amadis de Gaula,
Devo seu nome calar.
Quem se manda pro meu reino
Com o intuito de levar
Nossa Couraça Encarnada
Deve morrer ou voltar!”
Amadis relutou muito
Pedindo sinceramente.
O rei Crispim não se fez
De santo, mas imprudente.
E prendeu Dom Amadis
E Alcides odiosamente.
Porém, o que ninguém viu
Foi a princesa Açucena,
Que ao mirar aquele prinspe
Filho da bela Elisena,
Apaixonou-se por ele
Sem temer qual fosse a pena.
E à noite quando Amadis
Estava preso em masmorra,
Açucena o libertou
E logo lhe disse: “-Corra!”
E junto com seu arqueiro
Fugiram armando zorra.
Isto porque os soldados
Se acordaram com zoada.
Açucena os conduziu
Para a jurema encantada,
Onde nos seus galhos ‘stava
A tal Couraça Encarnada.
Porém um monstro feroz
Guardava aquele gibão.
Ali montava defesa
Um belicoso dragão.
Para pegar a couraça
Só derrotando o cobrão.
Amadis se pôs ligeiro
Em combate co’o tinhoso.
Este disparou fornalha
De um fogaréu cabuloso.
Por pouco Amadis não foi
Seu churrasco saboroso.
Amadis estava com
Seu mais que potente escudo.
Nesse instante, de uma flecha
Alcides se fez sisudo
E disparando essa seta
Feriu o monstro taludo.
Enquanto o dragão tinha
Aqueles dois desafios,
Açucena da jurema
Retirou aqueles fios
E muito da cuidadosa
Dominou gestos bravios.
Foi quando os dois cavaleiros
Venceram fera danosa.
Os três foram pra caatinga,
Pois já vinha em polvorosa
O rei Crispim com cruzados
Com uma fúria nervosa.
Naquela selva, Amadis
A Açucena perguntou
Porque aquilo por ele
A princesa demonstrou
E ela disse que por ele
Rápido se apaixonou.
Amadis foi explicando
Por que estava por lá.
Açucena fez saber,
Mas ela o quis desde já.
E pondo em si a Couraça
Desejou um bem que há.
Açucena desejou
O amor de Dom Amadis.
Num instante o cavaleiro
Abaixou sua matriz.
E viver com ela ali
O Rei-Cavaleiro quis.
Alcides ficou nervoso
Com aquele acontecido.
Como seu senhor se deu
Pra ser tão desprevenido?
E Açucena e Amadis
Tinham amor mais querido!
Então, o arqueiro rogou
Para a princesa Açucena:
“- Minha senhora, não dê
Ao meu senhor essa pena.
Se realmente o deseja
Dê-lhe liberdade plena.
Pois o amor vem libertar
O desejo de um casal.
Se o senhor tiver de amá-la,
Fará por bem ou por mal.
Mas o deixe livre para
Escolher o seu final.”
Então Açucena fez
O encanto se desmanchar.
E viu Amadis partir
Sem por ela desejar.
Felicitou Oriana
Por ter a quem muito amar.
Assim, Amadis e Alcides
Partiram seguindo ao cais.
Porém, chegando por lá
Sequer acharam arrais.
Só a guarda de Crispim,
Que estava com alguém mais.
Ao lado daquele rei,
O arquiduque real ‘stava.
Seu semblante era de fúria
E Amadis o reparava.
“- Arcalaus”, disse o cruzado.
Era de quem se tratava.
Mas antes que tais cruzados
Pudessem algo fazer,
O bruxo velho danou
Um feitiço, pode crer.
Que nossos dois cavaleiros
Não o puderam deter.
Foi então, que com temor
A ver morto seu amado,
A muito linda Açucena
Bem vestiu-se de soldado.
E conseguiu com bravura
Rebater feitiço dado.
Porém Arcalaus, com ódio
Escutou aquele rei:
“Esse novo cavaleiro
Deve ser de minha grei.
Mate este vil traidor
Consoante minha lei!”
Então Arcalaus danou
Mais feitiços anormais,
Açucena defendia
Sendo amazona demais.
Nessa hora os cavaleiros
Levantaram-se iguais!
Arcalaus criou do chão
Dois cavaleiros viris.
Alcides ficou com um
E o outro mais infeliz,
Lá ficou com Açucena
Assim versei, assim fiz.
Amadis mais Arcalaus
Já estavam frente a frente.
Eram raios luzidios
Que o cruzado fez patente.
Foi quando o bruxo Arcalaus
Viu u’a coisa indiferente...
Sobre o dorso de Vizir
Estava bem assentada,
Um tão poderoso manto,
Cuja cor era encarnada.
Arcalaus fez um feitiço
Sem pensar em quase nada!
E num passe de magia
Vestiu-se daquela manta.
E rápido desejou
Fazer Amadis de janta.
Um raio mais poderoso
Daquele bruxo levanta...
Esse raio destruiu
A defesa de Amadis,
Armadura mais escudo
Já não tinham mais servis.
Então Arcalaus mandou
Outro raio como quis.
O cavaleiro indefeso
Estava caído ao chão.
Esse raio o mataria
Sem ter maior precisão,
Foi quando um alguém surgiu
Para deter tal clarão...
Açucena caiu logo
Com o coração sangrando.
Amadis pegou-lhe a mão
Naquilo não creditando.
O rei quando viu aquilo
De pronto se foi chorando...
O rei gritou como um louco,
Mas Arcalaus o deixou.
O bruxo disse: “Amadis,
Ver Oriana já vou...”
E num súbito momento
Do Mar-Sem-Fim se mandou...
Amadis e Alcides foram
Por Açucena velar.
Elisena em pensamento
Mandou Amadis voltar,
Pois Arcalaus já chegara
Pra todos escravizar...
Então Amadis se deu
Numa triste indagação:
“Como chegaremos logo
Se estamos noutro rincão?”
Alcides nada lhe disse,
Como responder questão?
Então, num súbito voo
Uma resposta surgiu,
Uma luz incandescente
Saía lá do cantil,
Que estava preso a Vizir;
Assim o dueto viu.
Amadis foi até ele
E dali logo tirou
A pena do tal nambu,
Cujo ouro assim brilhou.
E em três pássaros dourados
O trio se transformou...
E voaram muito rápido
Que não posso versejar.
Cruzaram reinos e mares
Em um simples revoar.
Ligeirinho já estavam
Em Del Avelós no ar.
Arcalaus já imperava
Como um grande ditador.
Elisena e Perión
Rendidos, sofriam dor.
E aquela triste velhinha
Esperava seu amor...
Os três pássaros dourados
Chegaram àquela terra.
E como mágica fosse,
Esse cordel não me erra,
Estavam normais de novo
Pra continuar a guerra.
Amadis tomou a pena
E a botou em seu escudo.
E convocou Arcalaus
Para um duelo taludo.
Os dois iriam lutar
A sorte daquilo tudo.
Mas o feiticeiro não
Quis saber daquela oferta,
E desejou que Amadis
Tornasse uma presa certa
E numa jaula o prendeu
Não deixando porta aberta.
Então Arcalaus pegou
Uma velhinha na mão.
“Oriana”, disse o prinspe
Vendo aquela situação.
Arcalaus disse sorrindo:
“Ela é muito bela, não?”
E antes que Alcides, o bravo,
Pudesse algo fazer,
Arcalaus o derrotou
Com desejo por valer.
Alcides estava morto
Assim vi e posso crer.
“Estás sozinho, Amadis!
Teus pais, os reis, já partiram.
E teus cruzados também
O horizonte já admiram.
Agora tua Oriana
Verá o que eles já viram!”
E em segundos Oriana
Dez anos envelheceu.
A pele mais enrugada
E o fêmur amoleceu.
O olhar de saudade estava
Cego, bem assim se deu.
Contudo, antes que a Morte
Espalhasse o luto n’alma,
Daquela doce mulher
De quem bem se quer a palma,
Amadis daquela pena
Fez algo com muita calma.
Como chave, ele a usou
Dotando-se de esperteza,
Saindo da jaula rápido,
Consciente de destreza.
Então percebeu assim
Algo de muita pureza.
O mago velho não creu
No que tinha por sabido:
“Como ele se livrou
Do meu encanto valido?”
E dotando-se de raiva
Danou feitiço sortido!
Uma lança da pontuda
Criou-se no ar então.
E como por um fantasma
Fosse levada em ação,
Aquela lança partiu
Pra cima do homem são.
Mas para o espanto de
Quem ali aquilo viu
A tal arma belicosa
Seu rumo não conseguiu.
Também estancou diante
De Amadis, que apenas riu.
Arcalaus já tão nervoso
Mais encantos invocou.
Porém nenhum dos desejos
Poder algum acordou.
O mago velho, arretado
A si mesmo perguntou:
“O que há com a couraça
Que não consegue fazer
Os desejos que lhe peço
Como há pouco fiz valer?”
A resposta para isso
Versarei, mas vamos ler...
Naquele instante, Amadis
Tornara-se Alumiado.
Quem o viu nessa peleja
Ficou muito do espantado.
Assim mirando Arcalaus,
O prinspe surgiu virado!
Arcalaus com medo estava
E então tentou repelir
Amadis que o encarava
Com um olhar de partir
Toda a bravura do mago,
Que queria se sair.
Mas quando o mago botou
As mãos no Rei-Cavaleiro,
Estas queimaram que nem
Tivessem visto braseiro.
Amadis com bastante ímpeto
Quis o manto do cabreiro.
E sem esforço tirou
Dos ombros daquele homem.
Amadis brilhava muito
Como estrelas que consomem
Estrelas de brilho fraco
Que de repente se somem.
Mas Arcalaus, cego d’ódio,
Não mediu a sua inveja,
E ao deferir um encanto
Para vencer a peleja,
Aproximou-se demais
Do brilho que o sol sobeja.
O brilho que se emanava
Da pessoa de Amadis,
Feriu mortalmente o mago
Que aqueles três reinos quis.
E como fosse fumaça
Foi-se ao vento como gris...
Então Amadis correu
Para acudir Oriana.
A ela seu brilho não
Feriu qual besta-fubana.
E a vestindo co’a couraça,
Ela pôde ficar sana.
Oriana se tornou
Jovem como sua idade.
Amadis reavivou reino,
Porém triste, bem verdade...
É que o cruzado sentia
O peso da tal maldade.
Perdera seus pais que há tanto
Tempo tentara encontrar...
Perdera os amigos que
Fizeram-no confiar...
O prinspe, já novo Rei,
Estava assim a pensar...
Mas Oriana também,
Triste como seu amado,
Lembrou-lhe que tudo tem
Um nobre significado.
Perder, ganhar são lições
Que fazem um Rei honrado.
Tendo por fim a batalha,
Amadis fez devolver
A tal couraça encarnada
Ao reino que a fez perder.
Um gibão daquele não
Pode o bicho-homem ver.
Foi então que Amadis fez
Uma pergunta intrigante:
“Por que o mago Arcalaus
Não saíra triunfante,
Se da couraça encarnada
Ele era seu dominante?”
Foi então que uma voz fez-se
Surgir no seu pensamento.
Uma voz humana, mas
Suave como o bom vento:
“A pena do nambu d’ouro
Fez-te imortal por intento.
Tens, Amadis, conquistado
O louro da mor postura.
Por mostrares disciplina,
Inteligência e bravura,
A pena te deu tal júbilo,
Cavaleiro de candura!”
No verão, no fim do ano,
Oriana foi rainha.
Casou-se com Amadis,
Seguindo sagrada linha.
Uma festança se deu,
Recorda a memória minha.
E se amaram como nunca
Puderam imaginar.
E nos anos que vieram
Muitos filhos por vingar.
Foram pais de gerações,
Com a vida a poetar!
Aqueles distintos reinos,
O Rei Amadis reinou
Por mais de setenta anos
Com mais ninguém pelejou.
E viu sua quinta leva
Como o Senhor desejou...
No inverno do mês junino,
Estando então mui doente
Como jamais estivera
Em seu governo regente,
Amadis, já um idoso,
Dormia bem aparente...
... Suas cinco gerações
Mais a Rainha Oriana,
Nobres, amigos e um frade
De uma vida franciscana
Assistiam-no com rezas
E chistes toda semana...
... Bem aconteceu diante
De todos esses cristãos
Algo notável e sacro
Aos de nobre coração,
O Rei Amadis de Gaula
Fez simples gesto co’a mão...
... E tendo feito esse gesto
Um aceno, assim versado,
Seu corpo banhado em luz
Dominou-se Alumiado.
Numa luz que deixou
Todo o quarto iluminado...
... E sem explicação crível
Perante os olhos do povo,
Essa luz fez-se mais forte
Que o Sol em seu ano-novo.
Depois sumiu num instante,
Deixando ali só um ovo...
... Que, chocado, apresentou
Um lindo nambu de ouro
Muito mais brilhante do
Que o olho esquerdo do Touro.
E que ao ruflar suas asas
Desejou um Céu vindouro.
Cabo de Santo Agostinho, 22 de janeiro de 2012, 01:21 da madrugada.