É mesmo autobiográfico?
Qual seria o jeito certo
De enxergar o verso honesto
Aquele que, sendo ficção
Convença a todos decerto
Que o que narra é uma lição
E da verdade anda perto
Escritores e leitores
Que se alternam na ação
Ora escrevendo uma obra
Ora lendo como então
Tendem indelevelmente
A uma identificação
Referência realística
Quase sempre a procurar
A cada ideia expressa
Até a mente encontrar
Algo enfim que lhe atesta
Verossimilhança lá
Porém a imaginação
Desatrelada do artista
E a força da inspiração
E outros itens da lista
Podem não dar uma mão
Uma ajuda, uma pista...
Imaginem a situação
De tantos quantos romances
Se os autores em questão
Fosse parte integrante
O quanto de exposição
Nos personagens que monte
O Chico era a Geni
E atrás da porta chorava
Ivan Lins e Madalena
Sob a lua se encontravam
Jorge Amado era Nassib
Com Gabriela casava
Cândido ao Voltaire encarnava
Com o Pangloss nas suas veias
E ao Carlos Gomes escutava
Um Guarany de mão cheia
Na ópera bufa bizarra
Salvador Dali passeia
Fica assim quando se entende
Ser personagem os autores
Exceto quando se rende
Homenagem com louvores
A autobiografia
Inequívoca dos senhores
No mais são gotas esparsas
De experiências vividas
Por si mesmo ou de bravatas
Sonhos e amores furtivos
Que vemos e que nos relatam
Gentes de nossos convívios
Mas fica também o registro
De que há sim muitos momentos
Em que se vê logo indício
De alma aberta ao vento
Impregnando o artifício
Do verso como um alento