VIDA, OBRA E GRATIDÃO DE UM NORDESTINO EM SÃO PAULO
VIDA, OBRA E GRATIDÃO DE UM NORDESTINO EM SÃO PAULO
Eu vou contar pra vocês
Como foi que começou
A ida de um nordestino
E também o que levou
Esse jovem destemido
A São Paulo e ter vivido
Com aquilo que lhe restou.
A seca braba instalada,
Destruindo o que ele tinha,
Devastando sua lavoura,
Matando o boi e a galinha,
Fez com que o sertanejo
Embora contra o desejo
Fosse com o pouco que tinha.
Verdadeiras ladainhas
Sobre desenvolvimento,
Geração de emprego e renda,
Na São Paulo do momento,
Fizeram o pobre sonhar
Com a construção de outro lar
Para esquecer do tormento.
Juntou todas parcas roupas
E utensílios caseiros,
Vendeu a burra Jurema
E três restantes carneiros,
Para partir, em viagem,
Usou de toda coragem
Pelos rincões brasileiros.
Alistou-se na empreitada,
Ao pau de arara fez jus,
Viajou por quatro dias,
Vendo sol, poeira e luz
E, ao chegar na Paulicéia,
Sentiu-se abelha em colméia
Pela graça de Jesus.
Viu movimento de carros
Que nunca tinha avistado.
Descobriu, de companheiros,
Onde ficar arranchado,
Enquanto um meio encontrasse,
Um lugar onde morasse
Até tornar-se empregado.
Gastou sola de botina
Para encontrar um emprego
E no primeiro que teve
Demonstrou seu desapego,
Na escolha duma tarefa,
Garantindo que não blefa
Quanto ao seu novo aconchego.
No bairro de Santo Amaro,
Conterrâneos pôde achar.
Recebeu farda e lições
Para servir em um bar.
Sem nunca ser um garçom,
Descobriu seu novo dom,
Dedicou-se a labutar.
Com seu primeiro salário
Alugou um quarto perto.
Percebeu que na cidade
Tinha que ser mais esperto
E que, em meio à multidão,
Parecia um mero grão
Nas areias do deserto.
Descobriu, de pouco a pouco,
Onde tinha diversão.
Soube até da boemia
Da Ipiranga com a São João.
Fez-se presente em forró,
No baile, teve xodó,
Dançou xaxado e baião.
Naquela altura da vida,
Com vinte e um anos de idade,
Conheceu a Marieta,
Moçoila de qualidade,
Que a São Paulo tinha vindo,
Da terra seca fugindo,
Com igual finalidade.
A mocinha trabalhava
Numa loja de tecidos.
Atendendo no balcão
Dos fregueses, toda ouvidos,
Mas para ele tão somente
Era sempre sorridente
Mostrando todos sentidos.
Foi indo, foi indo, então,
o namoro se arrochando
E José, que era seu nome,
Foi logo se preparando
Para o noivado iminente,
Ser levado para a frente,
Ir logo consolidando.
Foi falar com o pai da moça,
Que morava lá no Braz,
Pois tinha boa intenção,
Mostrando ser bom rapaz,
Pedindo a mão da donzela,
Dentre todas a mais bela,
Com jeito mais que sagaz.
Disse ser pernambucano
Para o pai da moça ver,
Que era um dos seus conterrâneos
E estava ali pra valer,
A tudo estando disposto,
Fazendo com o maior gosto,
Para Marieta ter.
O pai, como bom presente,
Cedeu terreno na Mooca.
José saiu animado
Feito tatu sai da toca.
Foi direto pra o trabalho,
Sem cometer ato falho,
Para servir rum com coca.
A moça feliz da vida
Dirigiu-se ao seu trabalho
Para contar para todos
As novas, sem muito atalho,
Sentindo-se uma princesa,
Sonhando com a realeza,
Após sair do borralho.
Juntaram economias
Durante mais de dois anos.
Ergueram pequena casa
Traçaram mais de mil planos,
Pra construção da família,
Compraram roupa e mobília,
Torneiras, fios e canos.
Quando estava tudo pronto.
Marcaram o seu casamento.
Chamaram cada vizinho
Pra estar no acontecimento.
Fizeram festa bonita,
Numa igreja circunscrita,
Sob as bênçãos de São Bento.
Cientes do casamento,
Os padrinhos e patrões
Promoveram os dois nubentes
A gerentes, sem senões,
Melhorando mensalmente,
Pela moeda corrente,
O valor dos seus quinhões.
Menos de um ano depois
Nascia o primeiro filho,
Paulistano, bem verdade,
Com cabelo cor de milho,
Do casal de nordestinos,
Sem cometer desatinos,
Com os olhos cheios de brilho.
Vendo a criança crescer
Viram nele seu valor.
Com seis anos de idade
Letra, conta e cada cor
Puseram para aprender,
Certos de melhor viver,
Sonhando em vê-lo doutor.
Um passo transformador
Foi dado, com alegria,
Por quem veio do Nordeste,
Bastante distante, um dia,
Pensando em vir trabalhar,
A qualquer hora ou lugar,
Nem que fosse de vigia.
Porém dava tudo certo,
Na cidade abençoada,
Com o nome do santo apóstolo,
Em cada nova empreitada
E para mais quatro filhos,
Fizeram andar nos trilhos,
Destinaram mesma estrada.
Um caminho alvissareiro
Fez do primeiro doutor;
Do segundo, bom dentista;
Do terceiro, professor;
Dos últimos advogados,
Muito bem orientados,
Filhos de um agricultor.
Hoje, após trinta e três anos,
O da seca fugitivo
Tem, na terra são paulina,
Certamente um bom motivo
Para agradecer ao chão,
Do fundo do coração,
Que dele fez adotivo.
Sem olvidar do sertão,
Que teve sempre em lembrança,
Relembrava que ao chegar
Foi bem vindo, em confiança,
E que no solo paulista,
Alcançou muita conquista,
Gerou vida e fez criança.
Conheceu o Butantã,
Visitou Anhangabaú,
Desceu na Estação da Luz,
Viu jogo no Pacaembu,
Comeu pastel português,
Na Sé, foi justo e cortez,
Enterrou gente no Embu.
Levou traços nordestinos
Para a capital paulista.
Nas artes fez-se presente
Divulgando cada artista.
Vindo do torrão natal,
De uma forma natural,
Do frevo fez-se passista.
Do milho tirou comidas,
Tais quais broa e mungunzá,
Pamonha, bolo e canjica,
Xerém, angu e fubá,
Delícias lá do Nordeste,
Terra de cabra da peste,
Pra o Viaduto do Chá.
Vendo a história desse moço
Não dá para amiudar
O valor do nordestino
Que se mudou de lugar.
Vindo da seca distante
Deixou a vida minguante
Para em São Paulo morar.
Também não dá pra deixar
De lado o valor do chão
Que recebeu um caboclo
Tendo à frente e atrás a mão
E deu-lhe tudo na vida:
Família, renda, guarida,
Saúde, trabalho e pão.