A LENDA DE "SOU EU"
Nos idos de muito longe
nos tempos da inocência
quando a lua era nova
os homens tinham clemência
um boato aconteceu
falavam de um tal "sou eu"
que não tinha aparência
Ninguém sabia quem era
de como tinha surgido
essas coisas aparecem
com o dia amanhecido
as fofocas vão crescendo
tudo vai acontecendo
se tornando verídico
Me cabe também informar
apenas a bem da verdade
ocorreram esses fatos
muito longe da cidade
nas terras do interior
que de tudo se tem pavor
mitos são realidade
Ai de quem dissesse isso
ajoelhados juravam
que "sou eu", vivia por lá
não viam mas escutavam
que a tal coisa existia
embora que ninguém via
a respeito todos falavam
Quem era, portanto, "sou eu"?
Mas quem poderia dizer?
Cadê coragem de olhar?
Precisavam o medo vencer
teriam tal ousadia
venceriam a covardia?
Impossível alguém saber
"Sou eu" brotou de repente
à guisa de planta nativa
nas brenhas da escuridão
tão invisível e furtiva
lembrando grandes tormentas
que o próprio mar arrebenta
na maldade fugitiva
Eis que,numa noite qualquer,
o tal mistério se concebeu
no meio da madrugada
um berro gritava "Sou eu"
mas não era voz humana
um brado de taturana
tempestade no apogeu
Lembrava esturro de boi
roncos de feras feridas
bestas se esgoelando
manadas enfurecidas
cabeças dilaceradas
clamor de almas penadas
leoas enlouquecidas
Chifres batendo nas portas
pessoas diziam ouvir
patas estremecend'o chão
talvez o mundo fosse cair
galhadas se contorcendo
o vento grotesco gemendo
dava vontade de fugir
Não tinham pra onde correr
lá fora estava "Sou eu"
maldade misteriosa
que, súbito, apareceu
ninguém sabia o que era
sobrenatural ou fera?
Se alguém soube já morreu
Nada de sair de casa
temend'o desconhecido
silenciosos ficavam
quem seria atrevido
pelo menos de respirar
ainda menos de falar?
Quem seria enxerido?
Quando a aurora chegava
depois da noite horrível
então o silêncio reinava
do pesadelo terrível
em tremor todos ficavam
o tempo todo comentavam
o medo nos olhos visível
Voltando a noite seguinte
"Sou eu" logo ressurgia
disparando seus rugidos
na escuridão vazia
a tal besta endiabrada
como fera desgarrada
urrava, rosnava, corria
Quem era "Sou eu", afinal,
de que inferno viera?
Seria anjo caído
que se transformou em fera?
Um bicho enraivecido
um porco enfurecido?
Talvez o mal da Nova Era?
Apesar do alarido
das diatribes noturnas
desses instantes de terror
do bicho indo às turras
do medo que evocava
da sombra que lamentava
ninguém dele levou surra
O estranho de tudo isso
todo povo reconheceu
é que o bicho gritava sempre
só duas palavras: "sou eu"!
não como voz, mas um urro
um grave berro soturno
que uma besta concebeu
O mistério continuou
por muitas noites sofridas
pelas frias madrugadas
por luas adormecidas
o povo calado ouvia
noite após noite sofria
tristes emoções sentidas
Sendo verdade ou não foi
fábula "Sou eu" se tornou
assim como veio esvaiu
um dia tudo terminou
a lenda, contudo, persistiu
se a besta-fera existiu
virou fumaça, acabou