FIZ VERSOS DE TRIPAS E CORAÇÃO**

Fiz meu verso com tripas e coração, tropeçando nos verbos e advérbios, comendo bola na pontuação, mas segui em frente contra a crítica, os desafetos e os donos da situação.

Fui rimando, assim, tudo em ão.

Sem saber se teria leitor, crítica,

palavra de consolo ou só desolação.

Fiz minha vida comprando a vista,

pagando caro, tomando leite com água,

arrancando do diabo o amassado pão,

mas segui em frente, na adversidade,

abri picada contra a acomodação

Fiz do meu enredo minha prosa

e da minha vida poesia possível.

Lavrei terra, plantei suor e colhi sons

e palavra que por hora me enrosco,

tentando fazer versos certos,

poesia terra, chão. Poesia asfalto.

Colhi restos de palavras e rejeitos

de Whitman, Lorca e Drummond.

Da mesa farta recolhi migalhas,

palavras esquálidas, rejeitadas...

Nos becos e bocadas recolhi olhares

e bocas fartas de fome e desesperança.

Com o tempero da revolta e indignação

refiz tudo em versos toscos,

emendando rimas.

Fiz no chão a literatura possível -

poesia iletrada, capenga, pé quebrado -

poesia crua, nua, refratária em si.

Destinada a ser nada na vida.

cp-araujo@uol.com.br