TORRE DE BABEL
Valei-me meu bom Jesus,
Envia-nos uma luz,
Senão nós vamos morrer.
O mundo descarrilou,
A Humanidade pirou,
Não há mais o que fazer.
Ontem eu vi um rapaz
Que trazia um cartaz,
Com uma letra bacana.
Com um recado assim:
"Se perguntarem por mim,
Digam que morri "de cana."
Como isto aconteceu?
Será que o homem morreu
E não quer se entregar?
Saí atrás do coitado
Que de tão embriagado,
Quase nem podia andar.
Passando por uma festa,
Acho que era uma seresta
Ou coisa assim parecida,
O cara já cabumbado
Entrou e muito abusado,
Pediu logo uma bebida.
Disse alto e em bom tom:
- Escuta aqui, seu garçom,
Traz uma granzosa prá mim.
O garçom disse: - Oxente,
Que bebida diferente!
Aqui ninguém pede assim.
Ele disse: - Ó enxerido,
Não se faça de atrevido,
Traga logo a encomenda.
Senão eu viro um leão,
Faço baita confusão
E acabo com a sua venda.
O garçom falou: - Seu moço,
Deixe de tanto alvoroço,
E de mostrar valentia.
Eu vou chamar os soldados
Que virão de braços dados,
Cortar a sua alegria.
- Eu juro, nesse momento,
Não tenho conhecimento
Que granzosa é bebida.
Ó homem, tome tenência,
Não me torre a paciência,
Vá cuidar de sua vida.
O rapaz intransigente,
Já com a língua dormente,
De tanto querer cachaça,
Deu um sopapo na mesa,
Estrondou na redondeza,
E começou a arruaça.
Passou a mão num rebolo,
Mostrou que não era tolo,
Nem estava preocupado,
Com os estragos que fazia,
Mesmo que fosse uma fria,
Tinha que ser respeitado.
Os homens todos correndo
Os garçons se escondendo
Garrafas prá todo lado.
Os tamboretes voando,
A mulherada chorando,
Que furdunço desgraçado!
Pra ficar mais enrolado,
Quando ele olhou de lado,
Encontrou dois cangaceiros.
Queriam entrar na briga,
Prá furar sua barriga,
Revirar o bucho inteiro.
Cada qual com uma faca,
E a danada da fuzarca,
Era difícil de acabar.
É que no mesmo instante,
A mulher do meliante,
Acabava de chegar.
E trouxe a sogra também,
Que mesmo sem um vintém,
Não hesitou, veio a pé.
Queria, na mesma hora,
Levar o seu filho embora
E lhe fazer um cafuné.
Os cangaceiros então,
Entraram na confusão,
Com jeito de satanás.
Pegaram o pobre coitado,
Para matar sufocado,
Com um litro de aguarrás.
E a mulher nem chorava
E bem alto ela gritava:
- Matem logo esse infeliz!
E ele dizia: - Mulher,
Vou viver e se Deus quiser,
Ainda te quebro o nariz!
A mãe do rapaz, coitada,
Já toda descabelada,
Soluçando bem baixinho,
Pedia: - Por piedade,
Não façam essa maldade,
Não matem o meu filhinho.
Os cangaceiros valentes,
Parecendo indiferentes,
Puxaram suas peixeiras.
Que correria danada!
Tem gente ainda enterrada,
Debaixo das ribanceiras.
- Vamos matar ele agora
E depois vamos embora,
Acaba assim a festança.
Também vamos avisar:
Se houver um "Calabar",
Vai ficar só na lembrança.
A mulher enfurecida,
Porque era preterida,
Por causa da bebedeira,
Dizia: - Podem matar!
Depois é só se danar,
Desabalar na carreira.
Em meio à confusão,
Não viram que o camburão,
Da polícia ali baixava.
E vinha fazendo figa,
Ou acabava com a briga,
Ou a peia ali cantava.
- Mãos pra riba, todo mundo,
Não quero ver vagabundo,
Com pose de inocente.
A ordem aqui é levar,
Só quem pode liberar
É o delegado competente.
Pediram outra viatura,
Porque naquela altura,
A coisa estava feia.
Havia gente chorando,
E gente já se borrando,
Deixando bosta na areia.
Mas a mãe do biriteiro,
Num atino derradeiro,
Chamou um advogado.
Prá defender o seu filho,
Tirar aquele empecilho,
Deixá-lo desvencilhado.
Chegaram à delegacia,
Com toda aquela arrelia,
Uma perfeita quizumba.
O delegado deu um grito
Com um barulho esquisito,
Parecendo uma zabumba.
- O que foi que aconteceu?
Será que alguém já morreu?
E onde está quem matou?
- A gente nem tava vendo,
Todo mundo ali bebendo,
E o fuzuê começou.
- Haja santa paciência,
Pra fazer a ocorrência,
É preciso descobrir,
A causa desta quizília,
Pois quebraram a mobília,
Por isso estão aqui.
E a turma toda calada,
E meio amedrontada,
Ninguém podia falar.
Adeus, adeus, saideira,
Agora, só sexta-feira,
Pra farra recomeçar.
Logo chega o advogado:
- Data vênia, delegado,
E o direito do cidadão?
Eu vim aqui defender.
Ficar preso sem beber,
É injustiça ou não?
E o doutor delegado,
Já meio encabulado,
Chamou então o garçom.
E ordenou: - Seu João,
Fale-me da confusão,
Porém não saia do tom.
O garçom falou assim:
- Ele se dirigiu a mim
Pedindo uma granzosa.
Eu juro que não vendi
Porque eu não entendi
E a coisa ficou feiosa.
- Chamem ali o doutor
Prá traduzir, por favor,
A fala do seu cliente.
Eita gente azucrinada!
Prá gostar de enrascada,
E de falar diferente.
E o advogado então
Entendeu que a confusão,
Estava chegando ao fim.
Disse: - Tragam meu cliente,
E bem rápido , de repente,
Quero-o perto de mim.
Trouxeram o pobre rapaz
Que com as mãos para trás,
Sem querer nenhuma prosa,
Decidiu mesmo falar
E finalmente explicar,
O que é uma granzosa.
- Granzosa, ó minha gente,
É mesmo que aguardente,
Uma caninha das boas.
A gente toma e esquenta,
Solta um bafo pela venta
E fica cantando loas.
- E agora, como é que fica
A coisa aqui se complica,
Não vejo nada de bom.
Deixe preso de uma vez
Para aprender português
O peste deste garçom.
- Eu Libero o pessoal,
Apesar de todo o mal,
Mas o garçom vai ficar.
Por seu mau atendimento,
Por esse constrangimento,
Ele vai ter que pagar.
Eles saíram abraçados,
Sorridentes, animados,
E marcaram novo encontro.
Para a próxima sexta-feira,
Começar com a primeira,
Beber... Não passar do ponto!
O garçom sem entender,
Sem crime algum cometer,
Ficou mesmo engaiolado.
Sem saber o que fazer
Ele se pôs a dizer:
- Eu é que sou azarado.
- Isso é uma caninga,
Eu não servi uma pinga,
E vim cair no xadrez.
Se eu não morrer à míngua,
Eu vou estudar a língua,
Ou me acabar de uma vez.
MARIA DO SOCORRO DOMINGOS