Cordelando
Estou num daqueles dias
tudo parece saudade
azul virou amarelo
troquei de realidade
o sapato aperta num pé
molho biscoito no café
sinto podre na maldade
Fiz mais um furo no cinto
atirei pedras na lua
senti passando maldade
cheiro de ódio na rua
dei um banho no cachorro
de susto eu quase morro
feri meu dedo na pua
São dias extravagantes
parece cama de gato
entra prego no chinelo
rasg'a ponta do sapato
meu chapéu fura na aba
o mel de abelhas acaba
levo bicada do pato
Coisas estranhas eu vejo
borboletas caminhando
duas rosas cheirando mal
um bode se lamentando
mulheres de pernas pro ar
estrelas nascendo no mar
homens velhos se beijando
Aranhas cantando rock
jumentos falando inglês
macacos chupando manga
baratas falando francês
cachorros no céu voando
gatos e cobras se amando
peixes citando javanês
Vejo gente procurando
achar motivos pra viver
muitas estão se matando
outras procurando morrer
o caos está se alastrando
com tristeza aumentando
na dor que se pode fazer?
Contudo os dias passam
como a plantar amarguras
o céu está sempre cinzento
casais já não fazem juras
o luar tornou-se sombrio
no Nordeste já faz frio
é o cão com suas diabruras
Só, o coração amolece
as saudades tomam conta
até o amor arrefece
mamo no peito da lontra
sou um dentista de onça
dou murro na geringonça
nunca mais ninguém encontra
Contudo, passam devagar
os dias amalucados
andam como tartarugas
mas com chifres de veados
como se câmera lenta
brisa que beija na venta
pingos de chuva dourados
Nesses dias não versejo
meu cordel tem um infarto
palavras voam no tempo
vou amarrar meu cadarço
se não cuidar bem da rima
vem um tiro lá de cima
veja só, morro de parto
Essa me tirou de linha
jogou longe meu machismo
me deixou nu na estrada
tosco campo de nudismo
para rimar me encrenquei
rima sem letra "g" achei
bem melhor fazer turismo
É nisso que dar cordelar
em dias tão azarados
não vou escrever meus versos
nesses tons desesperados
melhor é ouvir cantoria
comer bolo em fatia
com pudins açucarados
Cai pedra de gelo do céu
se eu novamente rimar
vou deixar pra quem já sabe
tem tarimba de versejar
sou poeta desleixado
rimo isso com veado
não, acho bem melhor parar