Um sabido sem estudo
O Sabido Sem Estudo
Manuel Camilo dos Santos
Deus escreve em linhas tortas
Tão certo chega faz gosto
E fez tudo abaixo dele
Nada lhe será oposto
Um do outro desigual
Por isto o mundo é composto
Vejamos que diferença
Nos seres do Criador
A águia um pássaro tão grande
Tão pequeno um beija-flor
A ema tão corredeira
E o urubu tão voador
Vê-se a lua tão formosa
E o sol tão carrancudo
Vê-se um lajedo tão grande
E um seixinho tão miúdo
O muçu tão mole e liso
O jacaré tão cascudo
Vê-se um homem tão calado
Já outro tão divertido
Um mole, fraco e mofino
Outro valente e atrevido
Às vezes um rico tão tolo
E um pobre tão sabido
É o caso que me refiro
De quem pretendo contar
A vida d’um homem pobre
Que mesmo sem estudar
Ganhou o nome de sábio
E por fim veio a enricar
Esse homem nunca achou
Nada que o enrascasse
Problema por mais difícil
Nem cilada que o pegasse
Quenguista que o iludisse
Questão qu’ele não ganhasse
Era um tipo baixo e grosso
Musculoso e carrancudo
Não conhecia uma letra
Porém sabia de tudo
O povo o denominou
O Sabido Sem Estudo...
Um dia chegou-lhe um moço
Já em tempo de chorar
Dizendo que tinha dado
Cem contos para guardar
Num hotel e o hoteleiro
Não quis mais o entregar
O Sabido Sem Estudo
Disse: ─ isto é novidade?
Se quer me gratificar
Vamos lá hoje de tarde
Se ele entregar disse o moço:
─ Dou ao senhor a metade
O Sabido Sem Estudo
Disse: ─ você vá na frente
Que depois eu vou atrás
Quando eu chegar se apresente
Faça que não me conhece
Aí peça novamente
O Sabido Sem Estudo
Logo assim que lá chegou
Falou com o hoteleiro
Este alegre o abraçou
O rapaz nesse momento
Também se apresentou
O Sabido Sem Estudo
Disse: ─ Eu quero me hospedar
Me diga se a casa é séria
Pois eu preciso guardar
Quinhentos contos de réis
Pra depois vir procurar
Respondeu o hoteleiro:
─ Pois não, a casa é capaz
Agora mesmo eu já ia
Entregar a este rapaz
Cem contos que guardei dele
Há pouco dias atrás
Nisto o dono do hotel
Entrou e saiu ligeiro
Com um pacote, disse ao moço:
─ Pronto amigo, seu dinheiro
Confira que está certo
Pois sou homem verdadeiro
Aí o Sabido disse:
─ Ladrão se pega é assim
Você enganou o tolo
Mas foi lesado por mim
Vou metê-lo na polícia
Ladrão, safado, ruim
O hoteleiro caiu
Nos pés dele lhe rogando:
─ Ó meu senhor não descubra
Disse ele: ─ só me dando
A metade do dinheiro
Que você ia roubando
O hoteleiro prevendo
A derrota em que caía
Além de ir pra cadeia
Perder toda freguesia
Teve que gratificar-lhe
Se não ele descobria
Foi ver os cinqüenta contos
No mesmo instante lhe deu
Outros cinqüenta do moço
Ele também recebeu
E disse: ─ nestas questões
Quem ganha sempre sou eu
E assim correu a fama
Do Sabido Sem Estudo
Quando ele possuía
Um cabedal bem graúdo
O rei logo indignou-se
Quando lhe contaram tudo
Disse o rei: ─ e esse homem
Sem nada ter estudado
Vive de vencer questão?
Isso é pra advogado
Vou botá-lo num enrasque
Depois o mato enforcado
O rei mandou o chamar
E disse: ─ eu quero saber
Se o senhor é sabido
Como ouço alguém dizer
Vou decidir sua sorte
Ou enricar ou morrer
Você agora vai ser
O médico do hospital
E dentro de quatro dias
Tem que curar afinal
Os doentes que lá estão
De qualquer que seja o mal
Se você nos quatro dias
Deixar-me tudo curado
De forma que fique mesmo
O prédio desocupado
Ganhará cinco mil contos
Se não será degolado
Está certo ─ disse ele
E saiu dizendo assim:
─ O rei com essa asneira
Pensa que vai dar-me fim
Pois eu vou mostrar a ele
Se isto é nada pra mim
E chegando no hospital
Disse à turma de enfermeiros:
─ Vocês podem ir embora
Eu sou médico verdadeiro
De amanhã em diante aqui
Vocês não ganham dinheiro
Porque amanhã eu chego
Bem cedo aqui neste canto
Mato um destes doentes
E cozinho um tanto ou quanto
Com o caldo faço remédio
E curar os outros eu garanto
Foram embora os enfermeiros
E ele saiu calado
Os doentes cada um
Ficou dizendo cismado
─ Qual será o que ele mata?
Será eu? Isto é danado!...
Outro dizia consigo:
─ Será eu o caipora?
Mais tarde um disse: ─ E eu
Estou sentindo melhora
Outro levantou e disse:
─ Estou melhor, vou embora
Um amarelo que estava
Batendo o papo e inchado
Lavantou-se e disse: ─ Eu
Estou até melhorado
Pois já estou me achando
Mais forte, gordo e corado
Já estou sentindo calor
De vez em quando um suor
Um doente disse: ─ Tu
Estás é muito pior
Disse o amarelo: ─ Não
Vou embora, estou melhor
E assim foram saindo
Cada qual para o seu lado
Quando chegava na porta
Dizia: ─ Vôte danado!
O diacho é quem fica aqui
Pra amanhã ser cozinhado
Um surdo disse que ouviu
Um mudo a lhe dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr
Sozinho de madrugada
Já com medo de morrer
De fato um aleijado
Que tinha as pernas pegadas
Foi dormir, quando acordou
Não achou os camaradas
A casa estava deserta
E as camas desocupadas
Com medo pulou da cama
E as pernas desencolheu
Rasgou a "péia" no meio
E assombrado correu
Dizendo: ─ Fiquei dormindo
E nem acordaram eu!...
No outro dia bem cedo
O Sabido Sem estudo
Chegando no hospital
Achou-o deserto de tudo
Sorriu e disse consigo:
─ Passei no rei um canudo
O Sabido Sem Estudo
Chegou no prazo marcado
Na corte e disse ao rei:
─ Pronto já fiz seu mandado
Os doentes do hospital
Já saiu tudo curado
O rei foi pessoalmente
Percorrer o hospital
Não achando um só doente
Disse consigo afinal:
─ Aquele ou é satanás
Ou um ente divinal
Deu-lhe o dinheiro e lhe disse:
─ Retire-se do meu reinado
O Sabido Sem Estudo
Lhe disse: ─ Muito obrigado
Pra ganhar dinheiro assim
Tem às ordens um seu criado
FIM
Campina Grande, PB, 21/11/1955