PELEJA DE DOIS POETAS SOBRE HORÁRIO DE VERÃO
Pedaços de uma peleja
Para o papel eu transponho
E para nossos leitores
Neste momento disponho
O duelo dos poetas
Noite Alta e Céu Risonho
Dois cantadores paidégua
Que no sertão escutei
E trechos de uma peleja
Na mesma hora gravei
Sobre um tema bem moderno
Que no Brasil virou lei
Noite Alta – Companheiro, lhe convido
Para comigo cantar
Um tema que hoje em dia
Ficou muito popular
Pois o homem resolveu
Até o tempo mudar
Céu Risonho – Pois pode se preparar
Que eu cá estou preparado
O tema que você manda
Cantarei desenrolado
Se o tempo me der tempo
Eu canto o tempo ao seu lado
NA – Eu nasci num descascado
Nos cafundós do sertão
Onde não tinha relógio
Nem rádio e televisão
Onde eu nunca ouvi falar
Em horário de verão
CR – Lá também no meu rincão
Não tinha nem calendário
Pelo rincho do jumento
A gente marcava horário
Mas agora está mudado
Sertão é outro cenário
NA – No meu viver temporário
Eu não sei por qual motivo
Quer o homem atacar
O tempo já tão ativo
Se do mesmo tempo o homem
A vida toda é cativo
CR – Eu, que neste mundo vivo
Já contra o tempo correndo
Com medo dele passar
Ligeiro como estou vendo
Queria que ele passasse
De mim quase se esquecendo
NA – Mas o homem tá querendo
Do tempo fazer manobra
Antecipando uma hora
Pra ganhar uma de sobra
Mas a hora que se ganha
Depois o tempo é quem cobra
CR – Se o tempo é uma obra
Do nosso Pai Criador
Como se pode mudar
Do nascer ao sol se pôr
Voltando atrás o ponteiro
Das horas no marcador?
NA – Ruim pro trabalhador
É o horário de verão
Que no Brasil funciona
Nuns estados, noutros não
A gente pensando bem
Causa muito é confusão
CR – Eu não sei por que razão
O Brasil adotou isso
Que lá na cidade grande
Só faz mesmo é rebuliço
Obrigando todo mundo
Ir mais cedo pro serviço
NA – Para quem tem compromisso
Terá que acordar mais cedo
Tem muita gente que vive
Contando o tempo no dedo
Nós temos medo do tempo
Mas o tempo não tem medo
CR – Fica o tempo mais azedo
Se pouco tempo se tem
Uma hora adiantada
Eu creio que não convém
Pois vai encurtar o dia
E encurta a noite também
NA – Quando meio-dia vem
Não será mais meio-dia
Fica mais cedo uma hora
As horas da Ave-Maria
As seis horas vão chegar
Antes de chegar o dia
CR – Desnecessário seria
Aqui nesta região
Adiantar uma hora
Sem a menor precisão
Se sobra sol, não precisa
De horário de verão
CR – Esta nossa cantoria
Vai ganhar mais energia
Sem fugir da sintonia
Do horário de verão
Eu morro e não me acostumo
Com esse horário sem prumo
Que deixa a gente sem rumo
Nos oito pés a quadrão
NA – O tempo não tem resumo
É produto de consumo
Respeito o tempo e assumo
Sempre a minha obrigação
Sul, Sudeste e Centro-Oeste
Tem hora que no Nordeste
Ela não passou no teste
Nos oito pés a quadrão
CR – O mesmo horário celeste
Continua em nosso agreste
Pois aqui não se investe
Em mudar o tempo, não
O Nordeste é protegido
Nosso tempo é garantido
Eu me sinto agradecido
Nos oito pés a quadrão
NA – Sempre tenho repetido
Que nasci e fui crescido
Vendo o tempo parecido
Com um enorme balão
Que pega e carrega a gente
Caminha sempre pra frente
Jamais volta novamente
Nos oito pés a quadrão
CR – Também digo no repente
Que o tempo manda na gente
O homem não é potente
Pra mudar o tempo, não
Pode até trocar de hora
Mas o tempo vai-se embora
Cutucando a sua espora
Nos oito pés a quadrão
NA – Nós vamos cantar agora
O mote duma senhora
Que chegou em boa hora
Aqui dentro do salão
Inda sobre o mesmo tema
Só muda mesmo o esquema
E o tempo vira poema
Nos oito pés a quadrão
Mote:
O horário de verão
É bom pra quem não faz nada
CR – O tempo vira migalha
Quando uma hora adianta
Pois mais cedo se levanta
O cidadão que trabalha
Quem no batente não falha
Acorda de madrugada
Com a hora adiantada
Vem mais cedo a condução
O horário de verão
É bom pra quem não faz nada
NA – Pra quem assiste novela
Ou pra quem liga a TV
Para ver o BBB
Ou qualquer outra mazela
Que sempre passa na tela
Da rede globalizada
Faz da hora caçoada
Quer seja atrasada ou não
O horário de verão
É bom pra quem não faz nada
CR – Pra quem passa a noite inteira
Ligado no futebol
Não vê quando nasce o sol
E nunca sente canseira
Pra este, vira besteira
Uma hora antecipada
Pra quem vive na jornada
Do trabalho, vira o cão
O horário de verão
É bom pra quem não faz nada
NA – É bom para o vagabundo
Ruim pro trabalhador
É bom para o sonhador
Que não quer nada no mundo
Pra quem não perde um segundo
Na luta desenfreada
A hora modificada
Complica a situação
O horário de verão
É bom pra quem não faz nada
CR – Eu imagino e confesso
Horário modificado
É bom para o deputado
Que nada faz no Congresso
Já quem procura sucesso
Numa cidade agitada
Pra quem rala na calçada
É castigo e punição
O horário de verão
É bom pra quem não faz nada
NA – É muita demagogia
De quem manda no poder
Chegar pro povo e dizer
Que diminuindo o dia
Economiza energia
Numa terra ensolarada
É só conversa fiada
Eu repito, com razão
O horário de verão
É bom pra quem não faz nada
CR – Agradeço a toda gente
O tempo está esgotado
Pois até o próprio tempo
Também tem tempo marcado
Nunca perca um só segundo
Pois tudo enfim, neste mundo
Por ele é determinado
NA – A todos, muito obrigado
O tempo em tudo é quem manda
E fica fora do tempo
Quem só contra o tempo anda
O tempo vale dinheiro
Eu cantei o tempo inteiro
E não ganhei uma banda
Noite Alta e Céu Risonho
Cada qual mais aplaudido
Prometendo outro duelo
Deram este concluído
E por unanimidade
Sem vencedor nem vencido
Por aqui, nós terminamos
A nossa apresentação
Unindo na cantoria
Litoral, serra e sertão
Insisto nesta verdade:
Nos traz contrariedade
O horário de verão