Da seca do nordeste à capital paulistana (Para o Festival de Cordel CTN-SP)
* Cordel Classificado em 13º lugar no 1º Concurso de Cordel do Festival de Cordel do CTN - Centro de Tradições Nordestinas - São Paulo-SP
Autor: Edilson de Oliveira (Edilson Biol)
Tema: "A presença nordestina na cidade de São Paulo"
Da seca do nordeste à capital paulistana.
I
A benção meu Pai do céu
À esse filho que o adora.
Pr’a compor esse cordel
Não deixe que vá embora
Nunca a minha inspiração
Do fundo do coração
É o que peço nessa hora.
II
Um nordestino arretado,
Com sua enxada na mão
Cavucando em todo lado
Plantando de grão em grão
Mal sabia naquele ano,
Do seu destino tirano
Da seca lá no sertão!
III
Plantou milho e mandioca,
Plantou arroz e algodão,
Espantou os preás da toca,
Plantou inhame e feijão,
Esperando a chuva forte
O coitado lá do norte
Só encontrou decepção.
IV
A semente não germinou,
Os bodes esmoreceram,
O pasto não renovou,
E as ramas não cresceram,
Entrando naquela tapera
Pr’a mulher se desespera
E o choro não contiveram.
V
-Minha gente, que tristeza!
Eu suei sobre esse chão,
Mas veja que malvadeza:
É de cortar o coração!
Mas dessa vez eu não fico,
Faça beiço ou faça bico
Eu vou largar meu torrão.
VI
E a esposa, pobrezinha,
Só pensava na família:
Sua mãe já bem velhinha,
Chorou quase uma ilha.
-Daqui não quero sair
Sem ter rumo, pra onde ir.
Não caia nessa armadilha!
VII
-Muié, ocê num tá veno,
Que aqui nóis vai morrê?
Nossos fio tão cresceno,
E o quê nóis vai comê?
Sua mãe é aposentada
Tem casinha levantada
E nóis vamo é perecê.
VIII
Juntou tudo o que ele tinha:
Vendeu o jegue e a carroça,
Vendeu o porco e as galinhas
E tudo que sobrou na roça
Umas espigas de milho,
A vaquinha e o novilho,
Tirou a lenha mais grossa.
IX
Levantou de madrugada,
Deu leite para o pequeno
No café deu uma golada
Pr’a mãe deu último aceno.
Os olhos encheram d’água,
C’o coração cheio de mágoa
Em busca de um canto ameno.
X
-Vou em busca de riqueza,
Não quero mais essa vida.
Quero pão na minha mesa.
Quero minha filha entendida,
Quero vê-la lá na escola
Meu filho jogando bola
Sem essa sina sofrida!
XI
-Vou p’ro rumo do sudeste.
Vou em busca do progresso.
Em São Paulo, cabra da peste,
Com certeza farei sucesso!
Vou ganhar muito dinheiro,
Depois volto, companheiro,
Será breve o meu regresso!
XII
Em cima de um caminhão,
Jogou a sua esperança,
Pois lá naquele sertão
Não mais se via bonança
Com fé e muita ansiedade
Buscando a felicidade
Com muita perseverança.
XII
Cruzou caatinga e cerrado,
Viu muitas belas paisagens,
Conheceu outros estados,
Recebeu muitas mensagens
Do povo que encontrava,
Das histórias que contava
Pr’a não perder a coragem.
XIV
Uma viagem muito sofrida.
Ás vezes até passou fome.
Não sofreu tanto na vida,
Mas não desonrou o seu nome
De um matuto brasileiro
Que só quer p’ros seus herdeiros
Que tenham um sobrenome.
XV
Enfim, chegam à capital
Paulista, agora de coração.
Sem pensar no bem ou mal
Ele faz exclamação:
-Aqui vou fazer história,
Só vou conhecer vitória
Essa será minha nação!
XVI
-Muié, veja que esquisito:
O céu aqui é mais escuro,
Mas os prédios são bonitos.
Vamos morar nesse, eu juro.
Vou trabalhar feito louco,
Só vou descansar um pouco
Amanhã já pego no duro!
XVII
Vou trabalhar de pedreiro,
Me arrisco de encanador.
Vou labutar dia inteiro:
Servente, ajudante e pintor.
Comigo não tem moleza,
Pois tenho muita destreza
E faço de tudo com amor.
XVII
- Muié, você sabe que tenho
Coragem demais de lutar.
Você conhece o meu empenho
E fome nóis não vai passar.
Meu filho vai logo pr’a escola,
Nunca vai precisar de esmola
Seu tempo vai ser p’ra estudar.
XIX
-E ocê não vai ser empregada,
Não vai torcê pano de chão.
Não quero ocê humilhada,
Por filho nenhum de patrão,
E a gente vai logo vencer
Vendo os meus filhos crescer
Nunca vai lhes faltar o pão.
XX
Matuto já sabe os defeitos
Que cidade grande reserva
Bandido tem de todo jeito
Fumando e vendendo erva.
Maltrata, machuca o irmão,
Deixa maltrapilho no chão
Nem mesmo a saúde conserva.
XXI
Dormiu na rodoviária
Passando a noite à toa.
Analisou toda a área:
-Aqui só tem gente boa!
Meu filho dorme tranqüilo
Olhando somente o brilho
Do céu da terra da garoa.
XXII
Levanta cedo, o matuto,
E a família foi acordando
Bora, que hoje inda escuto:
-Você já está trabalhando!
Vamos alugar uma peça,
Lá vou ser feliz à beça.
Minha hora tá chegando!
XXIII
E foi assim que aconteceu:
Arrumaram uma morada,
Logo quando escureceu
E não mais se via nada
Matuto chega contente,
-Venha vê, ó minha gente,
Que coisa mais abençoada!
XXIV
Tirou da gibeira um pacote
Com dinheiro do batente
Chamou: -Veja, meu filhote
Papai lhe trouxe um presente!
O menino saiu correndo
Ao pai foi agradecendo
Pois ficou muito contente.
XXV
-Muié, veja que fartura:
Essa terra é abençoada,
Veja quantas gostosuras
Já comprei pr’a molecada.
E a esposa sorridente,
C’o a boca sem nenhum dente
Com cara de abestalhada!
XXVI
Mais uma gente feliz
Que São Paulo recebeu
Que julgue o melhor juiz
Se isso já aconteceu?
Tantos são os retirantes
Talvez hoje, mais que antes
São tantos “os que venceu”!
XXVII
Todos têm o seu valor,
Não importa o que faça.
Seja pedreiro ou doutor,
Todos trabalham com raça
Vendendo ou operando,
Construindo ou derrubando,
Ou mexendo a sua massa.
XXVIII
Melhores amigos não têm,
Como gostam d’uma festa,
Jamais brigam com alguém,
Adoram uma seresta.
Quase que morrem de frio
E alegram tantos mil
C’a sua energia que infesta.
XXIX
Sejam lá do Ceará,
Da Bahia, ou Paraíba,
Pernambuco, outro lugar.
Eles querem é vir pr’a riba
Trazendo bem o sotaque,
Todos agüentam o baque,
Carregam o peso da viga!
XXX
E a família do meu cordel?
Será que se deram bem?
Com a graça do Pai do céu
Agradeço e digo: Amém!
Com tanta oportunidade
Que oferece essa cidade
Não duvido de ninguém!
XXXI
Com trabalho e muito esforço,
Todos podemos vencer.
Esse só foi só um esboço
Do que Sampa tem a oferecer
Sempre lutando honestamente
Todo mundo vai pr’a frente
Só basta você querer!
XXXII
E sse meu simples cordel,
D edico a você nortista:
I lustres, com seu papel
L evanta a cidade paulista.
S eguindo com confiança
O seu destino, não cansa:
N unca pára na pista!
*Em revisão.
Por Fernanda Xerez:
" O NORDESTINO É, ANTES DE TUDO, UM FORTE " (Euclides da Cunha)
E.le, o nordestino " é um forte "
D.ecide morar na terra da garoa
I.nvade o Brasil de sul a norte
L.á em São Paulo procura a sorte
S.eus filhos vão estudar numa boa
O.sertanejo trabalhando e a patroa
N.a lida da casa, administrando
B.atalhador, o nordestino é honesto
I.nventa formas de ganhar dinheiro
O.coração confiante e altaneiro
L.ar cheio de amor e modesto.