O Sertão de cabo a rabo * Autores: Damião Metamorfose & Francisco Pessoa.
*
Damião Metamorfose
*
Não gosto de esculacho,
Nunca briguei nem por pão.
Mas isso não quer dizer:
Que aqui não tenha empurrão.
Pra começar eu te peço
Vamos cantar o sertão?
*
Francisco Pessoa
*
Agradeço a Damião
Por aceitar meu convite
É uma honra versar
com um "poeta de elite"
Inda mais se o tema for
O sertão, que é sem limite!
*
D, Metamorfose
*
Caro poeta acredite,
Eu também me sinto honrado.
Por poder ser seu amigo,
Pois vi que é reservado.
Vamos cantar o sertão
E a velha vida de gado.
*
F, Pessoa
*
Cantar meu sertão amado
É sempre um grande prazer
Pois esse é o universo
Onde Deus me fez nascer
É onde eu passei a vida
E é onde eu quero morrer!
*
D, M
Não paro de agradecer
A Deus, por ser do sertão.
Posso mudar de cidade
Estado ou até nação.
Mas é aqui que eu sinto
Os meus pés firmes no chão!
F, P
Aqui o vento é canção
Que a natureza entoa
Embalando o nosso sono
No meio de uma tarde boa
A cantiga se repete
Mas quem ouve não enjoa!
D, M
Vaqueiro aboiando ecoa,
Na caatinga e no cerrado.
Versos que ele aprendeu
Ou na hora improvisado.
Não faz sucesso na mídia,
Mas tem nome de afamado.
*
F, P
Eu fico emocionado
Logo que o dia amanhece
Quando escuto um vaqueiro
Entoando a sua prece...
Com um aboio, chama o gado
E o gado lhe obedece!
*
D, M
Um a um já reconhece
A voz de quem o arrebanha.
Até para desleitar
Precisa ter tato e manha.
E esse herói do sertão
Luta muito, e pouco ganha.
*
F, P
Sobe e desce montanha
Montado em seu alazão
Com sua armadura de couro
Chapéu, perneira e gibão
Ser vaqueiro é sua sina
E o gado é sua missão!
*
D, M
O alvorecer no sertão
É lindo e peculiar.
Pássaros cantam nos ninhos
Antes de o sol despontar.
E o vaqueiro é o primeiro
Que começa a trabalhar.
*
F, P
É o primeiro a acordar
E o último a voltar pra cama
Trabalha o dia inteiro
Ganha pouco e não reclama
Pois viver tangendo o gado
É tudo o que ele mais ama!
*
D, M
Quando é seca, pouca rama
O Sertão fica cinzento.
A cigarra canta triste
Um canto um tanto agourento.
E o vaqueiro também canta
Num dueto de lamento!
*
F, P
Na seca é o desalento
Que rege a lei do sertão.
Jaçanã levanta vôo,
Vai pra outra região...
Mas o matuto, sem asas,
Fica refém do verão!
*
D, M
Seca açude e cacimbão,
Cacimba, riacho e rio...
Escapar família e gado
É difícil em ano estio.
Mas sertanejo valente
Não se curva ao desafio.
*
F, P
O sertanejo tem brio
E não cede facilmente
Faz parte do seu instinto
Resistir valentemente
Pois a sua fé em Deus
Renova-se diariamente!
*
D, M
No chão sepulta a semente
Sem choro a beira da cova.
Com fé Ele aguarda a chuva,
Pondo a própria fé a prova.
E espera a terra parir
Sem dor, a semente nova.
*
F, P
Todo o sertão se renova
E a privação se encerra
O verde vem como um pano
Cobrindo as curvas da serra
É assim quando o céu chora
Só para alegrar a terra!
*
D, M
No campo o bezerro berra
E o sertanejo se anima.
No sertão quando há inverno
Melhora até o clima.
E o vaqueiro canta alegre
Porque muda a alta-estima.
*
F, P
Deus pinta sua obra-prima
Com matizes multicores
E estende sobre o serrado
Um belo manto de flores
E recebe o agradecimento
Dos passarinhos cantores!
*
D, M
Os pássaros construtores
Também são um show a parte.
João de barro, ”o engenheiro”
Constrói a casa com arte.
E a casaca faz um ninho
Que parece um estandarte.
*
F, P
Fugindo do bacamarte
O inhambu é ligeiro
Se esconde numa touceira
Sem deixar rastro nem cheiro
Pra não virar presa fácil
Das garras do perdigueiro
*
D, M
Lá no alto de um facheiro,
Onde tiver mais espinhos.
Pra salvar os seus filhotes
Os valentes passarinhos.
Arriscam-se, mas constroem
Com maestria, os seus ninhos.
*
F, P
Desenhando os seus caminhos
Por entre o chão do roçado
Vão às saúvas dispostas
Num regimento alinhado
Uma corta e a outra colhe
Num trabalho organizado
*
D, M
Um boi manso no arado,
Sem ninguém pra lhe guiar.
Ouvi os comandos do dono
E entende o seu linguajar.
Vai e vem o dia inteiro,
Só para se ele mandar.
*
F, P
Quando o sol ta pra deitar
E o dia perde a quentura
As cigarras fazem coro
Mesmo sem ler partitura
Anunciando que a noite
Já arma a sua lona escura
*
D, M
No inverno a tanajura
Bate asas no sertão.
Depois corta as próprias asas,
Fura um buraco no chão.
Se não chover nesse dia
Tem formigueiro ou verão.
*
F, P
Incrível é ver em ação
O besouro mangangá
Polinizando o jardim
Voa pra lá e pra cá
E a sua flor preferida
É à flor do maracujá!
*
D, M
O tímido tamanduá
Come cupim e formiga...
Não tem um dente na boca,
Mesmo assim é bom de briga.
Suas garras afiadas
Podem matar de fadiga.
*
F, P
O vaga-lume desliga
E se liga novamente
Sem usar pilha nem gás
Ilumina o ambiente
Como um pisca-pisca vivo
De brilho fluorescente
*
D, M
Todo sertanejo é crente
Em Deus e tem muita fé
Na Santíssima Trindade
São João e são José.
Só quem conhece o sertão,
Sabe o sertão como é.
*
F, P
Cruzando o sertão a pé
Meu avô já foi um dia
Da serra de Limoeiro
A Juazeiro na Bahia
Agradecendo ao Senhor
Em forma de romaria!
*
D, M
No tempo da tirania
Pisou em nosso Sertão.
O Jesuino Brilhante
E o bando de Lampião.
E um tal Antonio Silvino,
Matavam sem precisão.
*
F, P
Num tempo de provação
De fome e desigualdade
Muitos homens se voltaram
Para a marginalidade
Buscando fazer justiça
Na base da crueldade!
*
D, M
Os coronéis da maldade
Patrocinavam o crime.
O império dos ditadores
Dava apoio a este time.
A mídia não divulgava
As barbáries do regime.
*
F, P
Toda essa era exprime
As mazelas sociais
O povo sem quase nada
A elite com sempre mais
E assim surgiu o cangaço
Com seus heróis marginais!
*
D, M
Vivendo como “amimais”
Usando o “dente por dente”
Fazendo valer a força...
Contra a classe prepotente.
Assim era o sertanejo
No Sertão de antigamente.
*
F, P
Hoje tudo é diferente
A vida está mais amena
Lampião foi degolado
Corisco saiu de cena
E os coronéis do passado
Não mandam mais nessa arena!
*
D, M
Se o passado não condena
O presente tem progresso.
Na tevê tem sertanejo,
No planalto e no congresso.
E o cordel é profissão
Que breve será sucesso.
*
F, P
Meu amigo, eu lhe confesso
Que fiquei muito feliz
Em versejar com você
Sobre o sertão de raiz
Você mostrou ser um mestre
E eu virei seu aprendiz!
*
D, M
D-amião também lhe diz:
A-gradecido e contente.
M-agnífico poeta,
I-nspiração afluente.
Aceita outro desafio
O´-utro assunto diferente?
*
F,P
Damião, na sua frente
Eu não passo dum pateta
Eu canto de enxerido
Você sim é que é poeta
E se me falta inspiração
A sua é sempre completa!
*
Fim.