JOÃO-CIPÓ

João-Cipó todo dia na praça

Sambava ao som da zabumba

Tomava muita cachaça

Causava muita quizumba

Fazia estripolia

Com seu remelexo de bunda.

João-Cipó todo afetado

Futucava sem cessar

As meninas que passavam

Enfeitadas pra passear

Ele dizia baixinho

- Ah, se eu tivesse um lar!

Divertia os meninos

Dançando o carimbó

Fazer rir era o destino

Do camarada Cipó

Escondia sua tristeza

Bem guardada no mocó.

O moço tinha um boca pio

Do qual não desapartava

Trazia preso à cintura

Com fibra de piaçava

Vem daí o apelido

João-Cipó da Canabrava.

Um dia se decidiu

Partir pra cidade grande

Se tornar cidadão do mundo

O seu sonho mais gigante

Desembarcou no Tietê

Na fileira dos migrantes.

A velha fotografia

De sua casinha na serra

De onde partiu sem rumo

À procura de outras terras

Como tantos nordestinos

Correndo atrás de quimeras.

Hoje a casa de João

Não tem teto, nem parede

Para descansar o corpo

Que falta faz sua rede

E pra não morrer de fome

Faz piada até da sede.

João vivia de troça

Lá na Praça da República

Onde ganhava seu pão

De paletó e peruca

Jamais voltou à sua terra

Morreu sem reza e viúva.

Suzana Duraes
Enviado por Suzana Duraes em 24/09/2011
Reeditado em 08/06/2021
Código do texto: T3238961
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