JOÃO-CIPÓ
João-Cipó todo dia na praça
Sambava ao som da zabumba
Tomava muita cachaça
Causava muita quizumba
Fazia estripolia
Com seu remelexo de bunda.
João-Cipó todo afetado
Futucava sem cessar
As meninas que passavam
Enfeitadas pra passear
Ele dizia baixinho
- Ah, se eu tivesse um lar!
Divertia os meninos
Dançando o carimbó
Fazer rir era o destino
Do camarada Cipó
Escondia sua tristeza
Bem guardada no mocó.
O moço tinha um boca pio
Do qual não desapartava
Trazia preso à cintura
Com fibra de piaçava
Vem daí o apelido
João-Cipó da Canabrava.
Um dia se decidiu
Partir pra cidade grande
Se tornar cidadão do mundo
O seu sonho mais gigante
Desembarcou no Tietê
Na fileira dos migrantes.
A velha fotografia
De sua casinha na serra
De onde partiu sem rumo
À procura de outras terras
Como tantos nordestinos
Correndo atrás de quimeras.
Hoje a casa de João
Não tem teto, nem parede
Para descansar o corpo
Que falta faz sua rede
E pra não morrer de fome
Faz piada até da sede.
João vivia de troça
Lá na Praça da República
Onde ganhava seu pão
De paletó e peruca
Jamais voltou à sua terra
Morreu sem reza e viúva.