CARTAS RIMADAS

O jornalista e poeta Wanderley Pereira costuma passar fim de semana em sua casa de veraneio, na Vila Campos, zona rural de Canindé, Ceará. Durante o inverno de 2008, Pedro Paulo Paulino, sentindo a ausência prolongada do amigo, resoveu intimá-lo em versos, como segue:

Caro Wanderley Pereira,

Venha rever este chão,

Que nem parece o sertão

Do sol quente e da poeira.

Tire uma folga ligeira,

Mesmo num fim de semana,

Deixe a cidade tirana,

Dê um pulo aqui, e veja

A paisagem sertaneja

Como agora está bacana!

O verde por todo canto

Se estende sem ter mais fim.

Milagre tão grande assim,

Só sendo obra de um santo.

Eu que moro aqui, garanto,

Não dá nem pra acreditar

Que seja o mesmo lugar

Que há poucos dias, somente,

Sob um sol tão inclemente

Só faltava incendiar.

O sertão de Canindé,

Onde assolava o tormento,

Enverdeceu num momento

– Bastou chegar “São José”.

Choveu de fazer maré

Enchendo açude e barreiro.

No dia do “Padroeiro”

Toda represa sangrou

(Aqui mesmo uma arrombou

Por conta do aguaceiro).

A flora está renascida,

Da catingueira à jurema.

A natureza suprema

Fez ressuscitar a vida.

Tudo em volta aqui convida,

Tudo está tão deslumbrante!

Com o verde triunfante,

Com a água da cascata

Correndo solta na mata

E se tornando cantante.

A passarada voltou,

Pra de manhã fazer festa,

Parece que na floresta

As gaiolas Deus quebrou.

Já canta a fogo-pagou,

Canta o galo-de-campina;

O bem-te-vi quando trina

O coral todo comanda

Cantando e regendo a banda

Na alvorada nordestina.

Os poços de água fria,

Depois que abarrotaram,

De noite se transformaram

Em palco da saparia.

Há tempos não se ouvia

Sapo-boi berrar contente.

Pois ele, orgulhosamente,

A voz de tenor ostenta

E somente se apresenta

Se o inverno é competente.

São as notas musicais

Da grande transformação

Que a chuva em nosso sertão

Consigo cantando traz.

Por dentro dos matagais

A água faz pirueta.

Mais parece uma retreta

(Se você reparar bem)

A sinfonia que tem

Na sangria do Água Preta...

Bonitos são os albores

Porque os raios de sol

Para as bandas do arrebol

Conquistam todas as cores!

Folhas verdes, muitas flores,

Tudo agora aqui se vê.

O sertão ganhou um quê

De beleza e de faceiro,

Todo chique com o cheiro

Das flores de muçambê.

Poeta, você precisa

Vê como a mata de luto,

De repente, num minuto

Vestiu a verde camisa.

Quando a terra a gente pisa,

Já pisa em cima da grama.

Em tudo o verde derrama

O seu tom de alegria

Transformando em poesia

O sertão que a gente ama.

Para o nascente o trovão

Sacode o sopé da serra

Anunciando pra terra

Mais chuva em nosso sertão.

Também nosso coração

Sente o mesmo sacolejo:

A chuva é nosso desejo,

É governo de bonança,

É a maior aliança

De Deus com o sertanejo.

Volte e veja seu pomar

Como está mais atraente,

Não fique de nós ausente

Que esta Vila é seu lugar.

Aproveite, pra regar

Um pé de plantinha nova;

Pegue a enxada, abra uma cova,

Mude uma planta nativa,

Que nesta iniciativa

Nossa vida se renova.

Venha aqui fazer poema

Ou colhê-lo simplesmente,

Que o sertão atualmente

Do próprio verso é o tema;

A natureza, o emblema

De tudo quanto é bem feito.

Vivendo aqui me deleito

Com o mundo ao meu redor,

Sem ser melhor nem pior,

Pois de Deus tudo é perfeito.

A natureza parece

Anfiteatro gigante,

Onde nele a cada instante

Um grande show acontece.

Mas Deus é quem permanece

Na frente dessa ribalta:

Artista que não se exalta

Mostrando para a assistência

Que a falta de consciência

É que gera a Sua falta.

Assim sendo, meu irmão,

Eu finalizo esta carta

Mandando notícia farta

Do meu querido sertão.

Peça em sua oração

Pra meu pai um bom destino,

Que por aqui eu termino

Lhe mandando abraço forte.

Saudações e boa sorte,

Do Pedro Paulo Paulino.

Vila Campos, 4/4/8

Poucos dias depois, Wanderley Pereira enviou as seguintes décimas para o poeta Pedro Paulo Paulino, justificando-se:

RESPOSTA AO POETA PEDRO PAULO PAULINO

Recebi sua cartinha

Sobre a chuva no sertão,

Por isso de coração

Escrevo também a minha.

Tudo o que você alinha

Como informação recente:

A chuva farta, a torrente

Cantarolando no mato,

Vejo como num retrato

Transmitido à minha mente.

Por trás do verde de agora,

Da paisagem de fartura,

Antes eu vejo a secura

Do quadro triste de outrora.

De repente, a mesma flora,

Pela sua narrativa,

De morta se torna viva,

Na ressurreição dos Campos,

Enchendo de pirilampos

A natureza nativa.

Canta o galo-de-campina,

Nosso cabeça-vermelha;

Canta a chuva sobre a telha,

Ronca o trovão na colina.

E à medida que a neblina

Derrama o véu sobre a mata,

Surge a lua cor de prata

Acinzentada nas águas

Como a derramar as mágoas

Nos soluços da cascata.

Todo o cenário de dor,

Como um milagre divino,

De repente vira um hino

De sonho, esperança, amor.

Tem ainda um trovador,

Nosso eterno seresteiro,

Que é o grilo do terreiro,

Saudando a grande invernia,

No pátio a coruja pia,

Canta o sapo no barreiro.

O chão seco, estorricado

Vira um tapete de grama,

O pau-branco agora enrama,

O ipê fica florado,

O pereiro, perfumado,

Lança a distância o perfume,

No ar pisca o vaga-lume,

Surge fresca a madrugada,

Canta alegre a passarada,

Nasce o sol por trás do cume.

Estou vendo a minha casa

Erguida num carrascal,

Além de um velho curral

Onde a terra em volta abrasa.

No verão a seca arrasa

Tudo o que se planta nela,

Mas no inverno se revela

Um pomar de vida farta,

Só de ler a sua carta

Já me deu saudade dela!

Não é tanto por ser minha,

Que lhe dou tanto valor,

Mas por ser seu construtor

Meu sogro, pai da Gracinha.

Da sala para a cozinha

Tudo lembra o seu passado:

Pelo alpendre, ele deitado,

Ouvindo o trovão roncando,

Ou perto dela aboiando

De manhã, tangendo o gado.

Mais em baixo, no caminho

Que nos leva à antiga Vila,

Resiste ao tempo tranqüila

A casa de outro vizinho.

Foi lá, nesse humilde ninho,

Que viveu Pedro Ferreira,

Conhecido a vida inteira

Como contador de histórias

De invernos, secas e glórias

De toda aquela ribeira.

Enquanto você me escreve

Sobre as chuvas no sertão,

Sinto que o meu coração

Fica mais calmo, mais leve.

E creio que dentro em breve,

Só não sei hora nem quando,

Estarei aí voltando

Para ver o Água Preta,

Num cantinho do Planeta,

Todo soberbo, sangrando.

Quero ver como é que estão

Minhas velhas pitangueiras,

O pau d’arco e as aroeiras

Que plantei junto ao portão.

Quero ver pintado o chão

Das acerolas vermelhas,

O zumbido das abelhas

No sabiazeiro em flor,

E dormir com meu amor

Ao som da chuva nas telhas.

Quero ver as pitombeiras

Florindo no meu quintal,

Quero ouvir o musical

Do vento nas catingueiras,

Nas azeitonas faceiras,

Nos umbuzeiros copados,

Nos jucazeiros florados,

Nos gemidos da jurema

Na saudade do poema

Dos nossos antepassados.

Eu estou na capital,

Sem poder sair agora,

Eis a razão da demora

De ir a esse local.

Aqui a quadra invernal

É daí bem diferente,

Qualquer chuva gera enchente,

Deixa a cidade entupida,

Enquanto aí dá mais vida,

Dá mais alegria a gente.

Mas breve, eu estarei indo,

Para ver essa invernada,

Curtir a terra molhada,

Sentir o que estás sentindo.

Vou daqui me despedindo,

No fim desta sexta-feira,

Quando a chuva na biqueira,

Cai trazendo a noite fria,

Adeus, até outro dia,

José Wanderley Pereira.

Fortaleza, Ceará, 12/4/8

PEDRO PAULO PAULINO
Enviado por PEDRO PAULO PAULINO em 25/08/2011
Reeditado em 13/11/2019
Código do texto: T3181083
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