O Meu Nariz de Palhaço

Eu cansei de ser artista

Fazer teatro pra que?

Pra tentar sobreviver?

Defender um idealismo?

Fugindo do realismo

Fazendo rir e chorar?

Eu chego a me perguntar

Em nome de que faço isso?

Acaba aqui meu compromisso

Desculpem, mas vou parar

Deixo a vocês de herança

Tudo que fiz e o que faço

O meu nariz de palhaço

As lágrimas que derramei

Tudo que fiz eu amei

Tentei passar emoção

Como acordes de canção.

Se coisa boa ou ruim

Eram pedaços de mim

Saídos do coração

Tentei viver os meus sonhos

Fui à luta com bravura

Fui guardião da cultura

Era este o meu papel

Valorizar o cordel

Interpretar, cantar, dançar

Fazer sorrir, fazer chorar

Homem, mulher e menino

Com ou sem figurino

Um artista popular

Arte é vida, é memória

Seja no palco ou na rua

De máscara ou face nua

A arte é a alma de um povo

Onde o velho junta-se ao novo

A arte transpira humildade

Nos despe da vaidade

Dos rótulos, dos preconceitos

Arte viva sai do peito

Mas não se faz só com vontade

Não sei ainda pra onde vou

Vou tentar ser empregado

Voltar a ser pau mandado

Garantir o vale refeição

Abandonar a criação

Pra ser escravo do horário

Do tempo ser perdulário

Viver da anti-cultura

Eu sei que é desventura

Mas se recebe salário

Cansei de viver de palmas

De trocar minhas idéias

Por aplausos de platéias

Isto não enche barriga.

Nem minhas noites abriga

Não me tira do relento

Não adianta ter talento

Viver de arte é utopia

Teatro, música, poesia

Não ampara, nem dá sustento

Vale pro novo, pro antigo

Talentoso ou tabaréu

Viver de passar chapéu

É uma constante na arte.

E aqui faço um aparte

Aos senhores do poder

Deixar o artista sofrer

Com a falta de incentivo

Ou com apoio inexpressivo

Só faz a arte morrer

Já sei não ser mais o mesmo

Eu quero é barriga cheia

Não adianta ter na veia

O sangue puro do artista

Quimérico idealista.

Eu caio fora da rinha.

Toda vontade que tinha

Agora desmoronou.

Eu não sei pra onde vou

Nem que futuro se avizinha

Já não sou nenhum menino

O meu jardim já não tem flor

Minha alma perdeu a cor

Meu coração não ver graça

Cansei de dormir na praça

Saio cego desta corrida

Minha experiência vivida

Estar em busca de espaço

E eu já sinto o cansaço

Dos descompassos da vida

Entrei na arte: juvenil

Como filosofia: a liberdade

Não conhecia a maldade

Do mundo que habitamos

Pois quando interpretamos

Damos vida a um personagem

Ali fazemos uma viagem

A um mundo de fantasia

Na volta é a carteira vazia

O que sobra da aprendizagem

Se o pássaro que bica

É o mesmo pássaro que canta

Quem cai um dia levanta

Sempre terá um amanhã.

Mas que não seja um divã

Que venha a me abrigar

Muito me custa parar

Estou com a mente cansada

De levar muita pancada

Sei que é preciso mudar

Ser plebeu no camarim

E ser no palco um rei

E amanhã onde estarei?

Como será meu dia-a-dia?

De novo em romaria

Buscando novo trabalho?

Estou de cabelo grisalho

Preciso de segurança

Por não ter mais esperança

Sou carta fora do baralho

Não sou destruidor de sonhos

Tenho medo é do futuro

Indecifrável, obscuro

Seara de todo artista.

Sem querer ser pessimista

Que futuro me aguarda?

A mente atordoada

Em outra conexão

Brigando com a solidão

Como uma eminência parda?

É real, não é discurso

De quem está desmotivado

Não tenho mais encontrado

Nenhum prazer na labuta

Por isso abandono a luta

Não consigo mais ser risonho

Saio cabisbaixo, tristonho

Vou por este mundo sozinho

Abandono meu caminho

Minha razão de ser, o meu sonho.

VEJA COMENTÁRIOS:

10/01/2012 16:05 - Sérgio L Buchmann

Muito bom meu querido é disso que o povo precisa COISAS BOAS PRA ALIVIAR A ALMA!!! PARABÉNS!!!

09/08/2011 19:56 - Haricya Savannah

Que lindo este Cordel.

07/08/2011 22:15 - Luiz Lauschner

Como pensa deixar de lado a arte/ Se ela faz parte de você?/ Mesmo que ela não lhe dê de comer/ Como é possível arrancar essa parte?

07/08/2011 20:03 - Agamenon violeiro

Grande Celso, vc é demais! faz uma poesia genuína e verdadeira. O que falta pra arte é incentivo, é valorização, mas o artista não pode se calar e sua alma toca a alma dos outros amantes da mesma arte... é pena que os donos do poder quase nunca se sensibilizem diante das belas criaçõe. Parabéns, espero que este não seja o seu cordel de despedida!

07/08/2011 09:32 - aldemaralves

Maravilhoso! Um abração.

07/08/2011 01:09 - Manis

/Bem bonito esse seu texto // Muito choro em poesia // Mas sair do seu contexto // Será grande heresia !/ Abração do Manis.

Celso Cruz (Brocoió)
Enviado por Celso Cruz (Brocoió) em 07/08/2011
Reeditado em 10/01/2012
Código do texto: T3144308
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