ABC do Professor-Cordelista
Antes de ler o cordel
Para os alunos na classe,
O professor-cordelista
Deve valer-se de impasse:
Saber escolher o texto
Que encha os olhos e a face.
Basta apenas se deixar
Cair nas rimas acesas
Como fossem todas velas
Alumiando mil mesas
Na hora d’almoço e janta
Esperando sobremesas!
Cordéis cômicos e sérios,
De paixão e de aventura,
De cangaço, de misérias,
De princesa que se jura
Com dragões e feiticeiros,
De sonhos e de amargura.
Depois, lê-se com voz alta
Pra treinar a melodia.
Um cordel bem refinado
Faz o sol raiar o dia.
E a todos encanta mais
Quando a rima cadencia.
Enquanto o cordel é lido,
As atenções se destinam
A imaginar qual o mundo,
Cujos versos já refinam
O saber com maestria,
Onde os prazeres se atinam.
Facilitar o processo
Do prazer dessa leitura,
É tarefa da difícil,
Pois requer boa estatura.
O professor, nesse caso,
Tem uma tarefa dura.
Gastam-se tempo e juízo,
Mas com muito do cuidado.
‘Té todo aluno sentir
O cordel e seu tratado.
Pode durar dez segundos
Ou um mês bem labutado.
Histórias de trancoso
São uma boa pedida
Pra fazer com que o cordel
No alunado tenha vida.
O resto é só brincadeira
E verseja da comprida.
Isso eu digo ao meu leitor
Por já ter minha vivência.
Talvez aqui só me fique
Essa minha experiência.
Então direi desde já
O que colhi da ciência.
Já dizia uma pesquisa
Assim bem referendada
Que o cordel como a cultura
Evolui sem dar parada,
Captando como uma antena
A sintonia firmada.
Kilowatts, decibéis,
Bytes ou LCD,
Provedores dos chineses,
Internet e HD.
Tudo ao cordel é assunto
Como sushi e HQ.
Ler cordel, fazer cordel
É conhecê-lo de mão.
O cordel na sua escola
Deve ganhar proporção
Invadir todos os pontos
Pra deles fazer refrão:
Matemática e História,
Português como canal.
Economia, política
E o que é contextual.
Drogas, favelas, riquezas
E problema social.
Nunca cometa alguns erros
Que por serem pequeninos,
Passam pelos nossos olhos
Que nem carneiros sem sinos.
Listo a partir de agorinha
Esses tais recursos malinos.
O cordel não é arara
Nem está em extinção.
Não o veja como algo
Sem ter valorização.
Mas ouça todas as vozes
Que tecem o seu cordão.
Porque, meu caro leitor,
Ele é mais que um atrativo.
Para muitos é cartilha
De valor educativo.
Diverte, informa, clareia
Com caráter sempre ativo.
Queira Deus, Nosso Senhor,
Não se esqueça do cordel.
Essa tal literatura
Que vem lá do menestrel.
Seja luso ou brasileiro;
O que importa é seu papel!
Reescrever um cordel
Que estava em bom matutês
É apagar a cultura
Daquele cabra que o fez.
É querer escurecer
O motor do Português.
Sempre saiba, caro amigo,
Que o cordel tem estrutura.
Para ser cordel, de fato,
Tem que ver sua feitura
Com metro, rima e estrofes
Se canta com formosura.
Também quero retratar
Algo que me preocupou.
O cordel com nossos jovens
Quase o apito soprou.
Divulgá-lo em toda parte
Uma missão se tornou.
Um bocado por aqui,
Mais um tantinho pra lá
Se vai espalhando o verso
Como safra de cajá.
Num instante a coisa toda
Se trança num caroá!
Vários cordelistas são
Senhores, mestres da rima.
Muitos são jovens, porém
Botam o cordel pra cima.
Tudo se transforma como
Fosse uma matéria-prima.
Wagner, Sócrates, Teseu,
Aristóteles, Platão
Já foram temas dos versos
Do cordel como São João.
Mais Jesus, Arraes, Lula,
JK e Salomão.
Xilogravura também
Do nosso cordel faz parte.
É talhada na madeira
A carimbada da arte.
Borges, Costa Leite, Abr’ão
Não há ninguém que os descarte.
Ypsilone do Jackson
Sebastiana dançou.
O cordel vem do Nordeste
E todo o mundo ganhou.
Cinema, TV, teatro...
’Té nas Cademia entrou!
Zé é pra quem é José
Biu é pra seu Severino.
Joca é João e os seus,
Guenzo é pra quem é franzino.
Pirrito é o meu avô
Por ser cabra pequenino.
Esse cordel que talhei
Traz dentro de seu mourão
As sílabas que estudei
Pra minha dissertação.
Juntei tudo que me lembro
Pra botar nesse refrão.
O cordel pede lugar,
Pois deseja ter condado:
Estar na casa do povo
Que o cantou no passado.
O cordel ganhou cidades...
Fez êxodo do roçado?
R- abisquei meus versos simples
A- ssim querendo cantar.
F- aço cordel que resiste
A- o tempo com pelejar,
E- screvo cordel pra todos
L- erem com prazer de amar!
Glória do Goitá, 31 de julho de 2011.