Vítimas da seca, ontem e hoje* Autor Damião Metamorfose.
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As vítimas da seca são
Obrigadas a comer.
O cru, o assado, o cozido
E o que mais aparecer.
fazer pirão com um osso,
Depois morder e lamber...
*
Quem olha de longe ver,
Parecendo uma fervura.
A água vai se esvaindo,
Com a alta temperatura.
Não sobra uma folha verde,
Quanto mais, agricultura
*
Farinha vira mistura,
Para o arroz com feijão.
Macarrão, só pra visitas,
Com mais requinte, um baião.
Taxa baixa sem doenças...
E alta em desnutrição!
*
As aves de arribação,
Batem asas, vão embora.
Secam açude e cacimba...
O que for água evapora.
Até o mais insensato
Fica pensativo e chora!
*
Com seca tudo piora,
Tanto faz ser bicho ou gente...
Logo fica magro e feio,
Triste e com o olhar ausente.
Procurando se tem nuvem
De chuva lá no nascente!
*
O rio não dá enchente
A água doce é salgada.
E pouca, não mata a sede...
Na falta da invernada
Cai a cunha e enferruja
O fio da velha enxada!
*
Já vi seca declarada,
Sei onde o sapato aperta.
Pobre do tipo que eu fui,
Não encontra a porta aberta.
Graças a Deus hoje eu sou
Pobre com a vida “liberta”
*
Minha comida era incerta,
Sem nada na prateleira.
Só mesmo água no pote,
Pois não tinha geladeira.
E ouvindo a cigarra triste
Cantando na capoeira.
*
Dor da fome é passageira,
Pois passa quando se come.
A fome tira o sossego,
Mas ao comer, ela some.
Já tristeza e dor na alma...
Se não passa, nos consome!
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Para preservar meu nome
Até esmola eu pedi.
Pai era humilde e honesto
E com Ele eu aprendi.
Que um dia logo passa
E o outro chega a sorri!
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Mas vou parar por aqui
De falar da minha vida.
E voltar para o assunto,
Que é a seca sofrida.
Que arrasava o Nordeste
Meu Sertão, terra querida!
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Hoje está quase contida,
Tem açudes e barragem.
Que dá para abastecer
Se acaso houver estiagem.
Só tem seca para aqueles
Que vivem na vadiagem
*
Quase não tem gente à margem,
Das tais classes sociais.
Rico e pobres se misturam,
Usando os trajes iguais.
E a fome cruzou os braços,
Quase não descruza mais...
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Mas na época dos meus pais,
Era tudo diferente.
Pobre parecia bicho,
Trabalhava até doente.
E o que era escravo branco
Nem parecia com gente!
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Hoje já não tem a frente
De emergência que antes tinha.
Que pagava o trabalho
Do pobre, até com farinha
Mofada... Isso foi no tempo
Da ditadura mesquinha!
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Quem mora aqui na terrinha,
Tem vida de qualidade.
Poluição quase zero,
Bem menor que a da cidade.
E a violência também,
O mesmo em mortalidade!
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Não tem a brutalidade,
Dos fazendeiros de outrora.
Quase todo mundo é dono
Da casinha onde mora.
Só não é o vagabundo
Ou o que já foi embora!
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O senhor e a senhora,
Do campo, é aposentado.
Tem bolsa de todo tipo
Que ajuda o necessitado.
Dificilmente se encontra
Um sem ser auxiliado!
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Cego, surdo e aleijado...
Também tem seu beneficio.
Sempre existe um sindicato,
Pra tudo o que for oficio.
A seca não faz mais vitimas,
Acabou-se o precipício!
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A vida com sacrifício
Daquele tempo passado.
Praticamente acabou,
Ao menos no meu Estado.
Porque aqui qualquer um
Tem moto ou carro importado...
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Tem festas por todo lado
E pra quem gosta de farra.
Tem oferta em qualquer canto
Que você for sempre esbarra.
Com alguém se oferecendo,
Pra cair numa algazarra!
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E o casamento na marra
Não tem mais, já acabou.
Hoje está é liberado,
Tudo se modernizou.
A seca foi quase extinta,
Mas o pecado aumentou!
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Ou a vergonha acabou
Ou o Sertão ta moderno.
Porque os jovens de hoje
Nem ligam mais pro inverno.
Só pensam mesmo é em festa,
Não de Deus, mas do inferno!
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Seja materno ou paterno,
Nas famílias de hoje em dia.
Tem sempre um beneficio,
Bolsa ou aposentadoria...
E todos os tipos de empréstimos
Que o governo financia!
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Acabou a carestia,
Inflação foi controlada.
Quem mora em zona rural,
Tem luz e água encanada.
Ou um poço artesiano
Bem pertinho da morada!
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Seca é carta descartada
Nos naipes desse baralho.
Com essas facilidades,
Surgiu outro ponto falho.
O povo procura emprego,
Porém ninguém quer trabalho!
*
Pra tudo se tem atalho,
Para sair da miséria.
Até para ir embora,
Avião virou pilhéria.
A passagem é tão barata
Que todo mês dá uma féria!
*
E o velho pai da matéria,
Pai da coalhada ou trovão...
A cada dia que passa,
Aumenta a sua explosão.
Não sei se é feliz ou triste,
Com o que vê no Sertão...
*
O relâmpago então,
Não sei o que acontece.
A cada dia que passa
Parece que se enfurece.
Que a cada risco no céu,
A terra toda estremece!
*
Com a faísca que desce,
Mata árvore, bicho e gente...
E o que mais estiver perto,
Atrás, do lado ou na frente...
Também não sei se é tristeza
Ou é por estar contente!
*
Seca: passado e presente,
Muita coisa está mudada.
As secas de hoje em dia
Nem se compara a passada.
Não sei onde você mora,
Mas aqui tá controlada!
*
D-ou assim por encerrada
A minha História e contente.
M-eu Sertão agora chove,
I-sso é muito bom pra gente.
A-manhã pode ter seca,
O-u inverno e muita enchente!
*
Fim.