Profecias de um viajante pelo agreste
Cada estrada que desbravo
De cada escada que desabo
Não vale nenhum centavo
Mas com esforço adquirido
Com o coração repartido
Mais uma peleja eu travo.
Cada semente que eu semeio
De cada serpente no meio
Do caminho um devaneio
Desse solo já percorrido
Só mulé que já tem marido
Não lasco meu galanteio.
Me deito com uma mulata
Meu peito muito maltrata
Já mando plantar batata
Amores que vem e se vão
Não me prendo numa paixão
Comigo não tem cascata.
Meu canto se impõe no agreste
Meu santo vem do azul-celeste
Se encontro um cabra da peste
Agente canta um cordel
Sempre agradecendo ao céu
Lumeia nosso nordeste.
Nesse sertão de terra rachada
Que nunca vê uma chuvarada
Quem planta não colhe nada
Mas por Deus é abençoado
Pensa num povo arretado
Dessa terra um tanto amada.
Seguindo na seca que judia
Quando avista o clarão do dia
Lá nas comieira até pia
O canto das juritis
Os mulecos da cor de um giz
Que só de pensar me arrepia.
Por lá só comi foi farinha
Às vezes nem água tinha
Pra saciar sede minha
Mas gente de face bonita
Carrega uma sina bendita
Aonde as corruíras se aninha.
Carcaça de boi defunto
Até os urubus estão junto
De longe eu só assunto
A tristeza de um sertanejo
Só com um chá de poejo
E um pão velho e presunto.
Vaquinhas já não dão mais leite
Só estão no curral de enfeite
Mas não há um só que rejeite
Uma casinha lá na cidade
Ali é que está a felicidade
Se tem um lugar que se deite.
Bate seca, bate o pilão
Pila o arroz, pila o feijão
Acende a vela, tira um tição
Do velho fogão de lenha
Meu Deus qual será a senha
Que tira essa maldição.
Cantarola o repentista
E declama o cordelista
Desse povo nacionalista
Dum nordeste muito quente
Mas onde tem uma gente
Que nunca pára na pista.
Salve Chico, Salve Ciço
Um dia nos livrai disso
Nos faça um compromisso
Nunca tire nossa alegria
Jesus Cristo e Ave Maria
E ponha mais água nisso.
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