Versos sofridos para um açude triste

A minha inspiração

Que rogo nesse instante

Para falar da jusante

Dum açude do sertão

Traz algo interessante

Também sobre a montante

E até de aluvião.

A vida do interior,

De plantação e de gado,

De rebanhos, de roçado.

Para mim muito mudou;

Agora é tudo atrelado

Ao moderno exagerado

Que tudo contaminou.

Homens de sabedoria

Não se cansam de dizer

Que é preciso entender

Coisas de economia;

Pois temos mesmo que ver

aonde foi se meter

o povo que antes havia.

O povo que antigamente

Era da zona rural

Mudou-se prá capital

Ou cidades diferentes;

Agora é fato real

Em nosso campo local

Temos muito menos gente.

Mas quem no campo ficou,

Coisa de trinta por cento,

Inda tira seu sustento

Das coisas do interior;

De carro ou de jumento,

Abrigado ou no relento,

A tarefa continuou.

Aqui, da minha cidade,

Fico pensando na roça:

Na casa e na palhoça,

Salatiel, Piedade,

Vez por outra alvoroça,

Corro sem medo e sem bossa

Prá ver a calamidade.

Foi assim um certo dia,

No primeiro de abril,

Que a barragem ruiu,

Levando tudo que havia;

O povo todo sentiu,

Pois para todo o Brasil

A informação seguia.

Como o tempo é engraçado,

Pode ser até cruel,

Outra mudança no Céu,

Logo ali do outro lado;

Anos depois o papel

Que já falava de mel

Era de novo malvado.

Naquela linda fazenda

Que ficava bem no alto,

Onde a onça dava salto,

Se eu mentir Deus me defenda,

Logo ao lado do asfalto,

Segundo outro arauto,

Mandava nova legenda.

Nem parece que faz anos,

Sentava lá no terraço,

Chovia pelo regaço,

Tinha até uns bichanos;

E nem apressava o passo

Naquele belo espaço

De modo interiorano.

Mas a vida continua

E o tempo se passou;

Longe do interior,

Vivendo as coisas da rua,

Ninguém a mim informou

Um sentimento de dor

Que matou até perua.

Eu vim saber por acaso,

Pois tive de viajar

E pela estrada passar,

Foi quando vi algo raso;

Nada mais vai arrasar

A gente lá do lugar

Do que aquele triste caso.

O açude tão bonito

Cheio de água limpinha

Perdeu a água que tinha,

Quase que não acredito;

Pois eu vi pela tardinha

Aquela terra sequinha

E não segurei meu grito.

Oh! Deus, que imagem triste!

Eu nunca ia pensar

De um dia enxergar,

Mas agora sei que existe;

A terra desse lugar

Agora poder pegar

Por quê não me advertiste?

Açude seco, terreno,

Só mesmo quem te conhece

Pensa em fazer uma prece

Prá que o sol fique ameno;

E a chuva que abastece

Ver se logo em ti desce

Este é o melhor aceno.

Aquele cena chocante

Ficou em meu pensamento,

Não esqueço o momento

Em que olhei delirante

Um homem com um jumento

Passar com seu passo lento

Açude adentro, adiante.

Ali não me conformei:

Fui ver o povo da terra

Onde o bode tanto berra

E de Rosa indaguei;

Ela disse - Nem na guerra

Tanta coisa se emperra

E passa o que eu passei.

Sem água nem prá beber

Ela conseguiu passar

Trazendo num caçuá

Pouco para se manter;

E me chamou prá olhar

Coisa de arrepiar

Uma vida de sofrer.

Como dizia um Ramos,

Que nordestino é forte,

Acreditamos na sorte

E da seca nos salvamos;

Sem ir pro sul nem pro norte

Fazemos até esporte

E hoje nos destacamos.

Paro com essas lembranças,

Mesmo que sejam recentes,

Pois agora em minha mente

Só quero ter esperanças;

De que esse povo decente

Tenha um tempo diferente

De prazer e de bonança.