O ATAQUE DAS ABELHAS

Fui operador de máquina
Era disso que eu vivia
Ficava sozinho no mato
Por mais de noventa dias
Em um barraco de lona
Era o lugar que eu dormia.

Dessa vez estava acampando
La no morro das cutias
Cartucheira 28 era minha companhia
E uma lanterna das boas
Que eu comprei na Bahia

Perto tinha uma lagoa
Na beira a cobra escondia
Quase coberta de gorfe
Onde a sucuri vivia
Canguçu da perigosa
Nessa lagoa bebia
Jacaré papo amarelo
Pegava pato e comia

Cinco horas eu levantava
Coava o moca e bebia
Depois de fazer um lanche
Calçava as botas e saia
Eu não levava marmita
Não almoçava meio dia

Quando a barriga roncava
Caçava uma fruta e comia
Ferrada de marimbondo
Toda hora recebia
Um ataque de abelhas
Era o que eu mais temia

Ia beirando uma cerca
Com a lâmina quase vazia
Tampava alguns buracos
Afastava os paus que caia
Quando empurrei um cupim
Um enxame me cobria

Voei de cima da máquina                     
Batia no chão e corria
Dava tapa nas orelhas
Para ver se defendia
                                                                            


O pior aconteceu
No desespero que eu ia
Foi quando o cinto quebrou
A calça desceu e mi piô
Lá adiante eu caia
Gritei tanto nome ruim
Que chega a garganta ardia

Parece que as ferradas
Transformava em energia
Criava força nas pernas
E muito mais eu corria

Larguei a calça com elas
Para ver se envolvia
E sai quase deitado
Chega os mocotós batia
Ia quase decolando e elas me ferroando
Com mais um pouco eu subia
                                                           
                                                                                                                                                                             
                                                                                                                                                   

Corria em linha reta                                                                                                              
E elas não desistia
Ou mudo de estratégia
Ou do contrário morria
Muitas idéias me vieram
Mas só uma resolvia

Emboquei de mato adentro
E nada me impedia
Torava galha no peito
E lá adiante saia

Estava só de cueca
A calça eu não queria
A camisa ficou as tiras
Balançando nas forquias

Quando cheguei no barraco
Deitei no chão e gemia
A canseira era tão grande
Que o corpo todo doía
Só depois de meia hora
Recuperei as energias
 
                                                                                                                              

Quando me olhei no espelho                                    
De sorri quase morria
Era aquela bagaceira
Os olhos quase não abria
O nariz ficou redondo
E as orelhas crescia
Não tinha beiço
Era tromba
Com gente nem parecia
Isso é só um resumo
Do que me acontecia
E alguns colegas meus
Nesses ataques morria

Trabalhava que só burro
E às vezes nem recebia
Tinha alguns fazendeiros
Que bancavam covardia
Pagava pela metade
Do jeito que ele queria
Para não perder tudo
Pegava o resto e saia

Quando eu chegava no rancho
Logo uma coisa eu fazia
Enchia um litro de óleo
Com estopa e acendia
Bem pertinho do barraco
Era assim que protegia
Se dormisse no escuro
Alguma onça comia
                                                                                                                
Tomava um banho na lagoa
Enchia o balde e trazia
Quebrava uma das grandes                                                                                                            
Fritava uns ovos e comia
E às vezes pegava um peixe
E um bom pirão eu fazia
                                                                                                                                                    

Numa dupla sertaneja
Ligava o rádio e curtia
Já esticado na cama
De tão cansado dormia
Acabava o som da viola
E as modas boa eu perdia

Ataque de pesadelo
Sempre me acontecia
Naquele lugar sozinho
Ninguém me socorria
No sufoco eu gritava
Os santos que conhecia
Mais era perda de tempo
Pois eles nada fazia
Às vezes até eu chamava
Santos que nem existia

Eu trabalhando a noite
E dessa vez foi na Bahia
Já não estava sozinho
Algumas casas existia
Era umas quatro ou cinco
E uma dessas eu dormia
Dava uns oitocentos metros
Para o serviço que eu fazia

Avisei para o patrão
Que aquela noite eu não ia
Tinha queimado um farol
Trabalhar assim não podia

É só você ter cuidado
O serviço está atrasado
E se o trator ficar parado
Vamos perder mais um dia
E sabendo do perigo
Mesmo assim ele exigia

Era um desmatamento
E foi feito de correntão
Só queimou pela metade
Tinha muita cinza e carvão
Eu juntava as coivaras
E de um lado não tinha visão

Um pau envergou na capota
Disparou na direção
Me pegou abaixo do olho
E vi aquele clarão
No momento pensei
Ou o motor explodiu
Ou um raio caiu no chão

Consegui descer da máquina
Minha vista escurecia
No meio da garrancheira
Era só levantar e caia
Andava meio de quatro
Ficar de pé não podia

E sempre andando em circulo
Na escuridão seguia
Parecia com um bêbado
Pra todo lado pendia
Igual cego em tiroteio
Sem saber pra onde ia
Foi as três da madrugada
Fui chegar ao romper do dia

Um médico particular
Foi quem me examinou
E para quem eu trabalhava
Nem os remédios pagou

Você teve muita sorte
Se fosse acima do olho
Não estava aqui agora
E talvez se escapasse
Tinha perdido a memória

Já faz mais de vinte anos
Que esse fato se passou
A pancada foi tão forte
Que um lado do rosto afundou

Perdi oitenta por cento
Da visão que possuía
Que dizer do olho esquerdo
O outro nada sofria

Trabalhei quarenta anos
Um bom dinheiro ganhei
Mas sempre levava calotes
De todos que confiei
E isso foi à razão porque não equilibrei

A única coisa que tenho
É um barraquinho pra morar
Nem mesmo na profissão
Consegui aposentar
Vivo de um salário mínimo
Nem bem para os remédios dá
Agora lhe pergunto
Se isso não é azar

Existe um velho ditado
Do povo de antigamente
Se você sonhar morrendo
E vê o corpo na frente
É sinal de viver tanto
Que pode virar serpente
Ainda dou um conselho
Se você é inteligente
Não confia em ninguém
Ainda mais se for parente
Porque os maiores amigos
É quem passa a perna na gente

Vão dizer que fui Mané
Com certeza tem razão
Quem sabe volto mais esperto
Se é que tem reencarnação
Não vou mais marcar bobeira
Nem cair em tapeação

E aqui deixo um abraço
A todos que me quer bem
Colegas e conhecidos
Para você e mais alguém
E no ano quarenta e dois
De dois mil faço cem.