O SERTANEJO MEDROSO
AUTOR: FCO. MELCHÍADES ARAÚJO
EDIÇÃO: JOSÉ EDSON DE SOUZA - JESA
Já fui cortador de lenhas
Fui produtor de carvão
Conheço todas as brenhas
Dos cafundós do sertão,
Mas um dia no sol quente
Me ariei completamente
E nas matas me perdi
Andei tanto que cansei
E por certo até passei
Perto de casa e não vi.
Enquanto estive perdido
No meio das verdes matas
Escutei voz e gemido
E barulho das cascatas,
E num dia muito cedo
Corri dez léguas com medo
Dum casal de caiporas
Brincando de esconde-esconde,
E fui parar bem aonde
O cão perdeu as esporas.
Pra minha grande surpresa
À noite avistei um rancho,
Uma lamparina acesa
Dependurada num gancho,
Uma rede branca armada
Uma pessoa deitada
Numa alegria sem fim,
Eu falei com meus botões:
Por certo existem razões
Pra está feliz assim.
E pra não atrapalhar
Os prazeres dele ou dela
Fui andando de vagar
Cheguei com muita cautela,
Não chamei nem bati palma
Me deitei mantive a calma
E já ia cochilando,
Quando uma jovem pequena
Branca igual flor de açucena
Perto de mim foi chegando.
E disse assim: Pode entrar!
Meu rancho é pobre e pequeno,
Mas é melhor que ficar
Exposto ao vento e sereno,
Saia desse chão molhado
Deixe a timidez de lado
Aceite o convite meu,
Só tenho essa rede branca
Como eu sou bondosa e franca
Vou deixar dormir mais eu.
Eu falei: não acredito
Que ela está falando sério?
Neste convite esquisito,
Deve haver algum mistério,
Mas eu tenho que aceitar
Se não ela vai pensar
Que eu estou com medo dela
E pra ser sincero eu sou
Muito tímido, mas não vou
Dar esse gosto pra ela.
Fui entrando e me deitei
Fingindo ser corajoso
Quando ela deitou fiquei,
Muito gelado e nervoso
E ao ver a jovem empolgada
Sorrindo e dando rizada
Com sua voz muito roca
Deu-me logo uma impressão:
Que ela perdeu a noção
Ou tinha ficado louca.
Para encurtar a história
Eu disse: vou descobrir
Se ela perdeu a memória
Ou pretende me iludir,
E perguntei desse jeito:
Não tens medo ou preconceito
De morar aqui sozinha?
Ela olhar bem pra mim
Depois respondeu assim:
Quando eu era viva, eu tinha!