N O R D E S T I N I S M O

Aos irmãos violeiros José

e França Porfírio, e para

José Marçal, todos já no

Além, que tanto para mim

cantaram, na sala de meu

pai, lá no sítio Camará.

Há cabra que nega a parte,

não quer dizer donde veio

e, mentindo, até com arte,

esconde que vem do seio

de “x” mato ou de cidade;

portanto, na identidade,

a pôr só fraudes no meio.

Gajo assim não tem quilate,

nem ter nascido devia.

Antes que a vida o maltrate,

deve é saber que, um dia,

foi o seu natal torrão

que primeiro deu-lhe o pão

e até seu nome, na pia.

Gente que foge às raízes

repousa na vida falsa;

pode não ter nem matizes.

Se homem, só veste calça;

mulher, então, é sem graça,

papel destinado à traça,

que só vai no vai da valsa.

Comigo não tem história:

mato a cobra, mostro o pau.

E valorizo a memória,

que meu tino tem um grau,

não levito lá no etéreo;

minha origem, sem mistério,

veio a pé e não de nau.

Venho das chãs do Nordeste

e sou cria do sertão;

cantador, cabra da peste,

outro tanto cidadão;

só não me botem de otário,

que estando dentro do páreo

meu cantar se faz canção.

Não falo por pabulagem,

mas já dancei muita dança;

quando não vou à viagem,

é por autoconfiança.

Meu jeitão de pé atrás

reza que se lucra mais

sem a droga da lambança.

Atravessei muitas terras

no lombo de um alazão,

vencendo várzeas e serras,

a galopar no meu chão,

pois quem é nordestinado

segue reto no seu fado

e não teme assombração.

Com redondilhas sonoras,

arranco aos sons da viola

a cantoria das horas

e quem ouve não se amola

nem fica a chupar o dedo;

entra nas glosas sem medo,

do cordel chutando a bola.

No Ceará, sou “Vovô”;

em Sampa, vou de “Fiel”,

também Botafogo eu sou;

logo, alvinegro, a granel.

Com pernas de pau, ao lado,

puno pelo “Colorado”

e completo o meu farnel.

Mas meu forte, assim diria,

vem de mexer-me sem tino;

vem da voz da poesia,

pois, mexilhão, de menino,

boto improviso com pilha

e meu canto traz guerrilha

– por vezes, tem ar ferino.

Por outro lado e viés,

tenho um solidário peito:

já fico ruim dos pés,

vendo mal algum sujeito,

na pior todo metido,

injustiçado, ou batido,

ou esticado num leito.

Não vou com cabra chaleira,

gajo que baba barões,

que puxar saco é besteira;

nobres lá com seus botões.

Eu, cá, feito um tico-tico,

só com gente simples fico,

mando o resto ler Camões.

Quem nasceu nordestinado

emigra e voa, no vento,

não teme ser degredado,

faz mansão no firmamento;

e, quando um bobo lhe xinga,

manda o cabra ir à binga,

sem nenhum constrangimento.

Meu nordestinismo aponta

sempre para o meu quintal,

mas bastante ainda conta

é teu amor – meu fanal.

De ti, me morro em saudades!

Nós dois, em longes cidades,

sequer somos um casal.

Mais te pensando e querendo,

e te querendo e pensando,

agora mesmo estou lendo

no teu eu, de vez em quando.

É tua foto o meu coro,

pois nela plantei meu foro

cujas leis são o teu mando.

Fort., 19/06/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 19/06/2011
Reeditado em 19/06/2011
Código do texto: T3044761
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