Históias que o povo conta: Otávio e a jiboia

Senhor Deus da minha vida;

Pai eterno Complacente;

Rei do Universo,

Misericordioso paciente;

Inspira-me agora,

Para que eu faça nessa hora;

Uma narração consciente.

Entre as linhas da poesia

O meu pensamento vagueia;

Descrevo a vida em versos

Como quem desvenda uma teia

E vou narrando a lida,

E o trabalho da vida

Que diariamente nos rodeia.

A vida é comparada

Com uma caixa de surpresa;

Às vezes tudo está bem

Uma verdadeira beleza,

Porém existe situação

Que precisamos então

De paciência e destreza.

A história que começo;

A fazer a narração

Não é mito, não é lenda;

Nem ato da imaginação;

Mas um fato interessante

E bastante impressionante

Que causa admiração.

Otávio Ferreira da Silva

Foi um grande senhor,

Nasceu longe da cidade

Criado no interior,

Foi um bom marajoara

Que sempre lutou com garra

Um grande trabalhador.

Em 1910,

Foi o ano em que nasceu;

Teve origem muanense;

Mas lá pouco tempo viveu,

Para o Pracuúba mudou;

Onde ficou;

Até quando morreu.

Com Maria Nunes

Constituiu Família,

Geraram oito filhos

Sete homens e uma filha;

A todos ensinou a verdade

Para que na honestidade

Seguissem numa boa trilha.

Como todo ribeirinho

Sempre foi acostumado,

No trabalho do campo,

Pegando no pesado,

Vivendo o dia-a-dia

Na caça, na pescaria,

E no cabo do machado.

A vida no campo antigamente

Tinha lá o seu contraste,

Pouco se lucrava com o trabalho,

Mas por outra parte

O alimento não faltava,

E tudo se ajeitava

Sem precisar de tanta arte.

Por isso seu Otávio

Sempre foi bom caçador

Era macho na coronha,

Isto a vida lhe ensinou,

Metia a espingarda no peito

Na mira era perfeito

Era um grande atirador.

Caçava de vez enquanto

Para garantir o alimento,

Pois a caça era um meio

De conseguir o sustento;

Tendo comida em fartura

Podia não ser uma doçura

Mas tinha contentamento.

Quando foi um belo dia

À tarde já chegava

Ele tranqüilo

Para dona Maria falava:

Vou pegar a espingarda

E dar uma caçada,

Pois a comida faltava.

Pegou a cartucheira

Depois de tomar café

Arrumou a sua capanga

E disse se Deus quiser;

Hoje não é dia de desgraça

Garanto que trago uma caça

Pois sou um caboclo de fé.

Chamou a cadela tróia

Uma parceira daquela;

Que quando viu uma caça

Saía no encalço dela

E pobre com certeza

Mesmo tendo esperteza,

Acabava na panela.

Partiu acompanhado

Daquele pequeno cão

Certo que traria

Uma comida e então,

Na hora de comer

A família fazer

Uma boa refeição.

Lá dentro do mato

No meio da capoeira

A cachorra se afastou;

Saiu andando ligeira

Vendo se descobria,

Tatu, paca ou cutia,

Já que era caçadeira.

Seu Otávio nem ligou

E pelo caminho seguiu;

A cachorrinha depressa

No cerrado sumiu;

Com o pau-de-fogo ao lado;

Ficou ele calado;

E na caçada prosseguiu.

Passados alguns minutos

Naquele silêncio total,

Otávio ouviu um latido,

Muito estranho por sinal

E ficou se perguntando,

O que estaria se passando,

Com aquele animal.

A cachorra latiu novamente

Parecendo assustada,

Ele só escutando

Não entendia nada,

Depois ela calou,

Nada mais se escutou

Não se ouviu mais zoada.

Saiu ele caminhando

Pelo meio do cerrado;

Para descobrir,

O que havia de errado

Porque uma cadela

Tão esperta como aquela

Tinha se calado.

Foi andando, foi andando,

Mas prestando atenção,

Ia muito atento

Com a espingarda na mão;

Quando viu o que se passava

Quase que desmaiava

E caía pelo chão.

Deu com uma jibóia

Muito grande por sinal;

Ficou bastante assustado

Com aquele enorme animal;

Teve a sensação

Que fosse uma assombração

Algo sobrenatural.

Passado o susto

É que pude observar

O que tinha acontecido

Antes de chegar;

Que a cadela destemida;

Tinha virado comida

Para a jibóia jantar.

A cobra matou a cadela

Sem ter dó nem piedade,

Num ato selvagem,

De muita ferocidade;

A cachorra indefesa

Tornou-se uma presa

Daquela brutalidade.

Depois que a cadela morreu

A cobra começou

Tentar engoli-la;

E pela cabeça abocanhou,

No instante da devora

Justamente nessa hora

Que Otávio chegou.

A sua chegada não foi

Pela cobra percebida;

A jibóia continuou

Devorando sua comida;

Ele ficou a pensar

Como faria para matar

Aquela fera atrevida.

A cobra estava concentrada

Engolindo aquele cão,

Mas num ato de reflexo

Ela prestou atenção,

Quando o Otávio ela percebeu,

Muito se enfureceu

Com a sua aproximação.

Abandonou a cadela

E ficou enfurecida,

E para cima dele

Transformou sua investida;

Dá-lhe um laço com jeito

E num bote perfeito

Tirar a sua vida.

Sendo ele destemido

Sujeito de muita garra

Resolveu rapidamente;

Que mesmo sendo na marra

Não usaria espingarda,

Mataria aquela danada

Usando apenas uma vara.

Mas a cobra era grande

Enorme de grossura,

Enfrenta-la numa briga

Seria um ato de loucura,

Ou tentar se matar,

Pegar o ferro e cavar.

A própria sepultura.

Enquanto Otávio

Ficava nessa indecisão;

Resolvendo se matava

A cobra com a própria mão,

Surge um fato impressionante

Que o fez num instante

Mudar de opinião.

Ele disse que a cobra

Começou a soltar;

Um mau cheiro muito forte;

Que não dava pra suportar

Um negócio fedorento

Que o deixava sonolento

Parecia que ia desmaiar.

Como se não bastasse

A cobra soltar aquele odor;

Um outro fenômeno

Ela proporcionou,

Quanto mais ela se mexia

Otávio percebia

Ela mudando de cor.

Era algo hipnotizante

Aquela cena de ilusão,

Que faria qualquer um

Perder totalmente a noção;

Ele estava sendo iludido

E ficando envolvido

Naquela situação.

Otávio sentiu que estava

Ficando esquecido,

Perdia o controle

E também o sentido,

Estava sendo hipnotizado

E parcialmente dominado

Por aquele animal enraivecido.

A cobra assumia tons

De cores se combinando;

Era verde, era azul,

Tudo se misturando,

Preto, cinza e amarelo,

Tudo muito belo

E seu Otávio olhando.

Mas o povo ribeirinho

Fala com propriedade;

Dizendo que a jibóia

Tem essa capacidade;

De deixar uma pessoa

Boba e a toa,

Sem noção da realidade.

E isso não é lenda;

É real é fato,

A jibóia dá o bote

Ataca no momento exato;

Ela é um inimigo

Que oferece muito perigo

Para quem anda pelo mato.

O caboclo afirma isso

Com veemência e clareza;

A jibóia é um animal

Que além da sua destreza

Tem força e ginga;

Tem encanto e mandinga,

E também muita esperteza.

Qualquer animal

Que não andar esperto

Encanta-se com o seu colorido;

E vira presa por certo.

Ela ataca com sutileza

Esta é a lei da natureza,

Sendo ou não correto.

Seu Otávio dizia: vala-me Deus!

Protegei-me Nossa Senhora!

Livra esse teu filho!

Que se encontra agora,

Num momento complicado

Bastante enrascado

Nesta triste hora.

Ai ele puxou

Pela sua espingarda

Dizendo vai pro inferno

Sua cobra malvada;

O pau-de-fogo ele agüenta

Mirou em cima da venta

Daquela cobra danada.

Quando o pau ardeu,

Que a cobra ele acertou

Teve a sensação,

Que de um sono ele acordou;

Foi que ele compreendeu

O risco que correu,

O perigo que passou.

Ainda deu mais dois tiros

Para consumar aquele ato,

Depois teve a certeza

Que ele de fato,

A cobra tinha matado

Pois estava acostumado

A andar naquele mato.

Depois que matou a cobra

Ficou entristecido,

Pois a cadela tróia

Infelizmente tinha morrido;

Uma grande companheira,

Uma cachorra caçadeira,

Otávio tinha perdido.

Fez uma cova

E cuidou de enterrar;

Aquela cadela infeliz

Que deu azar em encontrar,

Uma fera atrevida

Que lhe tirou a vida

E assim parou de caçar.

Depois de enterrar a cachorra

Otávio voltou pra casa;

Quando lá chegou

Nem sabia o que falava;

Dona Maria perguntando

Ele só olhando

E quase nada explicava.

Ela insistiu

E pela cadela perguntou;

Depois de tomar um café

Ele então falou,

O fato acontecido

O que tinha ocorrido

Ele lhe contou.

Ele disse minha velha

Escuta o que vou dizer;

Hoje eu te juro

Pensei que ia morrer,

Ao me livrar daquele animal

Pude crer afinal

O quando Deus tem poder.

Ai ele foi narrando

Como tudo aconteceu,

Desde a hora que a cadela

Na mata desapareceu;

Contou todo o fato

Até o momento exato

Que a cobra morreu.

Dona Maria Nunes

Ficou bastante abismada,

Quando ouviu aquela história

Por Otávio narrada;

Agradeceu ao Deus sagrado

Por seu marido ter livrado.

Daquela fera desgraçada.

Além do espanto

Que seu Otávio levou;

Não trouxe nenhuma caça,

Pois nada ele matou,

Mesmo assim estava contente

Por matar a serpente

E sua vida salvou.

Dona Maria falou:

Otávio eu tenho te avisado

Nessa história de caçada

Tem que ter muito cuidado,

O mato tem seu segredo

Coisas que metem medo

Até bicho mal assombrado.

No mato tem tudo

O que nem podemos imaginar;

Tem curupira e mãe-do-mato,

Que gostam de judiar

Quem do mato não tira os pés

Leva um revestrés

E depois quer reclamar.

Maria! Disse ele,

Isso pode ser verdade

Mas eu só caço,

Quando há necessidade;

Sou um homem preparado

Ando com o corpo fechado

Para livrar da maldade.

Nessa prosa continuaram

Por algum tempo;

Sempre falando

Daquele acontecimento,

Que seu Otávio foi livrado

Pelo Deus sagrado

Que estar lá no firmamento.

Aquele casal

Que conversava distraído,

Pensava que o pior

Já tinha acontecido,

Lembrava-se da cadela,

Ter uma sorte daquela

Era melhor não ter nascido.

Seu Otávio começou

A sentir um arrepio,

Parecia que seu corpo

Estava sentindo frio,

Pensou ter sido assombrado

Por aquele animal danado

Que no mato ele viu.

Daí em diante

Ele não teve sossego;

As coisas ficaram estranhas

Parecia um segredo,

De um homem encorajado,

Foi transformado,

Num homem com muito medo.

Sentia um medo terrível

Até difícil de explicar;

Para ir ao sanitário

Era preciso levar

Ágüem na sua companhia,

Fosse de noite ou de dia

Para lhe esperar.

Sentia não ter coragem

De a cabeça levantar,

Mesmo de repente

Para o mato olhar;

Tinha a sensação

Que uma assombração

Queria lhe pegar.

Se o medo impressionava

Outra coisa apareceu;

Em todo o seu corpo

Algo apareceu

Ele se coçava,

E muito se agoniava,

Quase enlouqueceu.

Era uma coceira braba

Parecia feitiçaria,

Ele se arranhava,

E sentia muita agonia;

Sua esposa desesperada

Muito enrascada,

Sem saber o que fazia.

Dona Maria disse: Otávio

Eu sempre te avisava

Cuidado nesse mato,

Mas tu nem ligavas

Tudo o que eu dizia,

Pra ti não tinha valia

Nem me escutavas.

Esse bicho para ti

Em forma de cobra veio;

Isso é coisa do diabo

O tal bicho feio;

Tu estás assombrado

Com o corpo enfeitiçado

Nesse grande aperreio.

Disse ele: calma Maria

Isso acontece com a gente;

O pobre que trabalha

Um dia fica doente,

Agora tem que dá um jeito

Pra tirar o negócio feito

Por aquela serpente.

Nesse tempo o povo

Que vivia no interior

Pouco ligava

Pra essa história de doutor;

Quando alguém adoecia

Logo se recorria

A um curador.

Para falar a verdade

O curandeiro ou a curandeira,

São pessoas com dom;

E não são de brincadeira

O caboclo adoentado

Da doença fica curado

Sem tanta canseira.

Pode ser feitiço

Ou até assombração;

Que eles dão jeito

Com uma benzeção;

E se o caso for estranho

Cura-se com banho

Ou então com defumação.

No rio Pracuúba Grande

Nessa época existia;

O senhor Joaquim Melo

Homem de muita valia,

Era um bom senhor

Um excelente curador,

O povo reconhecia.

Aí dona Maria

Para o seu Otávio falou:

O compadre Joaquim

Muita gente já curou,

Os que lhe procuraram

Das doenças se livraram,

Pois o mal ele tirou.

Eu tenho certeza,

Se o Otávio a gente levar

Para o compadre Joaquim

Ele vai preparar

Um remédio abençoado

E meu velho fica curado

Prontinho pra trabalhar.

Foram até seu Joaquim

E narraram o acontecido;

Seu Otávio falou

Tudo o que tinha ocorrido

Que viu a cadela tróia

Na boca da jibóia

E ficou meio perdido.

Depois que escutou

Com bastante atenção,

Seu Joaquim falou:

Meu compadre, meu irmão,

O senhor pulou uma fogueira,

E por essa sua brincadeira

Quase vai para o caixão.

Ele disse assim

Sobre aquele assunto;

Se o senhor demora mais

Tinha virado defunto;

Não estava do meu lado

E já tinha viajado

Pra cidade do pé junto.

Continuou ele dizendo,

Tem que está preparado

Quem anda pelo mato

Tem que ter o corpo fechado,

E para Deus se entregar

Pois se o perigo chegar

O caboclo é livrado.

Seu Joaquim ainda disse:

Agora preste atenção,

Vou lhe ensinar um banho

E uma defumação,

Se cumprir minha receita

Terá a cura perfeita

Dessa perturbação.

A sua defumação

Vai ser bem assim:

Junte a palma benta,

Ao incenso de beijoim,

Da saracura peguei a pena,

Junte com a alfazema

E também o alecrim.

O banho é esse aqui

Veja o que eu vou ensinar;

Pegue o cipó de curimbó,

E também mucura caa,

Cipó sicuriju,

A casca do buiçu,

Cipoíra não pode faltar.

Logo que chegaram a casa

Cuidaram de procurar

Os remédios ensinados,

E em seguida preparar

O banho e defumação,

Para que seu Otávio então

Bonzinho voltasse a ficar.

Mesmo cumprindo a receita

Do jeito ensinado

Otávio sentia remorsos,

Do bicho mal assombrado;

A coceira e o medo,

Tirava o seu sossego

E ele muito enrascado.

Mais ou menos um mês

A receita fez efeito;

Otávio teve saúde

Tudo ficou direito;

Depois daquela agonia

Ele sentiu alegria,

E voltou a ficar satisfeito.

Seu Otávio ficou bom

E pela fé foi curado;

Voltou a ter paz,

E viver sossegado;

Andava bem protegido,

Para não ser surpreendido

E muito menos assombrado.

São Sebastião da Boa Vista

O município onde aconteceu

Esse fato surpreendente,

Que o caro leitor leu

E pelo relato

Feito sobre esse fato

Alguma coisa aprendeu.

Otávio Ferreira da Silva,

Hoje já falecido,

Para muitos contou essa história

Esse fato acontecido;

Dizia: é bom ter cuidado

Com o segredo guardado

Lá no mato escondido.

D os segredos da floresta

A gente não deve duvidar

S empre existem mistérios

I sso eu posso afirmar

L endas e supertições

V ão nos dando lições

A gente tem que aceitar.