O Espantoso Doutor Feio

Numa terra não distante

Nem tão perto, mas no meio

Um senhor ficou famoso

Por não saber de arrodeio.

Sua feiura era tanta

Pior que jacu ou anta

Seu nome era Doutor Feio.

Doutor Feio era feioso;

Era um cão chupando manga.

Era mais feio que sogra,

Fazendo cara de zanga

Mais feio que Ludugero

Ou Zé Bonitim de tanga!

Ele tinha uma cabeça

De uma dúzia de melão

A testa comprida e larga

As bochechas de leitão

Cabelinho jaquedeme

Boca curta e queixo vão

Os peitos como de pombo

A barriga pendurada

A perna zambeta e fina

A coluna enviesada

Duas lentes de garrafa

E a venta bem amarrada

O motivo da feiura

Tem um bom entendimento

Quando sua mãe estava

Prenha pelo sacramento,

Ela cheirou um peidinho

De ticaca no momento.

O peido foi tão danoso

Que a senhora vomitou

Um rebuliço no bucho

Desse jeito começou

E por aquele buraco

A criança rebentou!

Quando era uma criancinha

Na aurora da sua vida

O menino Feio foi

Convidado pra partida:

Um concurso de careta

A mais feia era querida!

E foram muitas crianças,

Mulher sebosa e sem busto,

Velhos banguelos e cochos

Que para olhar só no susto!

Para isso existia um júri

Que no mundo era o mais justo.

Quanta careta horrorosa

Jesus, Maria, José!

Uma careta de bode

E uma outra de garnisé

Um cachorro despelado

Com frieira mais chulé!

Deu-se a noitinha fagueira

O concurso terminou

Porém quando viram Feio

Que por ali se chegou

O júri neste momento

O resultado mudou

- “Que cara mais horrorosa!”

- “Nesse mundo sem igual!”

Doutor Feio vencedor

A careta original

Alguém comentou baixinho:

- “Mas é o rosto normal!”

Feio foi pra faculdade

Estudar a medicina

Assim se fez um doutor

De jaleco e roupa fina

Logo foi fazer um parto

Eita coisa mais malina!

Esse parto durou mais

De quarenta e cinco dias

O bebê tirava a cara

Olhava, mas não saía

Dizia: - “Estou com medo

Dessa cloaca de jia!”

Certo dia, Feio foi

Chamado para uma briga

Levou cacete medonho

Que morreu sem mão amiga.

São Pedro fechou o céu

Inda foi lhe dando figa!

Chegando no inferno quente,

Belzebu fez continência,

Zé Capeta se cagou

Sem conhecer de decência

O Satanás foi dizendo:

- “Eu não quero concorrência!”

Voltando à vida terrena,

Feio foi ser professor

Não conhecia a História,

Mas aceitou com fervor

A aluna disse: - “Feioso!”

Ele: - “Nisso eu sou doutor!”

Nas férias, Feio partiu

Pra belíssima Paris

Quando andava pela rua

Não baixava seu nariz

Dizendo: - “Eu sou muito feio

Mas feder eu nunca quis!”

Foi quando um pintor chegou

Perto dele embasbacado

Disse que seu Feio tinha

Um dom para ser pintado

O pintor fez o retrato

E ganhou dez mil ducados!

Esse tal pintor chamava-se

Por um nome safadão

Pintava só em rabisco

Ganhando mais de um milhão

O seu nome era Picasso;

Não quero aproximação!

Um tal amigo de Feio

Lhe chegou aperreado:

- “Feio, meu caro amigo,

Eu estou todo arruinado!”

Doutor Feio disse: - “Como

Deu-se tal tempo malvado?”

O rapaz lhe contou logo

O que foi que aconteceu:

- “Feio, perdi carro, casa

E a mulher se escafedeu.

Porque comprei um espelho

E o SERASA lascou eu.”

Doutor Feio perguntou:

- “Que danado é esse espelho

Que você deu de comprar

E ficou lá no vermelho?

Vamos, me diga, ligeiro

Que danado é esse espelho?!”

- “Esse espelho, Doutor Feio,

Tem um poder magistral

Pois mostra o futuro nosso

De modo sensorial

Ficando de frente a ele

Aparece o bem ou mal.

Quando a mulher ali viu

O disgramado mostrou

Eu, doente e maltrapilho,

Assim como já estou.

Logo, a mulher pegou tudo

E pro mundo se mandou.

E para piorar tudo

Fiquei devendo na venda

Amanhã chega a cobrança

Pra levar a minha tenda

Se perder o meu barraco

Não vai nem sobrar merenda!”

Doutor Feio escutou tudo

E ligeiro calculou

Disse: - “Amigo meu, relaxe

Faça o que dizer eu vou

Você pode ficar pobre

Mas não fica pro lolou.

Contudo quero saber

Do meu amigo infeliz:

O camarada se viu

Nesse espelho que maldiz?”

O amigo respondeu:

- “Rente a ele não me fiz.”

Chegou então o seguinte

Dia daquela cobrança

Feio mais seu tal amigo

Armaram uma lambança

Pois Feio daquela história

Tinha uma desconfiança.

Quando a cobradora veio

Bateu na porta com jeito

De quem quer mandar em tudo

E faz cheio de direito.

Mas quem tem Feio de amigo

Sabe tirar bom proveito.

O amigo a porta abriu

E se fez todo mofino

A cobradora adentrou

Sem nenhum trato do fino

Dizendo: - “Eu quero o dinheiro,

Senão faço algo malino!”

O rapaz disse não ter

O dinheiro da questão

Pois ali somente tinha

O tal espelho na mão,

E lhe disse: - “A senhorita

Que o pegue de volta então!”

Mas a cobradora não

Quis saber daquele trato

Foi então que o rapaz disse:

- “Esse espelho é bom de fato.”

A senhorita fez cara

De quem não leu o contrato.

Ela pareceu não crer

Naquela conversa toda.

Porém, como se foi ela

Que antes disse aquela moda?

Não demorou tanto assim

Para ela cair na roda.

O rapaz pôs o espelho

E completou pra mulher:

- “Dona, fique aqui na frente

E que venha o que vier.

A mulher se olhou no espelho

Ficando o cabelo em pé!”

É que Doutor Feio estava

Do outro lado de quem vê.

A cobradora se olhou

E ficou toda lelê

Doutor Feio logo disse:

- “Então pegamos você!”

A mulher toda assustada

Caiu sem ter lá noção

Ela estava de peruca

E fazia danação.

Pois ela era a tal esposa

Do nosso amigo bobão.

Resolvido aquele troço

O amigo perguntou:

- “Doutor Feio como foi

Que você desconfiou?”

E Doutor Feio lhe disse:

- “Você nem pro espelho olhou!”

E assim Doutor Feio foi

Caminhando pela rua,

Procurando coisa nova

Porém ficando na sua

Mas ao olhar para cima

Ele afugentou a lua!

Senhor do Bonfim – BA, 08 de junho de 2010.