ALFORRIA-LITERATURA DE CORDEL
Alforria.
Guel Brasil
Eu me lembro com tristeza
Dos tempos da escravidão,
Fomos tratados como bichos
Só pra enriquecer patrão,
Chicoteados, humilhados,
E jogados no porão.
Nos casarões, nas senzalas
Vivíamos amontoados,
Nas noites frias do inverno
No relento, ali jogados,
E quando a doença vinha
O castigo era dobrado.
No tronco, no pelourinho
Pés e mãos acorrentados,
Sem ter direito à comida
E ainda chicoteados,
Escravo morrendo aos montes
Nem por Deus fomos lembrados.
Negro era tratado assim
Como um animal marcado,
Ainda no ventre da mãe
O negro era excomungado,
E o próprio papa dizia
“Negro é o fruto do pecado”.
Papas, padres, jesuítas,
De nós não tiveram dó,
Era assim no mundo inteiro
Mas aqui foi bem pior,
O negro era excomungado
E condenado a viver só.
O catolicismo seu moço
Nos deve uma explicação,
A igreja e suas mazelas
Agora pedem perdão,
Perdão não enche barriga
Nem apaga a escravidão.
Não podemos perdoar
Queremos reparação,
A igreja fez fortunas
Abençoando a escravidão,
E o ouro do Vaticano
Tem o sangue da servidão.
A igreja até hoje esconde
Quantos escravos matou,
O papa também não sabe
Quantas cabeças rolou,
Mas a igreja é testemunha
Foi ela quem começou.
Veio a princesa Isabel
Que um dia nos libertou,
Tiraram de nós os grilhões
Mas a escravidão continuou,
Os elos dessas correntes
Foi o negro que arrebentou.
Fomos postos em liberdade
Sem nenhuma proteção
Com uma mão adiante outra atrás,
Sem nenhuma explicação,
Só com a roupa do corpo,
Não houve reparação.
Sem termos pra onde ir
E tão pouco onde morar,
Não havia mais correntes
Mas como continuar,
Cadê o papa seu moço
Pra poder nos ajudar.
A igreja fechou as portas
O ouro tinha acabado;
Negro agora é sem valor,
O papa ficou zangado,
E o ônus da escravidão
Ficou nos cofres guardados.
E a escravidão continua
Na pratica é um Deus nos acuda,
Branco tem vez, não tem “cota”
O negro que não se iluda,
Tem preconceito “velado”
Por isso a coisa não muda.
Negro não ganha patente
Nunca chega a general,
Se o branco tem regalias
Pro negro não é igual,
Uma doença é sem cura
Que para o negro é fatal.
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