Cordel confuso

Acabo de pegar um ônibus

Mas não sei qual o destino

Sento ao lado d’um menino

De cara branca, como cuscuz

Logo viro pra janela

Olho a rua com cautela

Meu juízo, onde pus?

A viagem deve ser pra isso

Estou meio confuso

E tenho o bolso liso

Me sinto pouco obtuso

Se juízo estou procurando

E o povo, no ônibus entrando

Vai me deixando mais difuso

Onde será que vou descer?

É o que pergunto a mim

Será que vai ser longe?

Me respondo que sim

E o que vou encontrar?

Tenho que ir até o fim

Viro pro menino e pergunto

Onde o ônibus vai parar?

Ele muda de assunto

O senhor sabe jogar?

E me estende a sua mão

Mostrando a pontuação

Do joquinho de celular

Viro e não me interesso

Ele então resmunga algo

Estou pensando no regresso

No caminho que eu galgo

Será que sou importante

Pode ser redundante..

Mas me visto como um fidalgo

Pode ser que seja um político

Mas isso não vem ao caso

Pois se tenho um compromisso

Não posso chegar em atraso

Agora tenho a sensação

Não peguei o ônibus ao acaso

Penso em perguntar ao motorista

Não, eu tenho vergonha…

Ou preciso de um analista

Ou fumei muita maconha!

Porque realmente eu não lembro

Estou parecendo um manembro

Um verdadeiro pamonha

Faço força, tento lembrar

Olho pro menino de novo

Também está a me olhar

Não só ele, também o povo

Estou chamando atenção

Suando como um cão

Prestes a botar um ovo

Calma, se concentre!

Olho minha identidade

Sou um João Ninguém

Ou sou uma autoridade?

Mas eu não me reconheço

Nem sei minha prioridade

Pare o ônibus! Vou descer aqui

Nem acredito que gritei

Sinto algo molhado na roupa

Meu Deus, eu me mijei?

Foi isso que estavam olhando

Eu estava me urinando

O que foi que eu tomei?

Desço e a luz da rua me ofusca

Mas eu não vou desistir

Vou continuar na minha busca

Se meu juízo eu perdi

Sei que vou encontrar

Deve estar em algum lugar

Caiu quando eu me bati

Sim, acho que estou lembrando

Eu levei uma pancada

Na cabeça saindo do banco?

Lembro da arma sendo sacada

Um ladrão ou policial?

Daí não lembro mais de nada

Penso então em olhar pra baixo

O molhado é vermelho?

E então eu me abaixo

Me apoio no joelho

Não é mijo, isso é sangue

E me lembro de uma gangue

E um rapaz de aparelho

Sim, um adolescente

Ele me deu um tiro

Estou sangrando, minha gente!

Será que me ouviram?

Peguei o ônibus pro hospital

Eu estava muito mal

Quando os ladrões fugiram

Por isso estou atordoado

Sem saber o que se passa

Se ninguém me socorreu

Me virei e vim na raça

Se um dia cacei alguém

Hoje eu é que fui a caça

Sinto a vida se esvaindo

E não consegui socorro

Já nem estou mais sentindo

Mais um pouco, e eu morro

Estou vendo aquele filmezinho

Da minha vida, aqui sozinho

Vou morrer como cachorro

Após o tiro de trabuco

Começo a ver a luz

Posso parecer maluco

Mas eu vejo até a cruz

Agora sinto-me levitar

Meu corpo posso avistar

Estou indo ver Jesus.

Walter Gandarella
Enviado por Walter Gandarella em 01/05/2011
Código do texto: T2943183
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