Cordel desencarnado - O barqueiro e o doutor
( Heptassílabos / redondilha maior./ Septilha ) - Em montagem
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Peço licença seu doutor
Pra falar de vocação
Tu falas de capa-dura
Eu falo de coração
Não posso aceitar a tese
Que o aclama e me entristece
Sem sermos Deus e nem Cão.
Não me venha com o diagnóstico
Que faço contradição
Tenho um mal a lhe contar
Padeço de inspiração
Para Deus somos iguais
Nem um menos e outros mais
Até o fim da respiração.
Deus não dará ao homem simples
A falta de inteligência
Ele concebe a todo filho
O fruto da experiência
Toda divergência é nossa
No egoísmo não há quem possa
Receber de Deus clemência
E nas mesmas águas seguem
Os barcos da sabedoria
O doutor segue na proa
O bruto molhado é guia
E na hora da enxurrada
Onde o tudo é quase nada
Desce o choro da agonia.
O doutor recém formado
Voltando para o seu lar
Seguia em barcaça pequena
Declamando sem parar
“Homem sem conhecimento
Na vida parece jumento
Servindo sem reclamar.”
“Veja um barqueiro coitado
Não passará de um servente
Dias e noites nestas águas
Se sentindo menos gente
Estas águas têm destino
Pra quem vive o desatino
De não ter conhecimento".
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Águas serão testemunhas
Dos frutos da sabedoria
A lua contempladora
Das virtudes da ironia
A ensinar ao ser vivente
Que glória é comovente
Mas é simples fantasia.
O barco cortando a noite
Cego de deslumbramento
Sentindo o lume das águas
Se abrindo em acolhimento
E o doutor digladiando
Buscando glória e cantando
Poder e conhecimento.
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O barqueiro sente frio
Sem glória, sem paletó
O olhar contemplando o rio
Que o diz: você não está só,
A vida é tão passageira
A humildade é companheira
Daqueles que Deus tem dó.
Segue o barco ao inesperado
Com a sua contradição
As glórias do seu doutor
E as lamúrias do seu peão
E o destino está selado
Cada qual para o seu lado
Na hora da contrição.
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Deus não punirá seus filhos
Pela fôrma do pecar
O nosso excesso é um invólucro
Que não cansa de estourar
Não acredito em Deus raivoso
Que nos torna desgostoso
Em um inferno pra penar.
Veja esse pobre barqueiro
Descaso da intolerância
Servindo ao nobre doutor
Em troca de sua arrogância
Essa é uma contradição
Onde Deus coloca a mão
Em nome de sua clemência.
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És retorno dos teus atos
Carma da continuidade
No teu fruto do dia-a-dia
O amor retorna em bondade
E pra quem busca a arrogância
Envolvido sem clemência
O mundo traz calamidade.