Defensor ou pistoleiro?

Todo dia eu rezava

“Lá em cima, tem uma cruz

Onde é o dormitório

Cama de meu bom Jesus

Que nada me aconteça

Me alumia com sua luz”

Essa bendita oração

Foi mamãe que me ensinou

Por toda minha vida

Sempre me acompanhou

De muitas emboscadas

Sei que ela me salvou

Ainda era um menino

Perdi meu pai querido

Que levou tiro nas costas

De um homem traído

Arrasou com minha vida

Fez meu lar destruído

Outrora, encontrei o cabra

Disse-lhe, - Hoje tu cai

Eu armado duma enxada

E um instinto samurai

Decepei-lhe o pescoço

Em memória de meu pai

Fui embora de Alagoas

Arrumar a minha vida

Na bagagem, uma enxada

Foi duro a despedida

Mas um dia, ainda volto

Pra fechar esta ferida

Vim pro Rio de Janeiro

A cidade maravilhosa

Terra de belas praias

E de gente calorosa

Quem sabe curtir um pouco

Do que o carioca goza

Mas o que me restou

Foi quase um deserto

Não tinha água nem luz

O esgoto a céu aberto

Sem belas paisagens

Sem casas por perto

De posse da enxada

Fui fazer terra arada

Fazia quase de tudo

De limpeza a capinada

Tinha como missão

Deixar a casa arrumada

Falando em casa arrumada

Foi aí que imaginei

Podia arrumar meu bairro

Em política me interei

A confiança do povo

Eu logo conquistei

Começando a faxina

Expulsando os delinqüentes

Sempre ao meu modo

Esmagando as serpentes

Acabando com as traças

Sem usar repelentes

E Duque de Caxias

Então me conheceu

Pra vereador

O povo me elegeu

Estava começando

Todo meu apogeu

A cidade caminhava

Rumo ao progresso

A classe alta incomodada

Com todo o meu sucesso

Sem saber o que fazer

Ficaram todos possessos

Bem que eles tentaram

Derrubar-me do cavalo

Mas meu grito é muito forte

Pra safado não me calo

Pinto miúdo nunca quebra

A crista do meu galo

Fui eleito deputado

Aumentando o meu poder

A elite se indagava

Como iria me deter

Importaram um delegado

Que iria me prender

Não tardou muito

E chegou a melhoria

Acabou a escuridão

E cai água todo dia

Porém iniciou-se a

A ira da burguesia

Distribui muita casa

Sem olhar a quem

Esse era o meu jeito

Sempre pronto para o bem

Dei casa pro nordestino

E pro carioca também

Imparato era sem duvida

Cabra macho e valente

Botou ordem na baixada

Recluso, foi muita gente

Terminou metralhado

Sem chegar ao finalmente

Sabe quem foi o mandante?

Disseram que era eu

Tive a casa cercada

Mas meu amigo Nereu

Aliviou-me de culpa

Naquilo que aconteceu

Tentei ser governador

E acabei derrotado

Carlos Lacerda foi

O homem mais votado

Permaneci quieto

No cargo de deputado

Em Brasília se passou

Um fato muito hostil

Eu fazia um discurso

Contra o Banco do Brasil

Ofendendo um baiano

E todo o seu covil

Um conterrâneo seu

Falou-me uma besteira

Lhe amostrei “Lurdinha”

Minha eterna companheira

Acabou todo mijado

Com água de sua torneira

E o tempo se apressou

Tão veloz, igual ao vento

Tudo aquilo que eu fiz

Acabou no esquecimento

Pois pneumonia foi a

Causa de meu falecimento

Eu que fui menino pobre

Tornei-me um bacharel

Virei filme de cinema

Aqui eu sou cordel

Está tudo anotado

Na folha de um papel

Isto é só um pouquinho

A história é gigante

Mas nem me apresentei

Faço isso neste instante

Fui o Homem da capa preta

Tenório Cavalcante

Pietro Assis
Enviado por Pietro Assis em 25/04/2011
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