LOBISOMEM

O Lobisomem.

Guel Brasil

A lenda que aqui se conta

É do gosto de parir,

Não tendo outra distração

O jeito é produzir,

Um filho nasce por ano

É a diversão por aqui.

Aqui quem tem dois tem um

E a gravidez não tem teste,

Os trapos que vestem dois

Vestem três, quatro, até sete,

Se for tudo filho homem

É onde começa a peste.

Não adianta benzedura

Nem crisma nem batizado,

O ultimo que nascer

Já tem destino marcado,

É só ter maior idade

Que começa seu reinado.

Seu moço eu vou lhe contar

Uma história interessante,

Difícil de acreditar;

Foi vovô quem me contou

Que o avô dele contava,

E agora eu vou lhe contar.

Do ano eu já não me lembro

Mas não consigo esquecer

Que vovô sempre dizia,

“Eu vi com meus próprios olhos

Que essa terra há de comer,

Zeca virar livuzia.”

“Era sexta-feira santa”

Isso vovô nos contando,

Eu, e mais um primo meu;

“Fui na venda buscar fumo,

Montado no meu burrão,

Que nunca se estremeceu.”

“Prosa vai e prosa vem,

Da hora não me lembrei,

Começou a escurecer;

Comprei o que precisava,

Montei no lombo do burro,

E fiz o bicho correr.”

“A lua estava bonita

E o seu brilho era tanto,

Que clareava o sertão;

E no galope do burro,

Dava prá ver direitinho,

A nossa sombra no chão.”

“Botei sentido na estrada

E vi lá mais adiante

A silhueta de um homem,

Pelado como nasceu

Num espojador de animal,

Se virando em lobisomem.”

“Senti então um arrepio

Me correndo nas espinhas,

Juntei o burrão na espora,

Clamei por são Benedito

Santo Antonio e São José

E até por nossa Senhora.”

“Meu burrão ficou arisco

Danou soprar pelas venta,

E começou a refugar;

Pulava e dava coice,

Como quem estava dizendo

Por aqui não vou passar.”

“Saltei da anca do burro

E o bicho desembestou,

Levando a peito o que via,

E me apareceu sem arreio

No terreiro lá de casa

Na manhã do outro dia.”

“E eu fiquei lá sozinho

Pedindo prá santaiada

Que viesse me ajudar;

Passei a mão no facão,

Como não tinha outro jeito,

Era passar ou ficar.”

“E o bicho lá se espojando

Que levantava poeira,

E urrava feito um leão,

E o meu medo foi tanto

Que minhas pernas travou,

Fiquei grudado no chão.”

“Prá encurtar a conversa

Com as poucas forças que tinha,

Fiz do medo valentia,

Botei a boca no mundo

Gritando feito um maluco,

Que até os mortos me ouvia.”

“Não sei de onde saiu

Uma nuvem negra nos céus,

E o mundo se escureceu;

Que quando o clarão voltou

Meu medo tinha passado,

E o bicho se escafedeu.”

“Aí meu sangue esquentou

E eu nem medi a distancia,

Queria chegar ligeiro;

Passei sebo nas canelas

Saltei cerca e mata-burros,

Prá chegar no meu terreiro.”

Menino eu cheguei cansado

Botando os bofe prá fora,

Pensando, o que foi que eu vi;

Passei essa noite em claro,

De pensar no acontecido,

Eu não consegui dormir.”

“E não contei prá ninguém

Desse tal de lobisomem,

Só meu burro e eu sabia;

Me levantei bem cedinho,

E voltei no mesmo canto

Só prá ver se descobria.

“Quando eu saí no terreiro

Vi meu burro sem arreio

Mas com o freio na queixada,

Puxando da pata esquerda

E com a ponta da orelha,

Ligeiramente cortada.”

“O dia tava clareando

E alguma marca do bicho

Eu precisava encontrar;

Meia légua mais ou menos

Aumentou mais a surpresa

Quando eu cheguei no lugar.”

“A porteira estava aberta,

E tinha restos de pelos

Até no arame farpado;

Calça, camisa, chapéu

E uma bainha de couro,

Que o bicho tinha deixado.”

“Foi quando eu vi movimento

De gente se aproximando

Tratei de me esconder,

Numa moita de araçá

Prá ver de perto quem era,

Estava louco prá saber.”

“Era Zeca Viriato

Meu vizinho e meu compadre

Que eu sempre desconfiava,

E meu pai sempre dizia

Fique longe desse povo.

Que essa gente nun prestava”

“É, meu burro se acostumou

Por não andar mais de noite,

E com uma orelha cortada.

A cela eu encontrei

Numa moita de ticum

Estava toda rasgada.

“Depois desse acontecido

Eu deixei de andar a noite,

Quando a lua estava cheia;

Bicho que é bicho se assusta,

E eu garanto que vi,

Lobisomem é coisa feia.”

“Não acredita?

Faça um passeio lá em casa,

Na fazenda cafundó!

Eu duvido e faço pouco

Se o moço vai ter coragem,

De passar uma noite só”.

guelbrasil@gmail.com

Guel Brasil
Enviado por Guel Brasil em 03/04/2011
Código do texto: T2886917
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