ME MURDI COM A ELEIÇÃO

Vou contar pra todo mundo

O que sofri numa eleição,

Eu sou um caboco veio

Do interiou do sertão,

Como das coisa qui tem

Só vou falar com argúem

Torado de precisão.

Numa vespa de eleição

Que todo quato ano tem,

Eu tava ruim de vida

Liso, sem nenhum vintém,

Tinha um palanque armado

Eu cheguei disconfiado

Atrás de falar também.

Não pra falar na política

Falar sobre minha fome,

Um político falou comigo

Procurou saber meu nome,

Me perguntou: Sabe Ler?

Eu dissi: Eu quero é sabê

Qui danado agente come?

2

Eu sô um matuto veio

Qui pouco ocupo argúem;

Minha riqueza é inverno

Mais quando ele num vem,

Preu trabaiá de tudo

Pra sustenta meus sambudo

Ai num mi cinto bem...

Só venho fala com o povo

Quando tô aperreado;

Dento do meu aperreio

Eu num quero nada dado,

Qui de pidi eu me acanho,

Eu quero é arranjá ganho

Mermo dento do pesado...

Um home impalitosado

Ficou oiando pra mim;

Fazendo um á de riso,

E eu achando ruim

E ficando incabulado,

Achei qui aquele danado

Tava mangando de mim.

3

O home nesse momento

Apertô a minha mão,

Era um dotô ingravatado

Dento do palitozão,

Carçado num pá de bota

Me pergutô: Você vota?

Eu dissi: voto, patrão!

Eu sou um caboco veio

Lá do centro do sertão,

Mais um dia pru lá mermo

Me passaro uma lição,

Uma vez lá cum um home

Aprendi fazê meu nome

E voto in toda eleição.

Ele me deu um cartão

E me deu cinco cruzeiro,

Dissi: vote nesse número

O meu nome é o primeiro,

Vote comigo amanhã

Que você já é meu fã

E seu emprego é certeiro!

4

Quando recebi a notinha

Curri logo pro mosqueiro,

Cumi um cachorro quente

Com muita pimenta e tempero,

E cumi mais dois pasté

Cum duas caneca de café

Sanei o meu disispero.

Só sobrô mil e quinhento

Pra três filho e uma muié,

Eu quis comprá de banana

Ô ota coisa quarqué,

Pensei cumigo ligeiro

Devo levá o dinheiro

E eles compra o qui quisé.

A muié ficô danada

Fez raiva que quase morro,

Eu dissi: aí vem um pulitico

Pra nos trzer socorro,

Ocê acredita in home?

Nos vamo é morrer de fome

Esperando esses cachorro.

5

Eu vortei pra inleição

Sem caricê procurá,

O dotô carinhosamente

Foi me levar pra votá,

E lá me deu um cartão

Pra apresentar na pensão

Pra eu pudê armunçá.

Quando cheguei na pensão

Era grande o arvoroço,

Intreguei logo o cartão

A um home baixo e moço,

Ele me preguntou: Já votou?

Eu dissi: Já sim sinhô!

Não tem mais direito a almoço.

Me deu logo uns quato grito

E me mandou caí fora,

Fui prucurá o dotô,

Ele já tinha ido imbora,

Fiquei tão brabo e voraz

Que parece que satanás

Me cutucou nas ispora.

(...)

(continua...)