Nota de falecimento e convite enterro* Autor: Damião Metamorfose.

*

Deixo o meu muito obrigado a quem ler ou comentar, pois devido o texto ser muito extenso se torna cansativo e eu sei que tempo é ouro, mas Cordel é Cordel. Grato e inté.

Convido parente e amigos

E o povo em geral.

Pra se fazerem presentes

Na igreja paroquial.

Terá missa com o vigário

E o cortejo no horário,

Pro cemitério local.

*

Venha para o funeral,

Faça esse ato de fé,

Solidariedade humana

Perante a santa sé.

-assim o convite é feito,

Vem gente de todo jeito,

De carro, moto e a pé.

*

Vai do rico ao mais ralé

E eu com os meus botões.

Procurando umas respostas...

Só acho interrogações.

Gostaria de saber:

Por que tanta gente crer,

Em crendice e tradições?

*

Por que vai gente aos milhões,

Pra conduzir um caixão.

Uns chorando outros rezando,

Outros só por babação.

Não sou cético e nem ateu,

Mas rezar pra quem morreu

Será que traz salvação?

*

Passa a vida em perdição,

Bebendo e raparigando.

Não dá carinho pros filhos,

Com a mulher, vive brigando.

Morre e levam para a igreja,

Velas em vez de cerveja,

A quem estão enganando?

*

Um carro de som rodando,

Pelas ruas da cidade.

Diz: que é um ato de fé

Cristã, solidariedade.

Marcando data e horário,

Será que é necessário,

Isso é fé ou vaidade?

*

Radio e jornal da cidade,

Até na televisão.

Divulgam em horário nobre,

Aquela badalação.

Só pra enterrar um pé junto

E provar que o defunto,

É o bom da região.

*

Depois que forma o cordão,

Com faixa, flor e coroa...

Falando bem do canalha,

Salmos escritos à toa.

E os amigos em casa,

Já vão arrastando a asa,

Pela herança da patroa.

*

Desfilam falando loa,

Uns querendo se mostrar.

Usando óculos escuros,

Que é pra ninguém notar.

Que não está preocupado,

Com aquele caixão do lado,

Pois quer mesmo é desfilar...

*

Olhar pro outro e falar,

Da saia curta ou vestido.

Dos chifres que a viúva

Levava do falecido.

Ou dos que ela botava,

Quando ele se ausentava,

Nos tempos de pervertido.

*

O furdunço é garantido,

Por testamento ou herança.

Para saber se ele tinha,

Conta corrente ou poupança.

Pra ninguém desconfiar,

Eles encenam chorar,

Até os filhos são chupança!

*

Chega à igreja com tardança

E a fila faz quarteirão.

O cabra já vai fedendo,

Mas só por bajulação.

Para o babão não tem jeito,

Pra ver de perto, o sujeito

Tira a tampa do caixão.

*

Já fedido igual o cão,

Mais roxo que violeta.

Mas pra agradar a viúva,

O babão nem faz careta.

E ainda diz mentindo,

Parece que está sorrindo,

Pense num patrão porreta!

*

Chamam um padre picareta,

Meia dúzia de assistente.

Para fazer um sermão,

Tem que ser bem comovente.

E o danado do defunto,

Mesmo há um dia de pé junto

Inda transpira aguardente.

*

Missa de corpo presente,

Tem sempre aquela mensagem.

Falando do homem bom,

Dos seus atos de coragem...

Uma viúva chorando

E um tarado consolando,

Já pensando em sacanagem.

*

Um padre com uma imagem,

Diz: o nosso irmão gentil

Foi para o andar de cima,

Deixando esse mundo hostil.

Era um homem respeitado,

Deus tem lugar reservado...

Mentindo de forma vil.

*

Joga a água de um cantil

Dizendo ser água benta.

Parece nem ser tratada,

Porque tem a cor barrenta.

Mas no mundo da mesmice,

Para quer crer em crendice,

Essa tradição fermenta.

*

E o “bom” político comenta:

Eu não perco essa bocada.

Mesmo sendo adversário,

Vai com a cara lavada.

Se infiltrar na multidão

E de tanto apertar mão,

Fica de munheca inchada.

*

E o padre faz enxurrada,

Com água benta ou não.

Que deixa o piso da igreja,

Parecendo alagação.

Deixa o defunto molhado

E o caixão alagado,

Com tanta bajulação.

*

Com o atraso do sermão,

Já passa do meio dia.

O defunto todo inchado,

A inhaca que irradia.

O mastigado aumentando,

O sol a pino esquentando

E o coveiro já bebia.

*

Enfim sai a confraria,

Carregando o caixão.

O cheiro que já é forte,

Dispersando a multidão.

Mas os fieis escudeiros,

Pra levar são os primeiros,

Quem é babão, é babão...

*

Passando de mão em mão,

Musica gospel no cortejo.

Mas se o defunto pudesse

Realizar seu desejo.

Era um bregão bem safado,

Um forró modernizado

Ou um modão sertanejo.

*

Quando tem enterro eu vejo,

Parece uma procissão.

Bem na frente vão a faixas,

Coroas, flores, caixão.

Filmagem e tudo é o fraco

E o numero de puxa saco,

Sempre arrastando o cordão.

*

E o coveiro de plantão,

Que está de tanque cheio.

Compra mais uma garrafa,

Pois já tomou a que veio.

E do jeito que ele está,

Se errar o rumo da pá,

Rola o defunto no meio.

*

Depois parece um recreio,

Morte é passado, é saudade...

Uns vão para um restaurante

Ou barzinho da cidade.

E com água, não a benta,

Ouve um som, dança e comenta,

Luxo, sexo e vaidade...

*

Eu na minha mocidade,

Sempre achava isso normal.

Mas depois que eu cresci,

Fui morar na capital.

Sou uma pessoa vivida

E ignoro quem convida,

Amigos pra um funeral.

*

Que me chamem de animal,

Tabaréu lá do carrasco...

Que escapou com preá,

Pegado lá no penhasco.

Então faça diferente

E convidem essa gente,

Pra comer um bom churrasco.

*

E pra não ser um fiasco,

Contrate um carro de som

E saia de rua em rua,

Convidando em alto tom.

Chame o povo para a festa

Ou outra coisa que presta,

Que eu digo: oh cabra bom!

*

E não encha o saco com

Defunto para enterrar.

Chame uma funerária,

Que tem carro pra levar.

Porque eu não vou sair

De casa para assistir,

Essa cambada chorar!

*

Seu que eu não posso mudar,

As tradições do passado.

Mas se convidar já sabe,

Eu não atendo o chamado.

É que eu gosto é de festa,

Enterro pra mim não presta

Nem quero ser convidado!

*

D-esde o tempo passado

A-té hoje é assim.

M-as eu não gosto de enterros,

I-sso eu nem sei se é ruim.

A-gora caro leitor

O Cordel chegou ao fim!

*

Fim.

Damião Metamorfose
Enviado por Damião Metamorfose em 28/02/2011
Código do texto: T2819404
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