A CARRUAGEM DE ANA JANSEN - UMA LENDA MARANHENSE

Você já imaginou

Sair pela noite a fora

E encontrar uma carruagem

Carregando uma senhora

Toda de preto vestida

Conduzindo uma vela erguida

Até o romper da aurora?

Por este Nordeste a fora

Onde eu vivo a viajar

Há sempre uma boa lenda

Que precisa se contar;

Com muita fé e coragem

Seja qual for a viagem

Estou sempre a pesquisar.

A cultura popular

É rica em imaginação

Há lendas nacionais

Há lendas por região

E este acontecimento

Eu tomei conhecimento

No Estado do Maranhão.

No tempo da escravidão

Regime de monarquia

Entre senzala e palácio

A história acontecia

Depois era registrada

No papel documentada

Pra ser contada hoje em dia.

Pois tudo que se inicia

Sempre tem o seu final

Mas há fatos surpreendentes

Em nossa lei natural

Que em lenda é transformada

Passando a ser cultuada

No folclore nacional.

No período colonial

Esse fato aconteceu

Na ilha de São Luis

Onde algum tempo viveu

Uma senhora abastada

Impiedosa, malvada

Que por lá apareceu.

Quem estudou conheceu

Nossa civilização

Portugueses, holandeses

Lutaram por ela em vão

Construiu, edificou

Mas foi França quem fundou

São Luis do Maranhão.

Não se sabe a que nação

Essa mulher pertencia

Só se sabe que era rica

E da aristocracia

Nome ANA JANSEN PEREIRA

LEITE e era mãe solteira,

Tudo quanto se sabia.

Por DONANA respondia

Assim ela era chamada

Muito rica e poderosa

Por isso era cobiçada

Despertando preconceitos

Por possuir os trejeitos

De uma mulher de vanguarda.

Uma história registrada

Envolvendo essa possante

Se deu com Antônio Meireles

Um rico comerciante

Pior que sussuarana

Com inveja de Donana

Lhe preparou um displante.

Esse tal comerciante

Interessado em fuxicos

Encomendou na Inglaterra

Duas centenas de penicos

De louça com a imagem

De Donana na carruagem

Só pra fazer mexericos.

Depois botou os penicos

Pra comercializar

Ana Jansen comprou todos

Sem ele desconfiar

Matreira por encomenda

Levou tudo pra fazenda

Pra escravaria usar.

Começaram a armazenar

As «coisas repugnantes»

Vez por outra conduziam

Numa carroça possante

O fétido conteúdo

E quebravam aquilo tudo

Na loja do comerciante.

Se ele era intrigante

Ela tinha maioria

Ele usava seu prestígio

Ela usava fidalguia

Ambos eram endiabrados

Deviam até ser casados

Pois os dois se mereciam.

Ana Jansen possuia

Escravos em quantidade

Se valia da riqueza

Pra fazer impunidade

Batendo, chicoteando

E muitas vezes matando

Sem ter dó nem piedade.

Praticar atrocidade

Pra ela era normal

Amputar perna de escravo

Era coisa natural

Se tornava indiferente

Cortar cabeça de gente

Ou qualquer outro animal.

Já se sabe que o mal

A ninguém nunca ajudou

Quem erra e não se arrepende

Nunca a salvação ganhou.

Foi assim que aconteceu:

Quando Ana Jansen morreu

Nem a terra a aceitou.

Sua matéria ficou

No reino da impunidade

Classificada no inferno

Como Deusa da Maldade

Condenada finalmente

A vagar perpetuamente

Pelas ruas da cidade.

Ficou pra eternidade

A lenda dessa infeliz

Cuja vida de maldade

Deus cortou pela raiz;

Depois de séculos passados

Esse fato ainda é lembrado

Nas ruas de São Luis.

Há pessoas que ainda diz

Que ela é sempre percebida

De Quinta pra Sexta-feira

Por gente desiludida

Que sai pela solidão

Da noite em busca de ação

Que alegre a sua vida.

Uma carruagem perdida

Dessas bem mal assombrada,

Passeia na noite a dentro

Até alta madrugada,

É Ana Jansen vagando

Pelas ruas procurando

Alguma alma penada.

Ela parte em disparada

Do Cemitério Gavião

Conduzindo Ana Jansen

De vela acesa na mão

Procurando na janela

Alguém a quem dê a vela

E lhe faça uma oração.

Quem aceita a doação

Da vela, acesa ou apagada,

Ficará muito surpreso

No final da madrugada

E terá muito sobroço

Ao ver a vela num osso

De defunto transformada.

A carruagem citada

Ou «carro mal assombrado»

Por um escravo sem cabeça

É toda a noite guiado

Com Ana a chicoteá-lo

E também os seus cavalos

São todos decapitados.

Os locais mais frequentados

Pela tal aparição

São ruas mal habitadas

Cheias de prostituição

E homens sem idoneidade

Que na marginalidade

Praticam contravenção.

O Estado do Maranhão

Não deve ser diferente,

Mesmo com tanta cultura

E um povo inteligente

Também tem contravenção

E gente sem coração

Praticando esse ambiente.

Hoje é tudo diferente

Do tempo da escravidão

Mas ainda tem Anas Jansens

Com seus chicotes na mão

Fazendo e acontecendo

E a justiça tudo vendo

Mas não toma decisão.

A nossa religião

Cada vez mais deturpada

Padres usam tatuagens

E exibem namorada,

É o passado voltando

E Ana Jansen atuando

De forma modificada.

Já não se espera mais nada

Que transforme esse cortiço

Eu devia ficar calado

Mas não posso ser omisso.

Se as leis mudam o sistema

Cada um tem seu esquema,

Não tenho nada com isso.

Lamento esse reboliço

Acho pouco varonil

Concluo mais um livreto

Em verso culto e servil

Recordação do passado

Dedicando e dedicado

Ao povo do meu Brasil.

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 16

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 17/02/2011
Reeditado em 20/11/2022
Código do texto: T2798142
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