A BRIGA DE QUALQUER HORA COM UM BANDO DE CIGANOS
Quando a musa me inspira
Fico muito satisfeito
Sento na banca e escrevo
O verso sai do meu peito
Levo para os editores
E torço pra meus leitores
Aceitar mais esse pleito.
Procuro fazer bem feito
Para agradar a meu povo
Em cada cordel que lanço
Coloco um assunto novo
Quando vejo o povo ler
Fico cheio de prazer
Com o prazer que promovo.
Do tempo antigo e o novo
Qualquer assunto me toca
Na época do cangaço
Não existia fofoca
Só bala indo e voltando
E muita bala zoando
Pior do que muriçoca.
Quando o destino se invoca
E põe dois valentes perto
Munição sobe de preço
Mais um túmulo é aberto
Mais uma vida se encerra
Sangue humano ensopa a terra
E um funeral é certo.
Lampião em campo aberto
Era alvo de volante
Por isso ele não saía
Da caatinga um só instante
No mato fazia mazelas
Assaltando as corrutelas
Com seu bando miliante.
Vou falar de um sitiante
Que foi cangaceiro outrora
Chamado José Manoel
Apelido Qualquer Hora
Do bando de Lampião,
Esse não tinha noção
Onde é que o medo mora.
Senhor Manoel Qualquer Hora
No chão baiano nasceu
Lá em Antônio Cardoso
Por muitos anos viveu
No cangaço foi serpente
Deu muita porrada em gente
Mas ninguém nunca lhe deu.
Vivia do roçado seu
Um pequeno agricultor
Cumpridor dos seus deveres
Honesto e trabalhador
Pacato onde vivia
Valente quando devia
Porém nunca malfeitor.
Extremo respeitador
No lugar onde chegava
Alto, esbelto e sorridente
Sua voz nunca alterava
Da maneira que vivia
Quem o visse não dizia
Que aquele homem brigava.
Burro bravo ele amansava
Pegava boi que fugia
Onça esturrava na furna
Calava quando lhe via
Na música ele dançava
O que o destino tocava,
Ritmo nenhum escolhia.
Tinha o dom da pontaria
Era bamba no facão
Brigava com quatro ou cinco
Em qualquer ocasião
Se numa contenda entrava
Qualquer arma se tornava
Perigosa em sua mão.
Com bala apagar tição
Era brincadeira boa
Cortar uma talo de rosa
Na boca de uma pessoa
Isso Manoel fazia
Com a maior alegria
Brincando e cantando loa.
Se chegasse uma pessoa
Lhe chamando pra brigar
Ele dizia, menino,
Vá comer pra engordar
Ficar mais forte e crescer
E volte aqui pra eu ver
Se é hora de lhe matar!
Manoel chegou num lugar
Nome Santo Estevam Novo
Entrou na feira tranquilo
Conversando com seu povo
E sem ninguém esperar
Entra um burro a se espalhar
Quebrando panela e ovo.
E sai derrubando o povo
Era aquela danação
Manoel saiu de baixo
Deu na rédea um safanão
Ali naquele momento
Rolou pelo calçamento
O ginete e o peão.
Era um cigano pagão
Da vida desinformado
Confiante no revólver
Quando se achou deitado
Com a cara de pamonha
Quase morto de vergonha
Levantou-se alucinado.
«Cabra murrinha safado
- Gritou com atrevimento -
Vou lhe dar uma lição
Seu catingueiro nojento
Bicho da cara de tacho,
Se não viu cigano macho
Achou um nesse momento!»
Diz manoel com jeito lento:
«Az não vai ganhar pra duque
Aonde eu tenho sambado
Você não pega um batuque.
Valorize sua vida,
Revólver não me intimida
Nem tenho medo de muque.
Pra que não mais se machuque
Vá curar seu ferimento
Amansa burro quem sabe,
Você é quem é nojento,
Deixe logo de despeita
Porque burro não aceita
Ser manso por um jumento.
Se quer morrer caia dentro
Se quer viver vá embora
O prêmio da sorte grande
Eu estou lhe dando agora,
Se tu num tá entendendo
Pois vai morrer conhecendo
Quem é Mané Qualquer Hora.»
Cigano se desarvora
Mas recebeu chumbo quente
Manoel disse; - Coitado,
Morreu por ser inocente,
Todo metido a moderno
Quando chegar no inferno
Quer por a culpa na gente.
Logo chega um contingente
Com mais de trinta ciganos
Manoel fez o revólver
Cuspir bala pelo cano,
Cigano no chão caía,
Matou tanto nesse dia
Que Deus num salvou num ano.
Pegou seu burro cabano
Que perto estava amarrado
Comprou nova munição
Viajou preocupado
Por ter feito aquela intriga
Pensando na nova briga
Quando visse o delegado.
Naquele passo apressado
Fugindo da situação
Embrenhou-se na caatinga
Pra evitar confusão
Num final de tarde quente
Quando viu a sua frente
O bando de Lampião.
E veio a interrogação
Quem é você de onde vem
Qualquer Hora lhe responde
Sou um cidadão de bem
Vivo minha vida honrada
Não tenho medo de nada
Do senhor nem de ninguém.
Lampião disse: - Apois bem,
É pabuloso ou insano
De onde vem tão apressado
Com arma de grosso cano?
Respondeu: - Da corrutela
Onde tive uma querela
Com um magote de cigano.
Saiba que não sou insano
Como o senhor bem me pinta
Só com o trabuco de fogo
Sem tirar a faca da cinta
Por causa de um enxirido,
De um cigano atrevido
Deixei no chão mais de trinta.
Lampião disse: - Pois sinta
Que é difícil acreditar
Você vai ficar aqui
Vou mandar investigar.
Qualquer Hora disse: -Fico,
Porque não sou de fuxico
Nada me faz gaguejar.
Quem for lá vai encontrar
Tanto defunto no chão
Pelas balas que gastei
Vai faltar na região
Sabão pra lavar coreto
Para luto pano preto
E madeira pra caixão.
Depois da confirmação
Do entrevero citado
Pra fazer parte do bando
Qualquer Hora é convidado
Aceitou pra evitar
Ter que um dia prestar
Contas com o delegado.
Largamente comentado
A saga do valentão
Com sua força esquisita
Esperteza na ação
Rapidez no acordo dado
De ser mais um agregado
Ao bando de Lampião.