O ENCONTRO DE ZÉ CASO SÉRIO COM MANÉ QUALQUER HORA
Ja falei de Qualquer hora
Um caboclo do sertão
Que se meteu numa briga
E fugiu da confusão
Para não ser processado
Terminou refugiado
No bando de Lampião.
A fama de valentão
Varou o sertão a fora
Porém nunca foi bandido
E isso lhe desarvora
Tomando uma decisão
Conversou com Lampião
E resolveu ir embora.
Vamos deixar Qualquer Hora
Organizando a viagem
Pra falar de outro homem
Digno de uma reportagem
No trabalho era um amigo
Com armas era um perigo
Cheio de força e coragem.
Detestava vadiagem
Nasceu para ser valente
Nome José Caso Sério
Baiano de sangue quente
Inimigo de boatos
Gente de Horácio Matos,
Chegava até ser parente.
Arrastava pela frente
O que fosse acontecendo
Cortava a chapada inteira
Levando carga e trazendo
Não enjeitava tropeço
Deu no pé dava no preço,
Caso Sério era tremendo.
Pisar em braseiro ardendo
Correr pra pedir reforço
Tirar correia das costas
Dar surra com couro grosso
Se atracar com lobisomens
Brigar com dez doze homens
Sem fazer maior esforço.
De Itaberaba a Colosso
José marcou seu império
Brigar só, sem usar grupo
Sempre foi o seu critério
No pó, na pedra, na lama,
Por isso espalhou a fama
Como José Caso Sério.
Capoeira seu critério
Atirador de primeira
Tinha os vinte e cinco pontos
Do facão e da peixeira
Cabra de sela e cangalha
E ainda usava a navalha
No jogo da capoeira.
José não dava bandeira
Sabia se envultar
Entrava em casa fechada
Saia sem destrancar
Coragem tinha sobrando
Era mesmo indo e voltando
Na profissão de brigar.
Numa festa de arraiá
Pras bandas de Redenção
Em um forró de latada
Nasceu uma confusão
Pra comprovar sua fama
Nesse dia carne humana
Foi de comer de facão.
Tinha gente de Cação
De Lençóis, de Mucugê
Igatú, Andaraí,
Palmeira, Itaitê
De Bendegó, Quixelou,
O barulho começou
Assim, sem que nem praquê.
Da fama vinham a saber
Mas não conheciam Zé
Os valentões do lugar
Gritaram logo: - Qualé!
Tá procurando lambança?
Forasteiro aqui não dança,
Paga a cota e fica em pé.
José respondeu: - Pois é,
Eu estou em Redenção
Vou carregar de mamona
Produto da região.
Vocês que querem lambança,
Se eu não dançar ninguém dança,
Tá terminada a questão!
- Num tá terminada não,
A questão tá começada
Você não dança e apanha
Paga e fica na calçada
Num vai ficar nem na sala,
Valente aqui leva bala,
Mofino leva palmada.
- Isso é conversa fiada
Vamos falar sobre nós
Não é enfeite esta arma
Que eu carrego no cós
Deixemos de lero lero,
Eu sou José Caso Sério
Jequitibá dos Lençóis.
Alguém quis tremer a voz
Porém outro encorajou:
- Somos trinta ele está só
E não sabe aonde entrou
Este cabra só tem manha,
Hoje Caso Sério apanha
Se é que nunca apanhou.
- Tou só pois sozinho eu sou
Saibam como vou fazer
Vou matar dez aqui dentro
Sobram vinte pra correr
E completando o revés
Sangro dez e os outros dez
Vão chorar pra não morrer.
Vamos dançar e beber
Que o baile já começou
Para mim um crime a mais
Não altera o meu valor
Meu punhal tá enferrujado
Meu revólver tá calado
Faz dias que disparou.
Aí o tempo fechou
Cabeçada, perna e braço
De vez em quando o facão
Subtraía um pedaço
Cabra caído era penca
Com meia hora de encrenca
No chão só tinha bagaço.
Era grande o estardalhaço
Da sala para o terreiro
Depois saiu Caso Sério
Foi falar com um fazendeiro
Vendeu a tropa todinha
Com tudo que nela tinha
Desistiu de ser tropeiro.
Botou no bolso o dinheiro
Foi conversar com uma tia
Que era também Mãe de Santo
Para saber se devia
Subir aquelas colinas
Se aventurar em Minas
Ou enfrentar a Bahia.
Lhe respondeu sua tia
- Me causa procupação
Os búzios estão mostrando
Vai haver mais confusão
Maior do que a de outrora
Pois a sua briga agora
Será com o seu irmão.
Caso Sério disse: - Não
Porque irmão eu não tenho
Acredito na senhora
Sou bom no que desempenho
E detesto enganação
Com essa história de irmão
Aqui nunca mais eu venho.
Pois uma certeza eu tenho
Que seu irmão vai chegar
Os espíritos não me enganam
Mandam os búzios me mostrar
Creia ou não creia você
Sou obrigada a dizer,
Não você a acreditar.
Leve este patuá
Não largue esta oração
Vá a missa, se confesse,
Não esqueça a comunhão
Que ela vai lhe defender
Para você não morrer
Nem matar o seu irmão.
Zé seguiu para a estação
Foi para a fila comprar
A passagem e nem notou
Aquele homem chegar
Com a mesma pretensão
Por o matulão no chão
E atrás dele ficar.
«Passagem pra Itajubá»
Puxou do bolso a carteira
Disse: - Estranho, eu pretendo
Ir para a terra mineira
Me venda uma também
Que eu pretendo ir mais além.
José disse: - É brincadeira!
Manoel disse: - Besteira,
Eu não brinco com ninguém
Você vai pra Itajubá
Eu preciso e vou também
Não brinco nem digo loas
Vaga pra duas pessoas
Até no inferno tem.
Caso Sério diz: -Pois bem,
Se não briga me libere.
Qualquer Hora respondeu:
-Bafo de Boca não fere
Nem panela mata fome
Homem só prova que é homem
Quando outro homem confere.
Caso Sério diz: - Espere
Que eu lhe dou uma razão.
Ali os dois se travaram
No pátio da estação
Enquanto outros assistiam
Demonstraram que sabiam
Muito dessa profissão.
Caso Sério disse: - Então
Tu também sabe brincar
Mas não tendo o couro duro
Fica fácil de furar!...
Disse isso e foi pulando
Puxou o punhal mostrando
Que sabia manejar.
Manoel diz: - Não vá contar
Com nenhum vacilo meu.
Daí não contou conversa
Também arrastou o seu.
- Não tenho medo da morte
O azar combate a sorte,
Se não me matar morreu.
Manoel puxou o seu
Revólver mais enguiçou
Caso Sério atirou nele
Também não funcionou
Se atracaram novamente
Foi quando que de repente
A Mãe de Santo chegou.
Pulou no meio e gritou:
- Aqui não é cemitério
Oh, Manoel Qualquer Hora,
Este é José Caso Sério
Viveu de nós afastado
Pois seu irmão foi criado
Na região do minério.
O meu marido, Severo,
Foi um comprador de gado
Numa virada de trem
Se acabou o coitado
Era um sujeito decente
Homem bondoso e valente,
Severo Desassombrado.
Tu com um ano completado
Eu fiquei grávida de Zé
Lhe levei pra Umburana
Pra casa do Tio André
E fiquemos afastados
Por lá você foi criado
Sem saber sua mãe quem é.
Coronel Tonho Tomé
Lhe protegeu prontamente
José, levei pra Lençóis
Entreguei a outra gente
E fui viver mundo a fora
Quase chega minha hora
Sem ver vocês novamente.
O meu nome certamente
Cassimira Noberto
Mas eu virei Mãe de Santo
Sempre com a verdade perto
Assim fui criando fama
Todo mundo hoje me chama
Cassimira Rumo Certo.
Sem meu marido por perto
Piorou a situação
Quando ele morreu no trem
Fiquei sem nenhum tostão
Aí danou-se de vez,
Não pude criar vocês
Por me faltar condição.
Acabem minha aflição
Quero o perdão de vocês
Como mãe estou contando
O que o destino me fez
Seguimos por outros trilhos,
Achei melhor dar dois filhos
Do que passar fome os três.
CS - Já foi feito o que está feito
Deus abençoe a senhora
Era nossa Mãe de Santo
E passou a ser agora
Com todos os seus critérios,
Mãe de José Caso Sério
E de Manoel Qualquer Hora.
QH - Mas eu não vou cair fora
Tou mais de um mês sem brigar
Vou correndo atrás da sorte
Chego na casa do azar
Mesmo você sendo irmão
Isso não me dar razão
Do meu aço enferrujar.
CS - Pois é, irmão, vamos lá,
Mãe quer mudar de assunto
Ela e nosso pai fizeram
Máquinas de fazer defunto
Mesmo acabando a intriga
Quer continuar a briga
Ou ir comprar gado junto?
C - Podem mudar de assunto
Acabem essa batalha
Seu pai foi teimoso assim
Mas teimosia atrapalha.
Caso Sério e Qualquer Hora,
Ou vocês se abraçam agora
Ou Rumo Certo trabalha.
QH - Se a memória não me falha
Severo era o pai da gente
Essa valentia toda
Vem de cada descendente
Dessa prosa estou gostando,
Já estou me aposentando
Na profissão de valente.
CS - De criação diferente
Essa foi a nossa sina
Brigando com todo mundo
Sem a ninguém ter estima
Mano Mané Qualquer Hora,
Vamos com mamãe agora
Que ela a viver nos ensina.
Diz um provérbio da China:
É difícil a gente ver
Galho que o vento não quebre
Açude pra não encher
Juazeiro sem ter rama
Valente morrer na cama...
Mas esses dois vão morrer!
Cangaceiros, Vol. XXX