O VAQUEIRO E A JIBÓIA

Neste cordel estradeiro

Afirmo sem vaidade,

Eu não gosto de mentiras

Acho uma calamidade

Quem mente nunca tem glória.

Acredite nessa história

Que aconteceu de verdade.

Quem conta estórias invade

O terreno de um terceiro

Muitos fatos são contados

Por este chão brasileiro.

O que eu vou contar agora

É um desses causos de outrora,

Mais um «papo» de vaqueiro.

Louro Morais, boiadeiro,

Do sertão paraibano

No cariri cearense

E agreste pernambucano

Vivia pelas estradas

Por onde ia passando

Sua fama de boiadeiro

Crescia nas currutelas

No mercado era o primeiro

Em tudo se dava bem

E com mulheres ninguém

Ciscava no seu terreiro.

Certa feita um seu vaqueiro

Passando por Cajazeiras

Comprou uma bota preta

Material de primeira

Guardou com muito carinho

Pra usar pelo caminho

Nas festanças boiadeiras.

Saíram de Cajazeiras

Entraram no Ceará

No compasso da boiada

Pois teriam que levar

Uma boiada de corte

Do Rio Grande do Norte

Pro açougue em Quixadá.

À noite, antes de deitar

No relento, a céu aberto,

A cela era o travesseiro

E o par de botas bem perto

Do vaqueiro a protegendo

Qual criança defendendo

Seu brinquedo predileto.

Pra ele aquele objeto

Era uma mulher amada

Tratava-a com carinho

Estava sempre engraxada

A ninguém ele emprestava

E se nela alguém tocava

A confusão tava armada.

Numa dessas noites passadas

Ao relento, pelo chão

Ficou tudo tão escuro

Que causava assombração

Nem as estrelas piscava

E o gado se inquietava

Com tamanha escuridão.

A noite pelo sertão

É sempre assim variada

Ou é clara como um dia

Ou nela não se ver nada,

Quem com ela se envolver

Tem que ali permanecer

E esperar a alvorada.

É chegada a madrugada

Quando o vaqueiro acordou

Tateando no escuro

Uma das botas calçou

Aí surgiu um impasse:

Por mais que ele procurasse

A outra não encontrou.

E procurou, procurou,

Já foi ficando zangado

O par de botas juntinho

Ele havia colocado

E deduziu com surpresa:

Só pode ser safadeza

De algum cabra safado.

Estava do outro lado

Ele logo descobriu

Já foi enfiando o pé

Para livrá-lo do frio

E outra surpresa roxa:

A bota passou pra coxa

Pois o solado sumiu.

Pra ele o mundo caiu

Com aquele ato escabroso

De alguém que fazia tudo

Para deixá-lo nervoso

Revoltado levantou-se

E irado preparou-se

Pra pegar o presunçoso.

Cada vez mais furioso

Começou logo a gritar

Tiraram a sola da bota

Brincadeira de amrgar

E virado da cachola

Já foi sacando a pistola

Ameaçando atirar.

Com todo aquele berrar

Ali ninguém mais dormia

Aonde estava malhado

Até o gado mugia

Haja gente aparecer

Todos querendo saber

Porque tanta gritaria.

Dois ou três aparecia

Com as lanternas de lado

Seguidos do boiadeiro

E ficaram estatelados

Com caras de idiota.

No claro, o homem da bota

Estancou petrificado.

Leitor deve estar lembrado

Que este folheto inicia

Com a minha afirmação

Dizendo que não mentia.

Se há mentira no contexto

Só estou versejando o texto

Que Louro Morais dizia.

O pé que não conseguia

Nunca chegar ao solado

Não era na bota preta

Que estava sendo enfiado

Nem em botina nenhuma

E sim, na boca de uma

Grande cobra de veado.

Quero deixar registrado

Que há alguns anos atrás

A tal cobra de veado

Que hoje não se encontra mais

É a jibóia conhecida

Que anda desaparecida

Desses nossos matagais.

Pergunte a Louro Morais

Que confirma e bota fé

Nessa cobra grande e grossa

Dos sertões de Canindé.

Que, sem nenhum cambalacho,

Foi preciso quatro macho

Para arrancá-la do pé!

Coisas do Brasil, Vol. XXI

Tangendo várias boiadas

Grande equipe comandando.

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 31/01/2011
Código do texto: T2763841
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