JOÃO PESSOA, CANGACEIRO, POLÍTICO OU CORONEL?
Quando se fala em cangaço
Só se pensa em banditismo
Poucos conseguem associar
Cangaço a um idealismo
Assim como nossa história
Parece não ter memória,
Existe mais fanatismo.
Praticar socialismo
É ser contra a religião
Ser um herói ou bandido
Depende da aclamação
De quem não sabe escolher
E acaba dando poder
Para quem não tem razão.
Faço nesta narração
Um pequeno manifesto
Pessoal, mas realista
Onde deixo com meu gesto
A luz da obscuridade
Triste da sociedade
Numa espécie de protesto.
Falar mentira eu detesto
Pois a verdade é preciso
Nesse drama da política
Que deixa o povo indeciso
Com a verdade deturpada
Mas é sempre depurada
No dia do grande juizo.
Não quero dar prejuizo
À história já contada
Muito embora destorcida
E em termos protestada
Mas declaro meu intento
Levar ao conhecimento
Dos que não sabem de nada.
A Paraiba é falada
Por um crime do passado
Quando João Dantas matou
O presidente do Estado
O Dantas virou bandido
O outro, por ter morrido
Terminou sendo endeusado.
João Pessoa, o assassinado,
Está escrito nos anais
Virou ruas e avenidas
Em todas as capitais
Por este Brasil a fora
João Dantas até agora
Está no rol dos marginais.
Entre famílias rivais
João Dantas foi despontado
Advogado famoso
E um cidadão honrado
Arrastado como um cão
Foi sangrado na prisão
Junto com um seu cunhado.
Outro fato associado
E digno de cangaceiro
Foi quando João Suassuna
Que nos governou primeiro
Distante de nosso Estado
Também foi assassinado
Lá no Rio de Janeiro.
João Dantas era solteiro
Foi noivo mas não casou-se
Anayde, sua amada,
Moça de sorriso doce
Teve a vida devastada
De prostituta tachada
Por isso suicidou-se.
Melhor que isso tudo fosse
Uma briga entre famílias
Depois um pra cada lado
Seguiriam suas trilhas
Mas era mais complicado
Sendo os poderes do Estado
Disputado entre quadrilhas.
Eram várias redondilhas
Ou «currais eleitoreiros»
Cada um tinha um cacique
Cercado de cangaceiros
Que garantiam os desmandos
De quem estava nos comandos
Do mundo politiqueiro.
Um Santa Cruz em Monteiro
Dos Dantas era Teixeira
Os Queiroz em Mamanguape
Mandavam em toda ribeira
Epitácio e João Pessoa
Eram Queiroz, gente boa
Mas também politiqueira.
Da cidade de Teixeira
Foi expulso o delegado
O governo João Pessoa
Sentiu-se logo insultado
E ordenou novamente
Que o delegado tenente
Voltasse ao posto tirado.
Chega um Dantas ao Estado
Vindo do Rio de Janeiro
Por ser irmão de João Dantas
Fora feito prisioneiro
E enviado a Piancó
Para lá, no xilindró,
Ser entregue a um justiceiro.
Agindo igual cangaceiro
João Pessoa enfurecido
Mandou queimar a fazenda
Dos Dantas por seus bandidos
Na região de Teixeira
Houve uma enorme fogueira
Ficando tudo perdido.
João Dantas, mais comedido
Recomendou a seus pais
Que cobrasse na justiça
Os danos materiais
Mas esse seu proceder
Serviu para enfurecer
O governo mais e mais.
Como orientador audaz
Mandou então arrombar
O sobrado de João Dantas
Numa devassa vulgar
Sendo os móveis destruidos
E documentos perdidos
Somente pra se vingar.
No Estado Potiguar
João Dantas foi informado
Que escritos de sua noiva
Havia sido publicado
Junto com outros documentos
E mais comprometimentos
Na imprensa do Estado.
Ainda foi apedrejado
O jornal da oposição
Que entre outras consequências
Saiu de circulação
Enfim, se viu, afinal,
Cangaço na Capital
Pior do que no Sertão.
Aumentando a confusão
Difamaram uma inocente
A Anayde Beiriz
Professora competente
Por ser noiva de João Dantas
Aguentou não sei das quantas
Do «povo» do presidente.
João Dantas, com sangue quente,
Da vida perdeu o tino
Viaja para o Recife
E por força do destino
Em uma confeitaria
João Pessoa encontraria
E se torna um assassino.
Coberta de desatino
A polícia em nosso Estado
Acusou João Suassuna
Um ilustre deputado
E num ato mais injusto
Prendeu o senhor Augusto
De João Dantas um cunhado.
Com pouco tempo passado
A justiça inocentou
Augusto e João Suassuna
Só João Dantas condenou
Mas talvez por represália
Ou ação politicália
A Augusto encarcerou.
E a devassa continuou
Com Augusto degolado
João Dantas também foi morto
Quando estava encarcerado
E por ato derradeiro
Lá no Rio de Janeiro
Suassuna assassinado.
A Capital do Estado
Tão logo mudou de nome
E se chamou João Pessoa
Criando fama e renome
Perpetuando sua memória
Mas no interior da História
Vergonha ainda nos consome.
Cangaço muda de nome
Conforme a situação
Não precisa ser bandido
E andar como Lampião
Pois pelo Brasil inteiro
Ainda existe cangaceiro
De gravata e jaquetão.
Outro fato que a Nação
Não tomou conhecimento
Sobre a noiva de João Dantas
Que morreu em um convento
De prostituta tachada
Teve a vida devastada
Em ato tão violento.
Pra ela um fatal momento
Traspassada de amargura
Tirou sua própria vida
Cometendo tal loucura
Como foi solicitada
Ela foi autopsiada
E ainda era virgem pura.
Esse tipo de loucura
Não deixa de acontecer
Pois a política permite
Que o mal possa crescer
Condenando a inocência
Praticando violência
Num terrível proceder.
Lampião tentou crescer
Até ser assassinado
Che foi revolucionista
E também foi derrotado;
Resta encerrar esse tema
Dedicando este poema
Ao cangaço engravatado.
Série Cangaceiros, Vol. XXXIV