A triste história de um velho violeiro

Nessa minha vida errante

De poeta viajante

Muita gente eu conheci

Rodei o Brasil inteiro

Fui até no estrangeiro

Muita situação vivi

Uma muito me marcou

Na minha memória encravou

Que nunca mais esqueci

Numa curva do caminho

Na porta de um ranchinho

Tinha um velhinho sentado

Lhe pedi um copo d´água

Depois com uma certa mágoa

Ele falou do seu passado

Com a memória já falhando

Sua história foi contando

Num tom bem emocionado

As suas mãos calejadas

Na lida com a enxada

Já tiveram outra valia

Foi um violeiro afamado

Pelo país consagrado

O seu nome eu conhecia

Na vida já teve sorte

Mas hoje só espera a morte

Sem ninguém por companhia

Bom de moda e de verso

Criou música de sucesso

Tocou com muito parceiro

Rodou mais de vinte anos

Muitos discos, muitos planos

Por todo chão brasileiro

Mas era uma alma boa

Foi presa de gente à toa

Que sumiu com seu dinheiro

Quando a grana acabou

A sua sorte já mudou

Os amigos se mandaram

Até a sua própria gente

Sua família e os parentes

Também lhe abandonaram

Só ficou com essa roça

O rancho quase uma palhoça

Pois nada mais lhe deixaram

Nem direitos autorais

Ele recebia mais

Era a grande verdade

Pra poder sobreviver

Plantava para comer

Era a sua realidade

Mas seu tempo de bonança

Não saia da lembrança

Passou a viver de saudade

Durante um certo tempo

A viola deu alento

Disfarçou a solidão

Mas a saudade era forte

Dos tempos de melhor sorte

Machucava o coração

Por causa desse desgosto

Logo ele perdeu o gosto

Da viola largou mão

Sua viola ele encostou

Num canto da sala deixou

Em completo abandono

Com as cordas enferrujando

Sua madeira foi empenando

Feito as costas do seu dono

Pela sina envelhecido

Da vida um desiludido

Do mundo pedindo abono

Eu tentei lhe estimular

Pedi pra umas modas tocar

Dar um pouco de alegria

Mas ele já entristecido

Mostrou os dedos endurecidos

Que nem pontear mais podia

Seu olhar se fez distante

Deixei ele naquele instante

Fechado na sua agonia

Certo dia um vizinho

Encontrou aquele velhinho

Na varanda esticado

Com a sua mão estendida

Para a viola querida

Companheira do passado

Na boca tinha um sorriso

Como se fosse um aviso

Que a tristeza tinha acabado

Naquele pedaço de chão

Com a viola no caixão

Fizeram sua sepultura

No meio da roça de milho

Uma cruz de bambu dá brilho

Feito uma triste escultura

Se teve fama em vida

Se no fim foi tão sofrida

Acabou sua desventura

O lugar ainda existe

Mas não tem nada de triste

Até uma mata ali nasceu

Tem passarinhos cantando

Até uns bichos morando

Não sei o que aconteceu

Mas uma coisa me consola

O velho com sua viola

Descansa em paz onde viveu

Jesus de Burarama
Enviado por Jesus de Burarama em 11/01/2011
Código do texto: T2722620
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