PEQUENO PERFIL DO SERTANEJO.
Antes de tudo
O sertanejo é um forte
Sem a irritabilidade
Que os mestiços de porete
Que vivem nas cidades
Têm de toda sporte.
Mas à primeira vista
Revela contradição
É sem graça, desengonçado,
Abatido, sem ação,
Displicente, desanimado,
Sem coragem e decisão.
Parerce estar
Sempre fatigado
O caminhar cambaleante
E ao se encontrar parado
O vemos a todo instante
A uma parede recostado.
Reflete a preguiça
Tendência a comodidade
Até no enrolar do cigarro
Demonstra fragilidade
Esse homem bizarro
Sertanejo de verdade.
Sobre os calcanhares
E de seus os pés os dedos
De cócoras ou sentado
O sertanejo sem medo
Num equilibrio danado
Guarda um enorme segredo.
Mas toda essa aparência
Na realidade é ilusão
Nada é tão surpreendente
Como vê-lo em ação
Após qualquer incidente
Em segundos a transformação.
Aquele homem abatido
A imagem de um bobalhão
De repente se transforma
Como um raio, um clarão,
Num gigante da roça
Um Hércules do sertão.
A cabeça ergue-se
Desassombra-se o olhar
Torna-se ativo e surpreendente
Num verdadeiro piscar
E como um Titã dominante
Desaparece o tabaréu vulgar.
Não é dito popular
Mas ter sido poderia
O sertanejo ao nascer
Já pensa em montaria
Em plantar e colher
Para ser feliz um dia.
Vi um vaqueiro montado
Em seu cavalo alazão
Acompanhar morosamente
Uma boiada pelo sertão
Numa atitude indolente
Que dava até compaixão.
Desgracioso e inerte
Com a triste aparência
De inválido esmorecido
E de não ter competência
Aquele sertanejo sofrido
Sofre as consequências.
É julgado preguiçoso
Inferior e sem valor
Da Natureza aberração
Que não sabe se impor
Matuto sem condição
De um dia ser doutor.
Mas quem já o viu
Atrás de uma rês desgarrada
Que envereda matreira,
Pela caatinga fechada,
Esguia, esbelta, sorrateira,
Veloz, desgovernada.
Sente-se pequenininho
Diante daquele gigante
Que desistrir nada o fará
Nem o graveto cortante
Nem espinhos do gravatá
E nem o Sol causticante.
Não como contê-lo
Nem barrancos, nem quebradas
Nem moitas de espinhos
De alcançar a desgarrada
E lhe trazer sozinho
De volta a sua boaiada.
Seguro nas rédeas
Improvisada de caroá
O animal e seu parceiro
Entende-se com o olhar
E onde o boi passar ligeiro
Passa o cavalo e o vaqueiro.
E terminada a refrega
A rês ao rebanho incorporada
Aquele sertanejo valente
Com a face como hipnotizada
Volta àquele jeito indolente
E àquela aparência desajeitada.
É injusto e incoerente
Tratar-se com descriminação
Um homem que encara
O espantalho das sêcas no sertão
Com humildade, dignidade, amor,
Muita coragem e resignação.
É um grande paradoxo
A vida desse nosso irmão
Que sendo forte e bravio
Demonstra contradição
Mas merece todo o elegio
Muito respeito e admiração.
Baseado no livro Os Sertões.