A roupa nova do imperador

Havia um imperador

que era vaidoso demais

Só amigo do espelho

e dos seus trajes reais

No quesito elegância

não aceitava rivais

Tinha um traje garboso

pra cada hora do dia

Gastava muito dinheiro

com as roupas que vestia

Aumentar seu guarda-roupa

era sua primazia

Pra torneios ou teatro

atenção ele não dava

Por passeios ou festejos

ele não se interessava

a não ser que desfilasse

com as roupas que usava

Nunca estava no seu trono

nem reunia o conselho

Só tomava as decisões

na frente do seu espelho

Com a sua vaidade

não havia um rei parelho

Mas vamos deixar o rei

com a sua vaidade

e também os cortesãos

bajulando a majestade

pra falar dos forasteiros

que chegavam na cidade

Era o povo deste reino

de usos hospitaleiros

Sempre amistosamente

recebia os forasteiros

Mas um dia ali chegaram

dois sujeitos estradeiros

Eles afirmaram ser

cada qual um tecelão

e para fazer os trajes

da sua confecção

só teciam um tecido

de formidável padrão

Um tecido que os tolos

e orgulhosos do lugar

ou os desqualificados

pra um cargo ocupar

sua textura e cores

não podiam enxergar

- Os trajes que eles fazem

(pensou o imperador)

pra avaliar os outros

serão de grande valor

Dos tolos e inteligentes

eu serei descobridor

E até dos orgulhosos

que estão no meu reinado

Vou ver em cada função

quem não é qualificado

Mas quem merecer ficar

continua do meu lado

Convencido que o traje

teria grande valia

foi pagando adiantado

uma enorme quantia

para eles trabalharem

já naquele mesmo dia

E aqueles vigaristas

pra fazerem o tecido

pediram linha de seda

e fio de ouro comprido

mas tudo que receberam

foi por eles escondido

Porque o trabalho deles

era tudo fingimento

Num tear todo vazio

em pleno funcionamento

acionavam os pedais

simulando movimento

Os dias foram passando

e o rei já ansioso

para ver aquele traje

que o deixaria garboso

quis saber como andava

o trabalho engenhoso

- Para não correr o risco

de enviar algum bobão

vai o primeiro ministro

lá fazer a inspeção

pois ele sabe exercer

muito bem sua função

E assim foi o ministro

para ver a tecelagem

e contar ao soberano

se essa nova roupagem

estaria na altura

de sua nobre linhagem

Mas ele ficou surpreso

com o trabalho que viu

Os impostores tecendo

num tear todo vazio

com lançadeira puxando

de um novelo sem fio

E para o velho ministro

pediram os tecedores

que falasse do desenho

e das variadas cores

no tecido estupendo

do qual eram criadores

Como não estava vendo

nem as linhas nem o pano

ficou com medo que os dois

delatassem ao soberano

pois poderia perder

o seu cargo palaciano

Pra não ser questionado

sobre o seu desempenho

mentiu aos teceladores

que era lindo o desenho

e nas cores do tecido

mostravam o seu engenho

Então eles explicaram

os detalhes do tramado

com as cores muito vivas

e o desenho complicado

Da costura que faziam

pelos dois foi informado

Tudo que eles disseram

ele ouviu com atenção

depois repetiu ao rei

toda aquela explicação

pra não ser considerado

orgulhoso nem bobão

Para apressar o serviço

aqueles dois estradeiros

pediram para o monarca

mais linhas, fios e dinheiro

pelo tempo empenhando

no trabalho o dia inteiro

Atendendo ao pedido

de cada um tecelão

enviou pra oficina

outro fiel cortesão

ordenando que fizesse

uma nova inspeção

Os impostores porém

já haviam escondido

todo aquele material

que haviam recebido

pra poder continuar

o seu trabalho fingido

E aquele cortesão

não vendo tecido algum

naquele tear vazio

pensou sem pejo nenhum

que orgulhoso ou bobão

poderia até ser um

Ali um tecelador

fazendo a encenação

pegou parte do tecido

pra mostrar ao cortesão

que só viu uma agulha

e a tesoura em sua mão

Pra não ser denunciado

elogiou a costura

depois foi dizer ao rei

que sua roupa futura

seria algo sem par

em requinte e formosura

Ali o imperador

já bastante entusiasmado

também foi ver o tecido

pela corte acompanhado

e saber se o serviço

era mesmo o esperado

Chegando lá no tear

espantado viu somente

o tecido que pagou

invisível num batente

que se movia depressa

sem ter nada em cada pente

Ali o velho ministro

com o outro cortesão

que pela ordem do rei

tinham feito a inspeção

agora em sua presença

repetiram a gabação

E como o imperador

no tear não via nada

nem o pano costurado

nem o fio nem a meada

decidiu mentir também

pra sair da enrascada

Pensando que eles viam

a fazenda que não viu

para não ser acusado

também fez um elogio

sem saber que tudo ali

não passava de ardil

Ali toda a sua corte

pra não o contrariar

a fazenda invisível

que não viam no tear

suas cores e desenhos

pegou a elogiar

Aqueles teceladores

foram muito elogiados

e nos dias que seguiram

pelo serviços prestados

no salão palaciano

foram até condecorados

Foi decidido que o rei

na primeira ocasião

mostraria a roupa nova

numa grande procissão

matando a curiosidade

de cada um aldeão

E o traje ficou pronto

no dia que foi previsto

pelos cortesãos do rei

pra no desfile ser visto

pois em todo o seu reino

todos só falavam nisto

Os falsos teceladores

levaram o traje novo

para o desfile do rei

diante de todo povo

que o veria elegante

e daria o seu aprovo

- Na roupa que nós fizemos

não se vê nenhuma falha

É leve como a teia

que uma aranha faz na galha

porém com a resistência

de uma cota de malha

E pediram ao monarca

que já ficasse despido

pois com a ajuda deles

ele seria vestido

- A nossa satisfação

é ver o traje servido

E foram vestindo nele

a calça e o camisão

o colete e o casaco

e com o manto na mão

terminaram o teatro

da sua simulação

Diante do seu espelho

o monarca se mirava

A imagem refletida

sua roupa não mostrava

Mas não quis reconhecer

que a roupa não enxergava

E o mestre de cerimônias

chegou com uma mensagem

Que lá fora esperando

já estava a carruagem

onde o rei desfilaria

com sua nova roupagem

O monarca iludido

foi fazer a procissão

Sua calda os camaristas

recolheram ali do chão

carregando para ele

sem ter nada em cada mão

Nas ruas já aguardavam

os mancebos e donzelas

e o povo em geral

nas calçadas e janelas

curiosos pra saber

se as roupas eram belas

Quando o cortejo passou

com o monarca despido

ninguém quis reconhecer

que não via o tecido

e gritando exclamavam

que estava bem vestido

O monarca ia fazendo

um sucesso sem igual

As donzelas e mancebos

e o povo em geral

só faziam elogios

para seu traje real

Mas enquanto o cortejo

passava entusiasmado

um menino que estava

do seu pai acompanhado

gritou inocentemente

que o rei estava pelado

E ouvindo aquela frase

pelo menino gritada

todo aquele que estava

na janela ou na calçada

pegou a gritar também

que o rei não vestia nada

O monarca ali voltou

ao castelo envergonhado

reconhecendo que ele

tinha sido enganado

pela dupla que fugiu

com o dinheiro tomado

Foi uma grande lição

que aprendeu a majestade

Deixou de perder o tempo

com sua excentricidade

e nunca mais se vestiu

com a roupa da vaidade

FIM

Carlos Alê
Enviado por Carlos Alê em 17/12/2010
Reeditado em 06/01/2014
Código do texto: T2677734
Classificação de conteúdo: seguro
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