Os degraus da velhice ou desabafo de um idoso. * Autor: Damião Metamorfose.

*

Na janela do passado,

Vejo a minha meninice.

Hoje no clube dos “enta”

Cabelo branco e calvíce.

Vejo o meu filme passando

E vou me adaptando

Com os degraus da velhice.

*

Perdi aquela meiguice,

Que eu tinha na mocidade.

Ganhei mais experiência

Com o passar da idade.

Mas pra que sabedoria

Se eu deito com a nostalgia

E acordo com a saudade?

*

Essa saudade me invade,

Por isso a ponho em meu canto.

Para mostrar para o mundo

Que não é falso o meu pranto.

A saudade que me inspira,

Vou dedilhando na lira,

Quando me deito ou levanto.

*

Pra muitos causa espanto,

Quando me vêem a cantar.

Porem o meu canto evita,

Ficar triste e até chorar.

Cantando o tempo quimera,

Parece até que acelera

E eu nem o vejo passar.

*

Sinto a idade pesar

Na coluna cervical.

Meus passos ficando lentos,

Ao andar me sinto mal.

A velhice é tão cruel,

Que transforma o mel em fel

E proíbe açúcar e sal.

*

Eu que já fui temporal,

Forte igual uma muralha.

Hoje vivo matutando

E a memória às vezes falha.

Meu corpo está tão doido,

Que o sintoma é parecido,

Com quem carregou cangalha.

*

O meu cigarro de palha

Já não posso mais pitar.

Uma doze de cachaça

Faz mal até se eu pensar.

O meu comer é regrado,

Meu sono é atormentado,

Do deitar ao levantar.

*

Às vezes tento lembrar,

O que, quando, como, onde?

Porém tudo é tão distante,

Porque o perto se esconde.

Quando pergunto a quem passa,

Viro motivo de graça,

Mau gosto pra quem responde.

*

Nasci na era do bonde,

Cavalo, burro e jumento.

Hoje o mundo é moderno

E eu, continuo lento.

Se busco a compreensão,

Encontro a ingratidão,

Que aumenta o meu sofrimento.

*

Chamam-me de agourento,

Que eu só sei reclamar.

Sem parentes ou vizinhos...

Alguém pra desabafar.

Não encontro um ombro amigo,

Viver assim é um castigo,

Só Deus pode me ajudar.

*

Tenho direito a sonhar,

Sonhar com quem, com a dor?

O tempo me deu espinhos

Em vez de dar uma flor.

Eu sou um produto exposto,

Que ninguém olha com gosto,

Quem gosto, não dá valor.

*

Meu corpo não tem calor,

Tem frio até no verão.

A minha vista está turva

Estou perdendo a visão.

Fui predador, virei presa,

Alvo fácil e sem defesa

E quase na escuridão.

*

A saudade e solidão,

São lembrança dos amores.

Que eu vivi no passado,

Na minha estação das flores.

Flores que deixei murchar,

Secar e despetalar,

Perdendo essências e cores.

*

Aguentando os dissabores...

Pancadas de todo jeito.

Daqueles que eu mais amei

A ausência e o desrespeito.

Baixa estima e apatia...

E o coração que batia,

Agora apanha em meu peito.

*

O largo ficou estreito,

O meu passo é compassado.

Respirar é um suspiro,

Falar é um resmungado.

O grave agora é o rouco,

O meu muito é só um pouco,

Em tudo estou moderado.

*

Sinto o meu corpo cansado

A mente um pouco confusa.

Tudo o que eu vou usar

É démodé, ninguém usa.

Não sei mais o que fazer,

Pois até meu bem querer,

Minha proposta recusa.

*

Não tem remédio que induza,

A minha inquietação.

Descansar já não resolve,

Meu cansaço ou exaustão.

Tenho total liberdade,

Mas o peso da idade,

Mantêm-me nessa prisão.

*

Já tive disposição

E nunca escolhi trabalho.

Hoje depois de cansado,

Só sirvo pra quebrar galho.

Mesmo assim quando me chamam,

Não pagam e ainda reclamam,

Dizendo: que eu atrapalho.

*

Nem para jogar baralho,

Eu acerto uma cartada.

Também já não me convidam

Para nada ou quase nada.

Tento mostrar que sou forte,

Mas ouço o riso da morte,

Meu sério virou piada.

*

Minha carcaça cansada,

Repousa, mas não descansa.

Meus hábitos são parecidos,

Aos mesmos quando criança.

Pena que falta energia,

Paciência e alegria,

Boa forma e confiança...

*

Ainda tenho a esperança,

Acesa dentro de mim.

Esperança nunca acaba

E brota feito um jardim.

Ela é minha companheira,

Minha amiga verdadeira,

Seja em tempo bom e ruim.

*

Se eu sou feliz assim?

Claro que sim, sou feliz.

Apesar dos empecilhos

E a saúde por um triz.

Sou feliz feito um menino,

Não reclamo do destino,

Sou dono do meu nariz.

*

Vou ser sempre um aprendiz,

Enquanto a vida pulsar,

Dentro do meu velho peito,

Que apanha sem reclamar.

Enquanto eu tiver memória,

Vou fazendo a minha Historia,

Não sei o que é recuar.

*

Eu não posso aposentar

Os meus hábitos saudáveis.

Apesar de que uns deles...

Já não são lá tão viáveis.

Eu vou me exercitando

Como posso, me alongando

Das formas mais confortáveis.

*

Não sou desses miseráveis,

Que se entregam ao fracasso.

E arregam feito covardes,

Em qualquer queda de braço.

Enquanto eu tiver sustento,

Mesmo cansado eu enfrento,

Até mesmo o meu cansaço.

*

O meu corpo em estilhaço,

Já dói do pé a cabeça.

Minha face mudou tanto,

Parece está à avessa.

Nem precisa de esforço,

Para sentir que o dorso,

Tenha câimbra e enrijeça

*

Antes que tudo enfraqueça,

Quero deixar registrado.

Minha passagem na terra,

Para depois ser lembrado.

Como um bravo lutador,

Que soube ser condutor,

Simples honesto e ousado

*

Tenho que viver sedado

Para sair desse tédio.

Porém o que ganho é pouco

Para comprar o remédio.

Por não ser remediado

Eu vivo mais irritado

Do que sindico de prédio.

*

Preciso de intermédio,

Mas continuo a sonhar.

Não vou desistir da vida

E enquanto eu respirar.

Serei sempre um lutador

E se não fui vencedor

Ao menos ousei lutar...

*

Agora vou encerrar

Meu desabafo saudoso.

E tentar dar mais um passo

Nesse caminho rochoso.

O pouco que aqui eu disse:

São os degraus da velhice

Desabafo de um idoso.

*

Fim.

Damião Metamorfose
Enviado por Damião Metamorfose em 01/11/2010
Código do texto: T2591345
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