Estória de uma caçada num baixão da Feitoria ( Repente em Sextilha )
Amigo preste atenção
No que eu vou lhe dizer,
Verso a verso vou contar,
O atrevido que fui...
O cão sempre a futucar,
Com a vara curta do Rui.
Um dia pelo baixão,
Na feitoria a caçar,
Corre aqui, corre acolá,
Vi um bicho se mexer,
Era de vinte metro a cobra,
Eu disse vou essa comer!
A bicha olhou pra mim,
Com o olhar muito voraz...
Querendo dizer com isso,
Que era muito sagaz...
E se com ela eu bulisse,
Me botava logo pra traz!
Eu com minha espingarda,
Bem velha e enferrujada,
Olhei logo de rabo de ôi,
E disse: Espera, danada,
Te espremo como um piôi,
E hoje te como assada!
Fiquei bem atrás dela...
Esperando boa ocasião,
Que ela se descuidasse,
Para passar-lhe o facão,
Ou ficando assim no ponto
De um tiro no coração!
Com isso ela se mexeu,
Eu disse: Já vai correr?
Não faça essa covardia,
Espere para morrer...
Pois hoje chegou o dia,
De sua carne eu comer!
Andou cinco metro e espirrou,
Saiu fogo, fumaça e carvão...
Eu disse: Nossa Senhora,
Não é cobra, isso é dragão!
Com certeza, nessa hora,
Quase morro do coração.
Mas mesmo assim enfrentei,
Carreguei a espingarda...
Com medo eu não fiquei,
Só meio desajeitado
E por São Jorge gritei,
Querendo ser ajudado!
A ajuda logo recebi,
Naquele instante ligeiro,
Surgiu de onde não sei,
Um cabra muito valente,
Que valor a ele não dei,
Pois era feio e sem dente!
Mas olhou pra mim e disse:
Vai matar a bicha ou num vai?
Se não vai me diga logo
E deixe que acabo com isso,
Traga a lenha e acenda o fogo
Que agora eu faço o serviço!
Pensei somente comigo, então
O cabôco é disposto e bom...
Mas enganado eu estava,
Quando olhei, vi logo o tom...
Pois numa perna pulava!
Era o Manezin da Otava.
Não disse nada, mas vi,
Que ele de nada servia,
E deixei o desgraçado,
Que com a cobra bulia...
Ser logo abocanhado,
Com a sua valentia!
Nessa hora a perspicaz
Serpente se remexia...
Deu-lhe dor de barriga,
Que o diacho do Manezin,
De um peido já saía...
Gritando por virgem Maria!
E olhando vi um sujeito,
Baixote e também engraçado,
Dizendo alto, eu já vi tudo,
Não fique tão preocupado,
Quero ficar surdo e mudo,
Se a bicha eu num matar deitado!
Fique quieto e só reparando,
O que é que eu vou fazer...
Não é nada de muito ruim,
Só quero vê ela morrer,
Torcendo-lhe o fucim,
Ou não sou mais Dedezin!
Nisso dizendo o tal,
Foi para frente da bicha,
Fungando e fazendo careta,
Enraivecendo mais a dita,
Que não tinha como meta...
Mas fez dele logo marmita!
No entanto como ele gostava,
De um torrado carregar...
Pela goela da tal derramava,
Quando ia sendo engolido,
Que ligeiro e envolvido...
Pelo nariz foi espirrado!
Saiu benzendo e gritando,
Dessa enfim saí em paz,
Vou disso me exemplando...
Foi falando que corre e já traz
Outros que são mais capaz
E jurou não mentir nunca mais!
Chegaram três moços iguais,
Dizendo cada um deles
Não fugimos disso jamais!
Pegamos foi uma onça,
Cada um por uma perna...
E deixamos só os traçai!
Mas moço, por santo Onofre,
Disse eu já bem chateado,
A cobra está zangada...
Vejam só se isso é hora
De istória de onça contar,
Se já há tempos foi passada!
Cumpadi, essa cobrinha
Não passa de uma minhoca!
Vou pegá-la pelo rabo,
E quebrar-lhe toda a espinha,
Ah, hoje mesmo me acabo,
De comê-la com farinha!
Isso disse um véi galego,
De nome Chico Vaqueiro,
Mas a maldita já o olhava,
Dizendo vem cá meu nêgo...
Que com a raiva que eu tô,
Agora lhe ingulo inteiro!
Os três ficaram a olhar,
Esse que não estava na conta,
Mas foi chegando e ligeiro...
Ninguém lhe deu confiança,
E no acontecido todo...
Rápida se foi a esperança!
Ainda apareceu por lá,
Sem que ninguém percebesse,
Um senhor de nome Jesuíno,
Dizendo se merecesse mesmo
Essa graça de Jesus, ele a matava
Pelo poder da divina santa cruz!
Fiquei olhando e disse:
Agora mesmo vou ver!
Se o preto tem mesmo fé,
A grande cobra vai morrer...
Ou mais istória vai ter
E o nêgo véi vira café!
Mas foi mesmo como pensei,
Os três ficaram de lado,
O cabra foi devorado,
Chamando pelo Geová,
Que estava na ocasião
Na casa do prefeito Chicão!
Um moreno, Manoel Pandeiro,
Que era o mais afobado...
Com um facão de um metro,
Andando meio ligeiro,
Fungava assim e budejava,
Que nem bode, pai de chiqueiro!
Disse: meu amigo Abel,
Venha aqui com sua careca,
Não trema muito, meu irmão,
Veja se não desmunheca...
Não vá fazer que nem o Armandão,
Que já sujou toda a cueca!
Mané Pandeiro veja bem,
Para mim não interessa,
Nem o sexo desse animal...
A istória é que não cessa,
E se não chegar logo ao final,
Vou virar só o mingau!
Cione pulou de lado...
Disse: Não pode assim!
Já não fico mais calado,
Resolvo essa questão...
E se o rifle ta entalado,
Mato a cobra com o canhão!
A infernal situação,
Tornando-se enfadonha,
Para a malvada e pra mim,
Naquela luta medonha...
Falei firme e baixim,
Arreda daí, seus pamonha!
Finalmente fiquei só...
Lutei e a tal já enfadada,
Disse-me: Eu tenho até dó!
Pois eu nova e fogosa...
Só quem em mim dá um nó,
É um tal Luiz Dicosa!
Fui então chamar o sujeito!
Caminhei quase dez léguas,
Pra na volta a bicha encontrar,
E achando eu disse logo: Égua,
O serviço será bem feito...
O Luiz Dicosa vai te matar!
O cabôco olhou de lado,
Fez um risco no chão...
Dizendo-se iluminado,
Pela força de Sansão!
Hoje aqui nesse roçado,
Nós vamos comer dragão!
Quando olhamos com espanto,
E sentimento de pesar...
A tal cretina de medo,
Ajoelhada ali a rezar...
Já foi contando o segredo,
Para o seu côro espichar!
Quando pensamos que não,
Ouvimos foi um barulhão...
Eu disse: Luiz Dicosa,
Será que isso é trovão?
Ele respondeu: Deixe de prosa,
Não está vendo no chão?
Pois era mesmo a tal,
Que ali estava a dar,
O seu último suspiro,
Sem mais poder levantar...
E nós amolando a faca,
Para o seu coro tirar!
Eu disse: Luisão me conte,
Qual é o segredo que tens,
Pois atrás daquele monte
Sempre pode haver também...
E tenho que ir naquela fonte,
Buscar água pro meu bem!
Ele disse: Camilo não tem
Comigo segredo nenhum...
A cobra tava enfezada,
Como engoliu mais de um,
De congestão a coitada,
Esticou a ossada e os tucum!
Assim finda a istória,
Agora vou ficar quieto,
Refrescando a memória,
Pois eu sou Camilo Neto,
Se futucar vai ter mais...
Que não fica ninguém perto!
* São Paulo - SP - 1990