LAÇOS DE SANGUE
Acaricia co'afeto
a barriga, o filho em feto,
sonha que desbravará
terras as quais reinará,
muitas e muitas vitórias,
todo cercado de glórias,
corcel, leão, sol, o tal,
forte, herói, fundamental!
Com muita dor e aflição,
pare um belo varão.
Oh, mas que triste destino!
Falta a perna no menino!
Sente que tochas de fogo
destroem todo o seu jogo!
E o filho fundamental?
Poderoso, o sol, o tal?
E vai, secreta, ao berçário,
em oportuno horário,
troca por outro perfeito,
lindo, sem nenhum defeito,
tal anjo por céu enviado,
o seu menino aleijado.
Locomotiva apressada
do tempo, desgovernada...
Arranca em força tamanha
de sua seca entranha
demonstrações de amor,
carinho, afeição, candor
pelo seu filho inexato,
mas o verdadeiro fato
é que jamais se esqueceu
do enjeitado filho seu.
Arde nos dias infindos,
nos chuvosos e nos lindos,
a forte febre, o remorso,
ao crescer do filho falso,
líder valente e temido,
um sanguinário bandido.
Um ladrão, estuprador,
traficante, matador.
Perigoso marginal,
rasga, não poupa rival!
Vidas de mãe e de filho
sempre à mira de gatilho.
Roubos, estupros, chacinas,
drogas pesadas, morfinas.
E protege a falsa cria
que a faz chorar todo dia.
Mas com notável perícia
chega outra vez a polícia,
surpreendendo seu filho
que no momento do tiro,
agarra a mãe com pavor.
Ela delira de dor
e cai ao chão a gritar,
leva o tiro em seu lugar!
Ao som alto da sirene,
com sangue a jorrar perene,
bem fraca e desvanecida.
No hospital, desfalecida,
conta com a caridade
de um cirurgião da cidade.
Ficando entre vida e morte,
vive por golpe de sorte!
Sobre o leito, sonolenta,
fita o doutor, bem atenta.
Ele se apoia em muletas,
não tem a perna direita.
Vê-se jovem e menina
no rosto que a examina.
A vida volta a ter brilho,
pois ela encontra seu filho.