Remanso...
1.
Vi com meus olhos de morte
A terra seca e agredida,
Caatinga sem rumo ou norte,
Animal perdendo a vida...
O povo valente e forte,
No instante da despedida,
No cacto alimenta a sorte,
Nos pés, somente ferida...
A terra inóspita queima,
Em brasa, o chão enlouquece,
Na sombra um cachorro teima
Viver enquanto padece...
- Moça vende guloseima:
Tangerina que apodrece...
2.
Vi com meus olhos sem graça
Dos arbustos a magreza,
Do bode a dura trapaça,
No solo agreste a tristeza...
Vi a terra aberta na raça,
E o poder da natureza,
Gado virando carcaça,
Pasto seco e sem beleza...
Vi o sol queimando o capim
Sem piedade ou lamento,
“Urubu cagando em mim”,
Poeira amansando o vento...
- Moça vestida em cetim
À espera de um casamento...
3.
Sertão sem começo ou fim,
Repleto de vida e amor,
Tem dó, tem pena de mim,
Pobre e cansado escritor...
Teu ventre cheira a jasmim,
Tua casca é feita de dor,
Quem vive aqui só diz sim:
Espinho agudo sem flor...
Teu povo sabe enfrentar
Com fé e paixão teu lamento,
Terra que sonha com mar,
Sol causador de tormento...
- Moça tentando encontrar
Cura para o sofrimento...
4.
Em volta tudo é sertão:
Grandeza e desesperança,
Tatu perfurando o chão,
Bode pesado em balança...
Pedra calejando a mão,
Árvore que não balança,
Céu produzindo ilusão
No rosto de uma criança...
Vi com meus olhos molhados
Secura, vazio e tristeza,
Animais desenganados,
Muito rio sem correnteza...
- Moça triste e olhar cansado
Vendo na terra beleza...
5.
Vi com meus olhos de luz
A terra sofrida e agreste,
O peso e a marca da cruz
Aonde o governo não investe...
“O sertão a nada conduz”,
“Governo filho da peste”,
Aqui só mesmo Jesus,
Canta o povo do nordeste...
Esta terra castigada,
De vida repleta e farta,
Gera tudo e gera nada,
De uma vaca a uma lagarta...
- Moça agora abandonada
Que chora, lamenta e enfarta...
6.
Sertão de cabra valente,
Terra de gente sem medo,
Quem vive aqui sofre e sente:
Não faz da vida brinquedo...
Na alma carrega a semente
Que cresce como um segredo,
Flor que alimenta somente
Seu coração de lajedo...
Hoje sei do teu destino,
Da falta que a chuva faz,
Do teu triste desatino
Não consigo dizer mais...
- Moça que abraça o menino:
Sonhando na orla, no cais...
7.
O sol de manhã já esquenta
Do homem seu vago horizonte,
A alma se cansa mais tenta
Ultrapassar serra e monte...
A árvore seca não agüenta
E sofre aos pés de uma fonte,
Secura atroz e opulenta:
Poeira em baixo da ponte...
O chão parece ferver
No início da noite triste,
Terra que enfim quer gemer
Pro homem que nunca desiste...
- Moça que agora quer ser
Vida que sofre e resiste...
8.
Sertão cujo nome é Esfinge;
Sertão cuja vida é atroz,
Sertão que assusta e não finge;
Terra gemendo sem voz...
Sinto na minha laringe
A sede dura e feroz,
Se a dor do sertão me atinge
Sofro nas mãos de um algoz...
Enigma não decifrado,
Caatinga aberta e sofrida,
Sertão que sofre calado,
Terra alimentando a vida...
- Moça do corpo quebrado,
Alma valente e aguerrida...
9.
Favela que a tudo assiste
Anoréxica e calada,
O povo que ali subsiste
Mesmo sem rumo ou estrada...
O pássaro come o alpiste
Enquanto a noite, calada,
Encobre a fome que insiste
Fazer de alguém simples nada...
Caminho e só acho Favela,
Mandacaru, Sucupira,
Meu olhar não compõe outra tela,
Sertão que ao meu verso inspira...
- Moça que acende uma vela,
Terra que trama e conspira...
10.
Vi com meus olhos de mar
A imensidão da barragem,
Água sem nome e sem lar,
Para caatinga, miragem...
Deserto de água a inundar
Sonhos de quem tem coragem,
Secura em todo lugar
O agreste é voz sem linguagem...
Ali submersa, a cidade,
Esquecida e abandonada,
Espera na eternidade
Ser na história resgatada...
- Moça que sente saudade
Do tempo que ainda era amada...
11.
Na cidade de Remanso
Tudo é paz, contentamento,
O povo é tranqüilo, é manso,
Filho de outro sofrimento...
Para ela canto e não canso,
Nela passo como um vento,
Do cais, feito ave eu me lanço,
Na paz do teu desencanto...
Vivendo o mundo dali,
Como alguém que veio do mar,
Calado e quieto senti
No peito o sangue a jorrar...
- Moça singela que eu vi
Sentada e calma a chorar...
12.
Remanso é oásis de vida
Entre dois grandes desertos:
A caatinga indefinida,
E o lago dos desacertos...
No centro a vida sofrida
Sonhando com seus acertos,
Gente buscando guarida
Na alma de seres incertos...
Oásis bem guardadinho,
Caatinga seca e cruel,
Barragem de sobradinho:
Desertos feitos de fel...
- Moça que produz bom vinho,
Leite com sabor de mel...
13.
Vi uma cidade submersa
Com meus olhos de poeta,
Caixa d’água toda imersa
Numa saudade incompleta...
"Um barco branco atravessa
O lago de alma repleta,
Gente que sofre e não versa:
A dor da enchente é completa..."
A velha cidade está
Debaixo das águas quentes,
Dela só resta o cantar,
Nos olhos da pobre gente...
- Moça que espera encontrar
O amor numa água corrente...
14.
Vi com meus olhos tristonhos
Cactos perfurando o dia,
Vales terríveis, medonhos,
Gerando em mim nostalgia...
Casa sem porta, sem sonhos,
Reino de pura agonia,
Seus caminhos são enfadonhos,
Mas plenos de poesia...
Céu todo azul sem miragem,
Deserto cinza e esquelético,
Triste e inóspita paisagem,
Teatro vazio e estético...
- Moça que inspira a linguagem
No meu Remanso poético...
Este trabalho é fruto de uma viagem que fiz até a cidade de Remanso, no norte da Bahia, neste último final de semana. Foram dois mil quilômentros de ida e volta de Itabuna até Remanso... Foi a minha primeira visita ao sertão...as imagens me deixaram impressionado...estes poemas são dedicados ao Povo acolhedor, simpático e extremamente hospitaleiro, da cidade de Remanso...
1.
Vi com meus olhos de morte
A terra seca e agredida,
Caatinga sem rumo ou norte,
Animal perdendo a vida...
O povo valente e forte,
No instante da despedida,
No cacto alimenta a sorte,
Nos pés, somente ferida...
A terra inóspita queima,
Em brasa, o chão enlouquece,
Na sombra um cachorro teima
Viver enquanto padece...
- Moça vende guloseima:
Tangerina que apodrece...
2.
Vi com meus olhos sem graça
Dos arbustos a magreza,
Do bode a dura trapaça,
No solo agreste a tristeza...
Vi a terra aberta na raça,
E o poder da natureza,
Gado virando carcaça,
Pasto seco e sem beleza...
Vi o sol queimando o capim
Sem piedade ou lamento,
“Urubu cagando em mim”,
Poeira amansando o vento...
- Moça vestida em cetim
À espera de um casamento...
3.
Sertão sem começo ou fim,
Repleto de vida e amor,
Tem dó, tem pena de mim,
Pobre e cansado escritor...
Teu ventre cheira a jasmim,
Tua casca é feita de dor,
Quem vive aqui só diz sim:
Espinho agudo sem flor...
Teu povo sabe enfrentar
Com fé e paixão teu lamento,
Terra que sonha com mar,
Sol causador de tormento...
- Moça tentando encontrar
Cura para o sofrimento...
4.
Em volta tudo é sertão:
Grandeza e desesperança,
Tatu perfurando o chão,
Bode pesado em balança...
Pedra calejando a mão,
Árvore que não balança,
Céu produzindo ilusão
No rosto de uma criança...
Vi com meus olhos molhados
Secura, vazio e tristeza,
Animais desenganados,
Muito rio sem correnteza...
- Moça triste e olhar cansado
Vendo na terra beleza...
5.
Vi com meus olhos de luz
A terra sofrida e agreste,
O peso e a marca da cruz
Aonde o governo não investe...
“O sertão a nada conduz”,
“Governo filho da peste”,
Aqui só mesmo Jesus,
Canta o povo do nordeste...
Esta terra castigada,
De vida repleta e farta,
Gera tudo e gera nada,
De uma vaca a uma lagarta...
- Moça agora abandonada
Que chora, lamenta e enfarta...
6.
Sertão de cabra valente,
Terra de gente sem medo,
Quem vive aqui sofre e sente:
Não faz da vida brinquedo...
Na alma carrega a semente
Que cresce como um segredo,
Flor que alimenta somente
Seu coração de lajedo...
Hoje sei do teu destino,
Da falta que a chuva faz,
Do teu triste desatino
Não consigo dizer mais...
- Moça que abraça o menino:
Sonhando na orla, no cais...
7.
O sol de manhã já esquenta
Do homem seu vago horizonte,
A alma se cansa mais tenta
Ultrapassar serra e monte...
A árvore seca não agüenta
E sofre aos pés de uma fonte,
Secura atroz e opulenta:
Poeira em baixo da ponte...
O chão parece ferver
No início da noite triste,
Terra que enfim quer gemer
Pro homem que nunca desiste...
- Moça que agora quer ser
Vida que sofre e resiste...
8.
Sertão cujo nome é Esfinge;
Sertão cuja vida é atroz,
Sertão que assusta e não finge;
Terra gemendo sem voz...
Sinto na minha laringe
A sede dura e feroz,
Se a dor do sertão me atinge
Sofro nas mãos de um algoz...
Enigma não decifrado,
Caatinga aberta e sofrida,
Sertão que sofre calado,
Terra alimentando a vida...
- Moça do corpo quebrado,
Alma valente e aguerrida...
9.
Favela que a tudo assiste
Anoréxica e calada,
O povo que ali subsiste
Mesmo sem rumo ou estrada...
O pássaro come o alpiste
Enquanto a noite, calada,
Encobre a fome que insiste
Fazer de alguém simples nada...
Caminho e só acho Favela,
Mandacaru, Sucupira,
Meu olhar não compõe outra tela,
Sertão que ao meu verso inspira...
- Moça que acende uma vela,
Terra que trama e conspira...
10.
Vi com meus olhos de mar
A imensidão da barragem,
Água sem nome e sem lar,
Para caatinga, miragem...
Deserto de água a inundar
Sonhos de quem tem coragem,
Secura em todo lugar
O agreste é voz sem linguagem...
Ali submersa, a cidade,
Esquecida e abandonada,
Espera na eternidade
Ser na história resgatada...
- Moça que sente saudade
Do tempo que ainda era amada...
11.
Na cidade de Remanso
Tudo é paz, contentamento,
O povo é tranqüilo, é manso,
Filho de outro sofrimento...
Para ela canto e não canso,
Nela passo como um vento,
Do cais, feito ave eu me lanço,
Na paz do teu desencanto...
Vivendo o mundo dali,
Como alguém que veio do mar,
Calado e quieto senti
No peito o sangue a jorrar...
- Moça singela que eu vi
Sentada e calma a chorar...
12.
Remanso é oásis de vida
Entre dois grandes desertos:
A caatinga indefinida,
E o lago dos desacertos...
No centro a vida sofrida
Sonhando com seus acertos,
Gente buscando guarida
Na alma de seres incertos...
Oásis bem guardadinho,
Caatinga seca e cruel,
Barragem de sobradinho:
Desertos feitos de fel...
- Moça que produz bom vinho,
Leite com sabor de mel...
13.
Vi uma cidade submersa
Com meus olhos de poeta,
Caixa d’água toda imersa
Numa saudade incompleta...
"Um barco branco atravessa
O lago de alma repleta,
Gente que sofre e não versa:
A dor da enchente é completa..."
A velha cidade está
Debaixo das águas quentes,
Dela só resta o cantar,
Nos olhos da pobre gente...
- Moça que espera encontrar
O amor numa água corrente...
14.
Vi com meus olhos tristonhos
Cactos perfurando o dia,
Vales terríveis, medonhos,
Gerando em mim nostalgia...
Casa sem porta, sem sonhos,
Reino de pura agonia,
Seus caminhos são enfadonhos,
Mas plenos de poesia...
Céu todo azul sem miragem,
Deserto cinza e esquelético,
Triste e inóspita paisagem,
Teatro vazio e estético...
- Moça que inspira a linguagem
No meu Remanso poético...
Este trabalho é fruto de uma viagem que fiz até a cidade de Remanso, no norte da Bahia, neste último final de semana. Foram dois mil quilômentros de ida e volta de Itabuna até Remanso... Foi a minha primeira visita ao sertão...as imagens me deixaram impressionado...estes poemas são dedicados ao Povo acolhedor, simpático e extremamente hospitaleiro, da cidade de Remanso...