Amadis de Gaula - Aventuras Brasileiras em Cordel (Parte 1 de 4)
RIMANCE I
De como Amadis nasceu, criou-se, fez-se donzel, tornou-se cavaleiro do reino Del Avelós, na corte de El-Rei Dom Lisuarte del Fado, e matou Endriago, a gigantesca serpente.
Salve Deus, Nosso Senhor,
E seu filho Jesus Cristo,
Pastor de ovelhas perdidas
Pelas quais inda é bem quisto.
Senhor de nós, os humanos,
Que sabem muito bem disto.
Eu vou narrar uma história
De tempos belos, distantes.
Verseja por mim mudada
Em relação à dos de antes
Uma versão brasileira
Para os mais novos infantes.
Essa história foi contada
Nas épocas medievais
Suas linhas vêm de Espanha
Ou de Portugal no mais
Sobre o gentil Amadis,
Cavaleiro de ordens tais.
Nas terras tupiniquins
Conhecidas por Brasil
De tantos e tantos reinos
De bandeira varonil
Decoradas por brasões
E de cavaleiros mil,
Dois jovens apaixonados
Amavam-se num segredo,
Seus pais eram inimigos
Mas mesmo com grande medo,
O casal tinha o amor
Que não era só brinquedo.
E todos os dias eles
Se encontravam na floresta
Matavam toda saudade,
Dor que a noite sempre presta,
Mas o dia com ternura
Sua luz ligeiro empresta.
Perión, o rapaz,
Elisena era a menina
Muitos dias se gostaram
Junto ao mel que se refina
Até que seus pais souberam
Provocando dura sina.
Com medo de tudo aquilo,
Os jovens fugir quiseram.
Planejaram fuga brusca
Nas semanas que vieram
Pois uma nova esperança
Os seus corações tiveram.
Elisena estava grávida
De poucos meses então.
Diante de tal intriga,
Não haveria perdão.
Perión reuniu seus dotes
E levou seu coração.
O rapaz triste ficou
Por um reino ter deixado.
Afinal seria rei
Mas seguiu novo rumado
Elisena preocupou-se
Com aquele fato dado.
Ela contou ao marido
Aquela cruel tristeza.
Lamentou pelo rapaz
Haver perdido a realeza.
Ele, repleto de amor,
Jurou a ela nobreza:
“- Elisena, minha amada,
Seu amor é meu querer,
Se o meu reino viu partida
É que não era pra ser.
Pois meu verdadeiro reino
É ao seu lado viver.”
A moça ouvindo tais versos
Abraçou seu bom rapaz
Ambos juraram amor
Ao futuro que se faz
Porém tais dias felizes
Não construíram a paz.
Pois o pai de Perión
Mandou procurá-lo em cada
Palmo de terra valida
E por onde há estrada.
Os senhores de Elisena
Também fizeram caçada.
Poucos dias adiante
Da criança ter nascido
As guardas reais acharam
O casal desprotegido
Com medo da morte dela
Seu destino foi temido.
Correndo pelas estradas
O casal se viu coitado
Os cavaleiros já tinham
Os seus pés bem alcançado
Quando no meio da mata
Alguém prestou cuidado.
Era um nobre cavaleiro
De Perión, um amigo.
Conhecido por Gandales,
Cuja força vai consigo.
A criança lhe foi dada
E ganhou um novo abrigo.
Perión e Elisena
Dali desapareceram.
Eles não mais foram vistos
E os reinos lhes esqueceram.
Nunca souberam do filho,
Cujos anos esconderam.
A criança tinha um nome;
Era chamada Amadis.
Seu nome está nas espadas,
Nas folhas da flor-de-lis
Sua lança e seu cavalo
Criam o que a lenda diz.
O menino foi crescendo
Com o dito cavaleiro,
Aprendendo matemática
E das flores o seu cheiro,
Conhecendo a honestidade,
Literatura e o moedeiro.
Gandales seu reino então
Preferiu abandonar.
Quis honrar o seu amigo
Que deu seu filho a cuidar.
Logo encontrou outro reino
Para poder trabalhar.
Eles se mudaram para
O reino Del Avelós.
Lá, Amadis cresceria
Como uma águia veloz.
Um menino saliente
Sem da vida ter algoz.
Quando Amadis completou
Doze anos de vida, viu
Uma mui linda senhora
Que para ele sorriu
Sua risada dotava
A alegria que sentiu.
Esta mulher se chamava
Urganda, uma feiticeira.
Disse que sempre estaria
Com Amadis por inteira,
Protegendo-o dos perigos
Pois a vida é traiçoeira.
Ela disse que o menino
Teria nobre missão:
Unir dois reinos imigos
Com a fé no coração.
Clamaria por justiça
Com sua espada na mão.
Amadis ficou imóvel
Pensando no seu destino,
Ao voltar pra sua casa
Falou sobre o desatino.
Gandales pressentiu grandes
Aventuras pro menino.
Dessa forma o cavaleiro
Decidiu aprimorar
Os treinamentos de espada
Para Amadis salutar,
Pois o senhor já sabia
O que a vida iria dar.
Todos os dias traziam
Treinamentos e virtude,
O menino os aprendia
Com louvor e plenitude
Cedo também aprendeu
A dedilhar alaúde.
Naquela idade Amadis
Apresentava-se ao povo.
Eram toadas, cantigas
E galopes por de novo.
O menino era alegria
Nos aplausos de seu povo.
Sua fama era tamanha
Que um dia foi convidado
A conhecer o seu rei,
Dom Lisuarte Del Fado,
Senhor de Del Avelós
E São José do Condado.
Naquela manhã de sol
Amadis foi ao castelo
Junto com Gandales e
Um alaúde muito belo.
As pessoas do lugar
Davam sorriso singelo.
Amadis foi conduzido
A um enorme salão.
Ao entrar logo avistou
O rei no seu cadeirão
Mas uma pessoa deu-lhe
A vontade da atenção.
Ela tinha a mesma idade
Do menino-trovador
O seu nome era Oriana,
A jovem menina em flor,
Seus olhares se cruzaram
Profetizando o amor.
A pedido do seu rei
Amadis cantarolou
O Pavão Misterioso
Que Dom Camelo cantou.
Logo surgiram aplausos
Para quem os recitou.
Depois da apresentação
Dom Lisuarte regeu
Um lindo discurso ao bardo
Que bem ali se valeu
E disse o rei mui feliz
Diante do povo seu:
“- Nobre menino-poeta,
Muito gostei do seu canto.
Pois seu talento e teatro
Fazem-me feliz um tanto.
Peça-me o que bem quiser
Que darei sem ter espanto.”
Ouvindo essas tais palavras
Com seus olhos nos da bela,
Amadis sem vacilar
Sequer ousou piscadela,
E disse muito ligeiro:
“- Quero me casar com ela!”
Todos no salão se deram
A rir do menino então.
O rei tão bem-humorado
Disse sem ter presunção:
“- Menino, já pensa nisso?
Sequer você tem brasão...”
Amadis mais Oriana
Não entenderam o dito.
Então alguém lhes falou
Sobre o aviso maldito:
Oriana casaria
Com um príncipe bendito.
O coração de Amadis
Partiu-se naquela hora.
Oriana só sentiu
Seu amado ir embora
Seus olhares se partiram
Como a noite e a aurora.
Mais tarde já no seu quarto
Amadis lamentou sorte.
Gandales disse: “- Haja calma
Há de se tomar um norte.”
Porém não disse ao menino
Sobre seu passado forte.
E passaram-se alguns anos
Amadis logo cresceu.
De donzel tornou-se um bravo
Dum cavaleiro plebeu.
“Amadis, o rapazito”
Alguém assim escreveu.
Muitos cavaleiros foram
Ao castelo num tal dia,
Pois o rei Dom Lisuarte
Naquela manhã iria
Nomear o já rapaz
Cruzado da freguesia.
Quando Amadis se chegou
Àquele salão nobre
Logo recordou da vez
Que entrou como um rapaz pobre
Já que naquela manhã
Vestir-se-ia de cobre.
O rei estendeu a mão,
Amadis se ajoelhou.
Lisuarte com espada
O cruzado nomeou
Então o senhor do reino
Para o rapaz perguntou:
“- Como queres ser chamado
Nobre cruzado Amadis?”
“- Eu quero ser conhecido
Pelo meu nome Amadis.
Minha lança e meu escudo
Levarão a flor-de-lis.”
Algum dos nobres chegou-se
E retrucou aparente:
“- Por que queres conduzir
Símbolo tão diferente,
Já que um cavaleiro nato
Conduz um de combatente?”
Amadis respondeu logo
Com tom de magistratura:
“- Conduzo simples brasão
Pois amo a Literatura:
“Amadis da flor-de-lis”,
O cruzado que figura.”
No mesmo instante Oriana
Apareceu no salão
Os olhares desses dois
Reconheceram paixão.
Ambos sentiram um frio
Correr pelo coração.
Foi um reencontro mágico
Decorado co’o sorriso
Que a moça, ligeiro, deu
Ilustrando o paraíso
Mas Dom Lisuarte viu
E não fez cara de liso.
Quem também viu essa cena
Foi Arcalaus, velho mago,
Naquela tarde esperava
Receber do rei o cargo
De ministro do reinado
E Oriana como afago.
Mas retornando ao casal,
Amadis mais Oriana,
Depois desse novo encontro
Que o coração não se engana.
Ambos marcaram para se ver
Já na próxima semana.
E ao final de tal encontro
Com semblante de desejo,
Amadis se debruçou
À moça com seu arpejo.
Ela o aceitou nervosa
Dando-lhe o primeiro beijo.
A moça muito encantada
Não controlou alegria.
Disse querer ver o moço
Ainda naquele dia.
Marcaram para a notinha
Requentar a euforia.
Só que Amadis ansioso
Ao castelo decidiu
Ir ligeiro ver a moça
Na tarde que se seguiu
E mirando para a torre
Chamou e a donzela ouviu.
Oriana apareceu
Mais bonita que um jasmim
Sua beleza era tanta
Que parecia um jardim
Vendo sua pretendente
Amadis cantou assim:
“- Deus me fez simples mortal
Para os teus olhos poder
Ver neles o Seu luar
O qual fui eu me perder.
Sou cavaleiro plebeu
Teu amor não posso ter.
Mas se o amor é leal
A quem realmente ama
Venho aqui te conduzir
Pra ser minha gentil dama.
Minha senhora, conceda
A mão para quem te chama.”
Oriana se sentiu
Muito feliz pela jura
Mas quando foi confirmar
Amor pelo de armadura,
Os dois escutaram gritos
Vindo da real clausura.
Dom Lisuarte acabara
De nomear seu ministro
E foi Guilherme das Neves,
O duque de El – Dalistro.
Arcalaus, nessa hora mansa
Jurou futuro sinistro.
Dom Lisuarte mandou
A guarda real prendê-lo.
Mas Arcalaus paralisou
Sua mão e cotovelo.
A guarda foi desarmada
E ficando nua em pelo.
Amadis logo chegou
Ao salão do acontecido.
Arcalaus o observou
E mandou um estampido.
O cavaleiro defendeu
Com seu escudo valido.
Gandales arremessou
Sua lança sem sucesso.
Mas ao mago a dominou
E lhe deu um retrocesso.
Ela atingiu o cruzado
Com o seu bastão espesso.
Gandales caiu de fato
Transpassado pela seta
Seu corpo sangrou ardente
O fogo da raiva repleta.
Amadis chamou seu pai
Mas a morte foi completa.
O velho mago se foi
Numa nuvem de fumaça.
Dom Lisuarte ordenou
Um potente ataque em massa.
Mas como deter alguém
Que pela parede passa?
Amadis correu ligeiro
Para salvar o cruzado.
Mas Gandales só lhe disse
Algo sobre o seu passado.
Falou dum reino distante
Por Barro Branco chamado.
Sabendo de tal obstáculo
Lisuarte desistiu.
E para Amadis observou
E com grande ódio o serviu:
“- Não quero mais seus serviços
Minha lei não se cumpriu.”
A lei que o rei referiu-se
Era a lei do sangue azul.
Nenhum plebeu poderia
Ter um norte ou ter um sul
Com a família real
Nem na China ou Istambul.
E Dom Lisuarte disse
Completando sua lei:
“- Devo mandá-lo para longe
Como faz um digno rei.
Mesmo que tenha salvado
Minha vida, pois bem sei.
Se caso voltar para cá
Eu mandarei enforcá-lo.
Pois não tolero desordem
Bem debaixo do meu calo.
Farei tudo isso antes
Que cante o primeiro galo.”
Amadis se retirou
E apenas levou consigo
Sua lança, seu cavalo
E a lembrança do amigo.
A sua espada real
Foi quebrada por castigo.
O cruzado foi saindo
Do feudo desconsolado.
As pessoas lamentavam
Episódio malogrado.
Pois Amadis pela gente
Sempre fora muito amado.
Na sua saída só
Em Oriana pensava
Depois em Gandales e
O Barro Branco visava.
O cruzado não sabia
O que a vida lhe mandava.
Andou por muitas semanas
Sem tomar algum destino
Quando encontrou uma gruta
Pra dormir como menino.
Lá, teve uma visão pura
Que o acordou como sino.
Era a mesma mulher que antes
Aparecera na infância.
Ela sem deixá-lo triste
Apresentou-se em estância:
“- Sou Urganda, a feiticeira,
Vim pra acalmar sua ânsia.”
“- Mas a senhora está, creio,
Um bocado diferente.
Lembro da senhora loura
E hoje é morena aparente.
Devo crer nessa palavra
Ou encará-la de frente?”
“- Calma, meu bom Amadis,
Tenho muitas faces, digo.
Pois como uma feiticeira
Eu também tenho inimigo.
Sempre mudo de pessoa
Mas nunca o meu ombro amigo.
Eu vim para protegê-lo
Do mal que sempre virá,
Pois Arcalaus, como sabe,
Nunca desistir irá.
Você, meu bom Amadis,
Del Avelós salvará.
Afinal, sua Oriana
Lá sempre vai habitar.
Arcalaus matou Gandales
E de ti quer se vingar.
Pois ele quer Oriana
Para com ela casar.”
Amadis escutou tudo
Como bravo e muito atento.
Ao final prestou ali
A Jesus um juramento:
Proteger Del Avelós
Contra qual fosse o portento.
Urganda disse ao rapaz
Que seguisse pela estrada
De terra batida e firme
Pois bem no pé duma escada
Perdida lá estaria
Pra ele uma nova espada.
O cavaleiro seguiu
O tal caminho citado.
Cavalgou por quinze dias
Sem encontrar o bom fado.
Até que viu uma escada
Como se tinha escutado.
A escada não findava
Em nenhuma casa ou prédio.
Muito mato havia ali,
Algum de tamanho médio.
Foi quando uma grande rama
Ao cruzado fez assédio.
Ela acorrentou seus pés
Com silêncio e covardia
E num puxavante brusco
O cavaleiro estendia.
Amadis tomou um susto
Sem saber o que fazia.
Suspenso no ar de pernas
Pra cima e cabeça ao chão.
Chegou uma idosa pobre
A ver tal situação.
Ela, com astúcia e risos,
Retrucou assim então:
“- O cavaleiro deseja
Poder sair daí bem?”
Ouvindo a voz da mulher
Amadis riu-se também.
Aquela idosa senhora
Era Urganda, assim convém.
Com um passe de magia
O cavaleiro caiu.
Urganda disse ter feito
Aquilo pois pressentiu
Que Amadis não creditou
Do que dela então ouviu.
O rapaz se desculpou
Como faz um cavaleiro.
Mas quando pediu perdão,
Sentiu algo de estrangeiro.
Urganda nunca dissera
O seu nome verdadeiro.
E assim ela inda ficou,
Disse não ser decidida
Sobre repentino assunto,
Pois não tinha fácil vida.
Então Amadis versou
Chamá-la Desconhecida.
Ficados em concordância
Ela mirou a escada
Levantou a relva verde
Que lá estava assentada.
Amadis de pronto viu
O brilhante duma espada.
A espada bem moldada
De aço, prata e bons metais
Tinha no seu firme pulso
Frisos e desenhos tais
Onde lia-se “De Gaula”,
“Perión” e nada mais.
Urganda se adiantou
E ao cavaleiro falou:
- Esse é seu pai verdadeiro
Cuja espada outrora herdou.
Gandales foi escudeiro
Do pai que tanto o amou.
Amadis ficou surpreso
Pelo que lhe disse Urganda.
Ela disse: “- Perión
Não se sabe por onde anda.
Sumiu-se com Elisena,
A princesa de Guirlanda.”
A feiticeira seguiu
E falou do Barro Branco,
O reino de Perión
De muitos altos barrancos,
Que Amadis era seu príncipe
Herdeiro do Barro Branco.
“- Mas onde fica esse reino?”
Lhe perguntou Amadis.
Urganda respondeu:
“- No fim da Trilha Infeliz
Que tão somente Endriago,
Grande serpente, é quem diz.”
Endriago é um monstrengo
Invencível, posso crer.
Só ele que agora sabe
Via que queres valer.
Antes havia Gandales
Que nos veio falecer.
O caminho será dado
Caso encontres, Amadis,
Uma pena de ouro feita
Como a legenda nos diz
Na penugem duma ave
Que por nambu se prediz.
“- Mas onde posso encontrá-la,
Já que nunca vi igual?”
“- Não te preocupes, meu caro,
E logo vá afinal.
Pega já a tua espada,
Endriago dá sinal.
Ele se dirige rápido
Ao reino Del Avelós
Arcalaus o despertou
Com ousadia feroz
Oriana já te espera
Chamando com sua voz.”
Assim que soube do fato
Amadis feliz ficou.
Porém com tantos perigos
Nisso mui pouco pensou
Voltou a Del Avelós,
Cujo rei o desprezou.
Endriago envenenado
Por de Arcalaus a magia
Com uma simples rabada
Arrasava freguesia.
Da serpente, muitas léguas
O corpo dela media.
E Del Avelós sofreu
A pior guerra da história
Os cavaleiros do reino
Batalhavam sem escória.
Foram muitos, muitos dias
Pela busca da vitória.
Endriago derrubou
Duas montanhas e um dique,
Destruiu banco e mercado
E também o alambique.
Jogou veneno no rio
E nas vestes de um cacique.
Destruiu muitas famílias,
As lavouras e os moinhos,
Matou animais e plantas
E aves ainda em seus ninhos,
Deixou o vento distante
E os solos muito daninhos.
Dom Lisuarte sacou
Mais uma leva de rochas,
Catapultas variadas
E muitas flechas com tochas.
Tudo atingia o monstrengo
Que não perdia as galochas.
O castelo estava alerta
Com dois mil guarás em frente
Mais de duzentos canhões
Visavam tamanha serpente.
Endriago recebia
As balas como presente.
Oriana estava aflita,
Presa nos seus aposentos
Com suas damas e guardas,
Muito armados cem por cento.
A menina perguntava-se
Pelo cavaleiro bento.
Ainda em terras distantes
Amadis ia correndo
Com seu cavalo Vizir
As estradas percorrendo
Nem imaginavam ambos
O que estava acontecendo.
O tamanho de Endriago
Foi visto a muita distância
Sua cabeça alcançava
As torres de vigilância
Seus olhos eram maiores
Que os mil desejos da ânsia.
Vendo isso o cavaleiro
Começou logo a pensar:
“- Como poderia um homem
Tal monstrengo derrotar?”
Nessa hora Endriago deu-se
C’a cabeça a atacar.
A cabeça entrou no pátio
Mas da porta não passou.
Quem dentro do feudo visse
No mais, medonho ficou.
Endriago em pouco tempo
Da porta se libertou.
E dando uma cabeçada
Arrancou uma parede.
Muitas pessoas saíram;
Foram como peixe em rede.
A serpente as devorou
Querendo matar a sede.
Endriago se mexeu
E mais parede caiu.
Dessa vez a de Oriana
Num instante escapuliu.
Então o réptil c’a língua
Agarrá-la conseguiu.
Foi quando o bom cavaleiro
O horizonte cruzou.
A espada dos De Gaula
Diante do sol brilhou
“Amadis da Flor-de-lis”
Algum cortesão gritou.
Amadis assim correu
E pulou sobre o reptil
Sem esforços mais ousados,
Prendeu-se ao monstro viril
E com sua espada em punho
Cravou-a no corpo vil.
Endriago deu um grito,
O maior em agudeza.
Oriana, desse jeito,
Saiu daquela tristeza.
Mas o monstrengo voltou
Com a horrível brabeza.
A serpente mirou certa
No cavaleiro sem dote
Tentou por dezoito vezes
Enfiar-lhe um mortal bote.
Mas enquanto isso Amadis
C’o escudo tinha mote.
Então o bom Amadis
Duma pedra fez trincheira.
Lá, pôde se concentrar
Com seus contos na algibeira.
Nisso Endriago dotou
Outra mordida certeira.
Mas quando a língua do monstro
Esticou-se no ar quente
Amadis fez sua espada
Atacar violentamente
Arrancando as duas pontas
Da língua mal aparente.
Endriago se tremeu
Revirado em convulsão.
Eram movimentos bruscos
De não se saber noção.
Eles fizeram buracos
Duma maior dimensão.
Muitos gritos foram dados
Muito piores que os d’antes
A serpente se torcia
Com mais força que elefantes
Os solos dos outros reinos
Também ficaram vibrantes.
Até que o monstro parou
E contemplou Amadis.
Endriago foi dizendo:
“- Cruzado da flor-de-lis,
Tua bravura é tamanha
Como teu pai sempre quis.”
Amadis lhe perguntou
Sobre seu pai e o passado.
Endriago respondeu:
“- Tudo do mundo é levado.
A via do Barro Branco
Tem-se para ti chegado.
Basta que me craves tua
Lança em meus olhos de morte.
Só assim saberás teu
Destino, mundo e teu norte.
Basta que me cegues para
Decretares tua sorte.”
Amadis ‘té vacilou
Mas Endriago insistiu.
O cavaleiro da espada
Fez o que o monstro pediu.
Cego, Endriago tornou-se
Uma rocha, assim se viu.
Seu corpo se foi pedrando
E dos olhos bem de lá
Saíram dois rios d’água
Que até hoje ainda há.
Eles são chamados por
Goitá e Tapacurá.
Endriago, todo em pedra,
Não seria mais problema.
Depois soube não ser cobra,
Mas resquício de um sistema.
Era uma hidra de serpentes
Chamada por Borborema.
As outras cabeças dela
Eram sete por completo,
Haviam sido pedradas
Por cavaleiros corretos.
Planalto da Borborema
Ficou seu nome concreto.
Urganda nesse momento
Para o cruzado chegou.
Disse que subindo a serra
E indo em frente encontrou
O reino do Barro Branco,
Onde Amadis rebentou.
Mas Amadis preferiu
Do seu povo acolhimento.
Pois a gente festejava
O fim daquele tormento.
Promoveram muitos vivas
Por este acontecimento.
Amadis logo encontrou
O seu rei Dom Lisuarte,
Que fez questão de lhe honrar
Com um bonito estandarte.
Agora “Amadis de Gaula”
Tinha fama em toda parte.
Amadis com Oriana
Naquela noite encontraram
O amor, mas não se deram
Juntos, pois chegaram
As festas de Galaor,
Cujo casório marcaram.
Oriana estava noiva
Do príncipe de Calais
Vindo de outro continente
Muito longe por demais.
Galaor era guerreiro
E não queria rivais.
Sentindo-se muito triste
Com o que se deu n’amor,
Amadis partiu sozinho
E sem ter nenhum rancor.
Se de fato amado fosse
Venceria qualquer dor.
Oriana revelou
Nunca querer se casar
Com Galaor de Calais,
Homem que não foi gostar,
Porque só por Amadis
Ela foi se apaixonar.
Então ali decidiram
Fugir com exatidão
Pois só a si se queriam
Para viver a paixão,
Que quem não tem não conhece;
Vive triste c’a razão.
O casal de namorados
Naquela noite partiu.
Eles levaram seus sonhos
Como quem sempre o sentiu.
Mas Arcalaus, mago velho,
Essa fuga pressentiu.
O casal seguiu caminho
Por montanhas e rochedos.
Novos demais pro amor
E cúmplices dum segredo.
Queriam-se mais que tudo,
Vencendo seu próprio medo.
Mais além de longas horas
A mulher quis descansar.
O cruzado a acolheu
Em seus braços a ninar.
Aos afagos dum carvalho
Puderam se aconchegar.
E Oriana adormeceu
Tão rápido como o sol
Toca o semblante da terra
De arrebol a arrebol,
Cujos raios partem fios
Do majestoso farol...
Porto de Galinhas, setembro-novembro de 2007