O CURRAL DA POESIA.
O CURRAL DA POESIA.
Do livro: SERTÃO DE RISOS E DORES.
Autor: Aldemar Alves de Almeida.
Mote:
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
MINHA MENTE JÁ ESTÁ ARREGANHADA
O CORAÇÃO JÁ NÃO VIVE NO DESERTO
O CERCADO DA HARMONIA TÁ ABERTO
A CANCELA VAI FICAR ESCANCARADA.
MINHA MUSA NÃO ESTÁ ENCURRALADA
TOCA ALTO O CHOCALHO DA ALEGRIA
NOVA CRENÇA NO MEU PEITO RODOPIA
ENSINANDO REZAR NOVAS ORAÇÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
O MEU ÓDIO NÃO ESTÁ EM LIBERDADE
O PENSAMENTO ESTÁ FORA DA PRISÃO
JÁ CAIU A MÁSCARA DA SOLIDÃO
LIVREI-ME DAS ALGEMAS DA SAUDADE.
ESTOU LIVRE DO VÉU DA ANSIEDADE
A TRISTEZA DE MIM SE DISTANCIA
O ECO DA ANGÚSTIA SILENCIA
NOVO AMOR ME TRAZ NOVAS ILUSÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
SOU A GOTA DE ORVALHO QUE FASCINA
E MATA A SEDE DO CANÁRIO NUMA FONTE
SOU O RAIO DO SOL NO HORIZONTE
SOU A SERRA ENFEITADA DE NEBLINA.
SOU A CAÇA EM LIBERDADE NA CAMPINA
SOU O TOURO ENTRE A VACA E SUA CRIA
SE A FLORESTA FOSSE A MINHA MORADIA
EU BOTAVA UM PAR DE CHIFRES NOS LEÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
VOU OUVIR O ABOIO DO VAQUEIRO
ESCUTAR O COAXO DE UMA RÃ
DESPERTAR BEM ALEGRE DE MANHÃ
COM MEU GALO CANTANDO NO TERREIRO.
EU QUERO ENVIAR MOTE AO VIOLEIRO
PARA ELE SE ESBANJAR NA CANTORIA
QUERO OUVIR NO RIACHO A VOZ DA JIA
AGRADECENDO O FESTEJO DOS TROVÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
SOU A SOMBRA GENTIL DO ARVOREDO
ESTENDIDA ENTRE CAMPOS E CURRAIS
A SONOLÊNCIA ATACANDO OS ANIMAIS
COCHILANDO SOB A SOMBRA DO PENEDO.
SOU A FENDA NATURAL DE UM ROCHEDO
QUE ABRIGA O MOCÓ E A CUTIA
SOU O RAIO DE SOL QUE ANUNCIA
O INÍCIO DA TRISTEZA NOS SERTÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
SOU O VENTO VESPERTINO DO NASCENTE
SOU A COR ESVERDEADA DA CAMPINA
SOU UM BLOCO DE NEVE NA COLINA
SOU A BRISA BEIJANDO A TERRA QUENTE.
SOU A FÚRIA DO RIACHO NA ENCHENTE
SOU A PALHA QUE SUBIU NA VENTANIA
A ESPERANÇA DE VIVER UM NOVO DIA
REMOENDO AS MAIS BELAS ILUSÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
SOU O GALHO ESPINHOSO DA URTIGA
SOU O RABO DA COBRA DANDO AÇOITE
SOU O BERRO DA CORUJA A MEIA-NOITE
SOU A PRAGA RENITENTE DA FORMIGA.
EU SOU O MARIBONDO QUE SE ABRIGA
NO TELHADO DA SUA MORADIA
SOU A QUEDA DA FLOR DA MELANCIA
SOU TERRA SECA NA RAIZ DAS PLANTAÇÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
SOU O SOM ATORDOANTE DA BUZINA
NA VIAGEM CRUEL DO PAU-DE-ARARA
SOU O CHEFE DA NAÇÃO QUE DESAMPARA
FLAGELADOS DA SECA NORDESTINA.
SOU VIOLA QUE A CORDA NÃO AFINA
SOU BARULHO EM SALÃO DE CANTORIA
SOU A FEBRE AFTOSA QUE JUDIA
O ORGANISMO DAS NOSSAS CRIAÇÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
MINHA MENTE É FAMILIARIZADA
COM A BELEZA DO CANTO DA NAMBU
A SINFONIA DO SAPO CURURU
E O TOQUE DO CHOCALHO DA BOIADA.
ESTOU PERTO DA MULATA BRONZEADA
E DO CACHORRO PÉ-DURO BOM VIGIA
DA VACA MESTIÇA DANDO CRIA
E DO LOURO REPETINDO PALAVRÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
NO SERTÃO SOU AQUELA TRISTE IMAGEM
DA LAMA QUE FICOU TODA RACHADA
PELA SECA CRUEL E PROLONGADA
NO LEITO DO RIACHO E DA BARRAGEM.
SOU A FOTO DA CAMPINA SEM FOLHAGEM
ONDE A AVE NÃO ENCONTRA MORADIA
SOU A FILA NOTURNA EM CORRERIA
DA FORMIGA QUE NÃO ACHA PROVISÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
SOU A LUA SERTANEJA COR DE PRATA
QUE EM TEMPO DE SECA NOS CONSOLA
INSPIRANDO OS ACORDES DA VIOLA
NO DELÍRIO DA BELA SERENATA.
EU SOU A CLONAGEM MAIS EXATA
DO CARRO-DE-BOI QUE PASSA O DIA
EXECUTANDO SUA LINDA SINFONIA
QUE ALEGRA OS MAIS DUROS CORAÇÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE CANÇÕES
VOU ABRIR O CURRAL DA POESIA.
A MISÉRIA DO MATUTO NORDESTINO
VEM POR CULPA DOS NOSSOS DIRIGENTES
SALAFRÁRIOS, LADRÕES, INCOMPETENTES
SEMELHANTES A MIOLO DE INTESTINO.
ESSA CORJA PRA GUIAR NOSSO DESTINO
TEM DIREITO A IMÓVEL COM MOBÍLIA
COLOCA NO PODER TODA A FAMÍLIA
E ABRAÇA AS MAIS SUJAS TRANZAÇÕES
PRA TANGER UM REBANHO DE LADRÕES
VOU ABRIR AS PORTEIRAS DE BRASÍLIA.